Trump e Kim: a Guerra Fria das Olimpíadas de Inverno
Americanos anunciam nova leva de sanções para durante os Jogos de Inverno, justamente quando Coreia do Sul e do Norte se aproximam
Da Redação
Publicado em 7 de fevereiro de 2018 às 21h11.
Última atualização em 7 de fevereiro de 2018 às 21h12.
Americanos e norte-coreanos dão a impressão de estar atravessando um campo minado — e o que é pior, sem um mapa. Os dois países renovaram as ameaças mútuas em uma reunião em Genebra que seria sobre desarmamento, e o vice-presidente Mike Pence disse nesta quarta-feira que os EUA vão anunciar as sanções mais duras de que se tem notícia contra Pyongyang.
Nada disso demove Akihiko Tanaka, um dos maiores especialistas japoneses em Leste Asiático, da convicção de que uma guerra na Península Coreana é muito improvável. Menos provável ainda entre EUA e China, avaliou Tanaka, professor do Instituto Nacional de Graduação em Estudos de Políticas, de Tóquio, em um debate nessa terça-feira na Japan House, em São Paulo.
Chefe da delegação americana nos Jogos Olímpicos de Inverno que começam nesta sexta-feira na cidade sul-coreana de Pyeongchang, Pence prometeu “a mais dura e agressiva rodada de sanções econômicas contra a Coreia do Norte já adotada”. Segundo a rede de TV americana CBS, elas entrarão em vigor ainda no transcorrer dos Jogos, que vão até o dia 25.
“Os Estados Unidos continuarão a isolar a Coreia do Norte até ela abandonar seus programas nuclear e balístico de uma vez por todas”, afirmou o vice-presidente americano, em entrevista coletiva ao lado do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, em Tóquio, antes de ambos rumarem para Pyeongchang.
Abe será o único chefe de governo presente nos Jogos, num gesto de boa vontade para com a Coreia do Sul, que reabriu a queixa em torno das “comfort women”, sul-coreanas usadas como escravas sexuais pelos japoneses durante a 2.ª Guerra, embora os dois países já tivessem acertado em 2015 uma indenização de 8,8 milhões de dólares para as sobreviventes.
O humor do governo americano contrasta fortemente com o do presidente sul-coreano, Moon Jae-in, que assumiu no ano passado com o desejo explícito de se reaproximar da Coreia do Norte e da China, e ao mesmo tempo manter a aliança com os EUA.
As delegações dos dois países da Península Coreana vão desfilar e até competir juntas nos Jogos. Segundo analistas, um dos objetivos do ditador norte-coreano, Kim Jong-un, ao quebrar o gelo com seu vizinho do sul, é justamente criar um ruído entre Coreia do Sul e EUA.
Washington parece ter mordido a isca. “Não vamos permitir que a propaganda norte-coreana sequestre a mensagem e a imagem dos Jogos Olímpicos”, disse o vice-presidente americano. “Não permitiremos que a Coreia do Norte esconda atrás da bandeira olímpica a realidade de que ela escraviza seu povo e ameaça a região.”
Num sinal da disposição norte-coreana de investir nesse golpe de publicidade, a delegação do país será chefiada por Kim Yo-jong, a irmã mais nova de Jong-un. Com apenas 30 anos, ela tem sido guindada para postos de alta visibilidade do regime: primeiro na direção do órgão de propaganda e depois do Partido dos Trabalhadores. É a primeira vez em mais de seis décadas que um membro da família que governa a Coreia do Norte — já na terceira geração — visita a Coreia do Sul.
Tanaka, o especialista japonês, também desconfia dos verdadeiros propósitos do ditador norte-coreano. Ele avalia que a reaproximação não durará muito mais do que os Jogos: “É impossível chegar a um acordo com a Coreia do Norte, porque isso exigiria que eles desistissem de seu programa nuclear. O país violou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e não pode ser aceito como potência nuclear.”
Os EUA no alvo
Nessa terça-feira, na Conferência da ONU sobre Desarmamento, o representante americano, Robert Wood, disse que a Coreia do Norte “não engana ninguém com sua ofensiva de charme” e denunciou que o país está apenas a meses de se capacitar para atingir o território dos EUA com armas nucleares.
