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Venezuelanos fazem fila por carne estragada em Maracaibo

Moradores fazem fila para comprar carne estragada já que não é mais possível refrigerar alimentos em razão da falta de energia constante

Venezuela: moradores ficam doentes depois de comer carne podre, causada pela falta de energia constante na região (Adriana Loureiro/Reuters)

Venezuela: moradores ficam doentes depois de comer carne podre, causada pela falta de energia constante na região (Adriana Loureiro/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 23 de agosto de 2018 às 15h32.

Última atualização em 23 de agosto de 2018 às 16h33.

Maracaibo, Venezuela - Em Maracaibo, cidade que já foi considerada a Arábia Saudita da Venezuela por sua ampla reserva de petróleo e pela riqueza proporcionada pela commodity, os moradores fazem fila para comprar carne estragada já que não é mais possível refrigerar alimentos em razão da falta de energia constante - realidade da região há mais de 9 meses e que tem piorado recentemente.

Algumas pessoas ficam doentes depois de comer carne podre, mas como elas são vendidas a preços baixos, em muitos casos essa tem sido a única maneira que muitos venezuelanos encontraram para ingerir proteína em um país cada vez mais afetado por uma severa crise econômica.

"(A carne) tem um cheiro forte, mas é só enxaguar com um pouco de vinagre e limão", explica Yeudis Luna, pai de três garotos, enquanto compra cortes de carne já escurecida em um açougue nesta que é a segunda maior cidade da Venezuela.

Os venezuelanos enfrentam a pior crise econômica na histórica do país, que tem as maiores reservas conhecidas de petróleo do mundo. Serviço básicos como água encanada e energia elétrica se tornaram luxo para grande parte da população.

O presidente socialista Nicolás Maduro culpa uma "guerra econômica" travada pelos Estados Unidos e outras potências capitalistas pela situação do país. O governador do Zulia, Estado onde fica Maracaibo, Omar Prieto, disse recentemente que a administração trabalha para acabar com os blecautes constantes, mas que ainda não é possível dizer quando a situação será normalizada.

A extensa área portuária de Maracaibo, às margens de um vasto lago, era um dos principais centros de produção de petróleo da Venezuela, de onde saia cerca de metade do petróleo bruto do país, que era embarcado para todo o mundo.

A ponte sobre o Lago Maracaibo é uma lembrança de quando a situação do país era melhor. A estrutura de oito quilômetros de comprimento, construída há cinco décadas, brilhava à noite com milhares de luzes, ligando a cidade ao resto da Venezuela. Maracaibo era limpa e movimentada e tinha muitos restaurantes internacionais.

Hoje, as luzes da ponte não são mais acesas e plataformas de petróleo quebradas se espalham pelo lago, cujas margens estão poluídas. Os centros comerciais outrora luxuosos caíram em ruínas e as empresas internacionais deixaram a cidade.

Nos últimos nove meses, os moradores de Maracaibo tem sofrido com os apagões constantes. E as coisas ficaram ainda pior depois que no dia 10 um incêndio destruiu a principal linha de energia que abastecia essa cidade de 1,5 milhão de pessoas.

As geladeiras se tornaram peças de decoração na maioria casas e as carnes passaram a estragar rapidamente. Pelo menos quatro açougues vendem carne apodrecida em Las Pulgas, o mercado central de Maracaibo.

O açougueiro Johel Prieto conta que a falta de refrigeração fez com que um lado inteiro de uma grande peça de carne apodrecesse. Ele admite que triturou grande parte e misturou com uma peça de carne fresca, na tentativa de mascarar a deterioração.

Uma bandeja de carne moída e de outros cortes acinzentados expostos em seu balcão a céu aberto é alvo das moscas - e de um fluxo constante de clientes. Alguns usam essa carne para alimentar seus cães, mas muitos cozinham para suas famílias, explica Prieto.

"É claro que eles comem a carne - graças a Maduro" diz o açougueiro. "A comida dos pobres é comida estragada."

Do outro lado da rua, em outro comércio, um açougueiro - sem camisa e fumando um cigarro - oferece bandejas de cortes escurecidos."As pessoas estão comprando", afirma José Aguirre, enquanto descarrega um lote de frango estragado.

Luna, um vigia de estacionamento de 55 anos de idade, levou um quilo de cortes bovinos para casa sabendo que estavam em condições inadequadas para consumo.

No ano passado, sua mulher foi para a Colômbia e o deixou com os filhos os três filhos, de 6, 9 e 10 anos. Segundo Luna, ela não aguentava mais passar fome e, desde então, ele não tem notícias da companheira.

Para preparar a carne, o vigia diz que primeiro a lava com água e depois a deixa de molho durante a noite em vinagre. Ele espreme dois limões e a cozinha com tomate e cebola.

Atualmente, Luna e seus filhos só conseguem comer carne apodrecida. "Estava preocupado que ficariam doentes por causa do mau cheiro", diz o vigia. "Mas só o mais novo teve diarreia e vomitou."

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