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Vacinem adultos na Índia antes de crianças nos EUA, pedem médicos

Em artigo na revista The Atlantic, grupo de médicos pede que governo americano reconsidere a aplicação de doses nos mais jovens: "As crianças americanas podem esperar"

Grace Peterson, de 14 anos, vacinado na Geórgia: EUA liberou vacinação de crianças a partir dos 12 anos nesta semana (Chris Aluka Berry/Reuters)

Grace Peterson, de 14 anos, vacinado na Geórgia: EUA liberou vacinação de crianças a partir dos 12 anos nesta semana (Chris Aluka Berry/Reuters)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 12 de maio de 2021 às 18h18.

Última atualização em 12 de maio de 2021 às 21h24.

Um grupo de médicos nos Estados Unidos fez nesta quarta-feira, 12, um apelo ao governo americano: não vacinar adolescentes, ainda que haja doses disponíveis. O motivo não é a segurança das vacinas, mas a falta de doses mundo afora.

Intitulado Crianças americanas podem esperar, o artigo foi publicado na revista americana The Atlantic, assinado por três profissionais renomados no debate sobre a covid-19 nos Estados Unidos: Tracy Beth Hoeg, médica atuante e também pesquisadora na Universidade da Califórnia em Davis (UC Davis), o hematologista e oncologista Vinay Prasad e a médica Monica Gandhi, ambos da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF).

Os profissionais argumentam que "os Estados Unidos e outras nações ricas terão a oportunidade de salvar centenas de milhares de vidas ameaçadas pela covid-19 no sul da Ásia" e que, "em nome da equidade global, os americanos deveriam retardar a vacinação de nossas crianças".

O artigo se refere sobretudo à crise na Índia, que piorou no último mês devido ao surgimento de uma nova variante, mais contagiosa. O país superou ontem os 250.000 mortos por covid-19 e a média móvel passa de 3.800 mortes por dia. A guerra contra o vírus na Índia é especialmente delicada pela população numerosa do país, que supera 1 bilhão de habitantes, e pela alta taxa de pobreza.

O debate sobre a vacinação em crianças acontece após a FDA, agência reguladora de medicamentos nos Estados Unidos, autorizar na segunda-feira, 10, que a vacina de Pfizer/BioNTech seja aplicada em crianças de 12 a 15 anos. Nesta quarta-feira, 12, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) se reuniu e reforçou a decisão da FDA, também recomendando o uso da vacina nos adolescentes.

No artigo à The Atlantic, no entanto, os médicos defendem que somente crianças com alguma comorbidade específica sejam vacinadas. Do contrário, apontam que o risco de casos graves em crianças é extremamente pequeno, não maior do que o da gripe comum.

Das mais de 581.000 mortes por covid-19 nos Estados Unidos até o momento, só cerca de 300 foram em pessoas com menos de 18 anos.

Os Estados Unidos têm mais de 20 milhões de crianças e adolescentes a partir dos 12 anos. O artigo argumenta que, ao atrasar a vacinação deste grupo, pouco afetado pela covid-19, "dezenas de milhões de doses adicionais seriam mobilizadas, podendo ser usadas quase imediatamente em regiões duramente afetadas no exterior."

Os autores do artigo apontam também que, à medida que mais adultos são vacinados nos Estados Unidos, as crianças tendem a ficar ainda mais seguras. Um dos argumentos para vacinar as crianças é reabrir escolas com mais segurança, mas os especialistas avaliam que, até agora na pandemia, as taxas de covid-19 em crianças subiram ou decaíram como reflexo das taxas no resto do país.

E as notícias são boas nesta seara: mesmo com as novas variantes, o número de infecções e mortes por covid-19 nos Estados Unidos está em queda livre devido à vacinação.

A média móvel de mortes no país, mesmo com 330 milhões de habitantes (população superior à brasileira), está pouco acima de 600 vítimas por dia, ante cerca de 2.000 no Brasil e 4.000 na Índia.

Mais de 46% da população nos Estados Unidos foi vacinada com pelo menos uma dose (59% se contabilizada somente a população de 18 anos ou mais) e 35% dos americanos já estão totalmente vacinados — com somente uma no caso da vacina da Johnson & Johnson. Já o Brasil vacinou somente 17% da população com pelo menos a primeira dose e a Índia, 10%.

(Our World In Data/Adaptado/Reprodução)

"Permitir a exportação de doses seria não só uma diplomacia vacinal efetiva mas também estaria dentro dos próprios interesses dos americanos. Obter um melhor controle da doença ao redor do globo preveniria ou retardaria o surgimento de novas variantes preocupantes", escrevem os autores do artigo.

O governo do presidente Joe Biden vem sendo pressionado a exportar doses excedentes de vacina a outros países. Biden já começou a enviar doses extras da AstraZeneca — que não é usada na campanha de vacinação americana — e anunciou neste mês que vai apoiar junto à Organização Mundial do Comércio uma suspensão temporária das patentes de vacinas para acelerar a fabricação em outros países. No entanto, com o começo da vacinação de crianças, os Estados Unidos devem ser ainda mais questionados.

A vacina da Pfizer foi a primeira a ser autorizada para essa faixa etária. Até então, as vacinas contra a covid-19 já estavam autorizadas para adolescentes maiores de 16 anos no país. A Pfizer também já testa sua vacina em crianças entre 5 e 11 anos, e outras farmacêuticas também estão testando em jovens americanos.

A vacinação em crianças já começou no estado da Geórgia, Arkansas e Delaware (o estado natal de Biden). Outros estados já anunciaram que começarão a vacinar nos próximos dias. Alguns estados estão em processo de decidir se aplicarão as doses em adolescentes ou se haverá restrições.

Além da Pfizer, os Estados Unidos têm usado as vacinas das também americanas Moderna e Johnson & Johnson.

Foram 265 milhões de doses aplicadas, e a vacina já está disponível para todos os adultos que desejarem. Os que ainda não se vacinaram têm optado por não fazê-lo devido à desconfiança de parte da população com relação ao imunizante, e o governo iniciou campanhas para convencer os americanos a se vacinarem.

Aprovada a vacina para crianças na frente científica, a tendência é que o debate moral e ético se intensifique a partir de agora.

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