“A Coreia do Norte acelerou sua busca provocativa de armas nucleares e aperfeiçoamento de mísseis”, acusou o embaixador. Uma nova revisão da política nuclear americana anunciada na semana passada “reafirma que o programa nuclear ilícito da Coreia do Norte precisa ser eliminado de forma completa, verificável e irreversível, resultando numa Península Coreana livre de armas nucleares.”
O primeiro míssil intercontinental norte-coreano, o Hwasong-14, foi testado em julho. Em novembro, o país disparou o Hwasong-15, com alcance para atingir o território americano. Entretanto, os especialistas acreditam que os norte-coreanos ainda não sejam capazes de embarcar uma ogiva nuclear nesse míssil. Mas estão trabalhando nisso, e o programa tem avançado a um ritmo surpreendente.
Justificando a atitude do governo de Donald Trump de suspender o desarmamento nuclear, o embaixador acrescentou: “A Rússia, a China e a Coreia do Norte estão aumentando seus estoques, elevando a importância das armas nucleares em suas estratégias de segurança e, em alguns casos, buscando o desenvolvimento de novas capacidades nucleares para ameaçar outras nações pacíficas”.
Wood arrematou: “Não vamos enfiar nossa cabeça na areia, vamos responder a essas ameaças crescentes”. As delegações desses países na convenção rejeitaram as acusações, segundo a agência Reuters.
O representante norte-coreano, Ju Yong-chol, acusou os EUA de agravar a situação na península, ao deslocar para a região “grandes ativos nucleares”. “Em vista da natureza e escala dos reforços militares americanos, eles são destinados a fazer um ataque preventivo contra a DPRK (República Popular Democrática da Coreia)”.
O diplomata acrescentou que a política de Trump de “colocar a América em primeiro lugar”, combinada com a superioridade nuclear dos EUA, coloca em risco a paz e a segurança mundial, “desencadeará uma nova corrida nuclear e pode levar o mundo todo a uma catástrofe horrível”.
Tanaka, no entanto, continua achando que isso é “altamente improvável”. “O líder da Coreia do Norte não é louco”, assegurou o especialista japonês. Segundo ele, a “dissuasão nuclear”, ou seja, a contenção dos países perante o risco de uma aniquilação mútua, “ainda é capaz de evitar uma guerra na península”.
“Não digo que o risco seja zero”, ressalvou Tanaka. “Afinal, Trump está no governo. Seria muito perigoso os EUA começarem uma guerra. A Coreia do Norte dispararia uma barragem de mísseis contra Seul, que está a apenas 50 km da fronteira. Mas acidentes podem acontecer.”
Um conflito envolvendo a China e os EUA é ainda mais remoto, avalia o especialista. “Embora os gastos militares chineses tenham crescido muito, a capacidade somada de EUA, Japão e Coreia do Sul desencoraja a China. Mas não podemos excluir a possibilidade de estranhos acidentes gerarem um círculo vicioso. Por isso, é muito importante criar um canal de comunicação entre Pequim e Washington.”
O repórter de EXAME perguntou também ao especialista o impacto que teria, sobre a China e o resto da região, uma eventual mudança da Constituição japonesa para permitir às Forças Armadas do país lançar ações preventivas. “Segundo a interpretação do atual governo, não é preciso mudar a Constituição para se livrar de uma ameaça clara e concreta”, respondeu ele, ressaltando que as Forças Armadas japonesas estão entre as mais bem preparadas do mundo.
Tanaka disse que a China se beneficiou com a saída dos Estados Unidos da Parceria Transpacífico (TPP) — desenhada pelo ex-presidente Barack Obama exatamente para excluir os chineses da formulação das regras de livre comércio e investimentos na região. “A China ganhou credibilidade frente a outros países não-membros da TPP”, observou ele.
Segundo o especialista, a estratégia do Japão é convencer a China e a Índia a adotarem padrões mais altos de liberdade comercial para poderem se incorporar futuramente ao bloco. “A ascensão da China se deveu ao livre comércio, e dentro do país há os que o apoiam.”
Tanaka considera que há um certo exagero nas previsões de que a China se tornará uma superpotência, ultrapassando os EUA. Ele observa que os EUA ainda estão muito na frente da China, e que outras potências emergirão, como a Índia, e até mesmo o Brasil e a Nigéria. O repórter de EXAME atalhou: “A Nigéria é mais provável”. A plateia de brasileiros e japoneses radicados em São Paulo caiu na gargalhada.