TRUMP E HILLARY: independentemente do vencedor, é certo que as relações dos Estados Unidos com seus parceiros na América Latina irão mudar / Jim Young/ Reuters
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2016 às 07h34.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h16.
Sérgio Teixeira Jr., de Nova York
O segundo debate entre Hillary Clinton e Donald Trump contou com perguntas de eleitores que cercavam o candidatos no palco e acabou com uma questão que provocou risos da plateia: você poderia destacar uma qualidade positiva do seu adversário? As risadas devem ter sido nervosas, porque o que se viu nos 90 minutos anteriores foi uma troca de agressões que o site Politico chamou de “o debate mais feio da história”. Os adversários nem sequer apertaram as mãos antes do começo do debate e apenas trocaram acenos à distância. Trump teve uma performance muito superior à do primeiro encontro, e as primeiras reações dos analistas falavam em empate ou vitória de Hillary por pontos. Mas o que o mundo realmente queria ver na noite de domingo eram os comentários de Trump sobre o vídeo de 2005 no qual ele se gaba de ter atacado mulheres sexualmente. Eis a transcrição da primeira pergunta sobre o vídeo, que se tornou o grande assunto da eleição presidencial:
Anderson Cooper (moderador): O senhor falou em conversa de vestiário: beijar mulheres sem consentimento, agarrar a genitália. O senhor se gabou de ataques sexuais. O senhor entende isso?
Donald Trump: Não, não disse isso, de maneira nenhuma. Não acho que você tenha entendido o que foi dito. Foi conversa de vestiário. Não me orgulho disso. Pedi desculpas à minha família e à população americana. Não me orgulho, mas isso é conversa de vestiário. Quando temos um mundo em que o ISIS corta cabeças e afoga pessoas em jaulas, quando você tem guerras e imagens terríveis, terríveis por toda parte, quando você tem tantas coisas ruins acontecendo, é como tempos medievais, nunca vimos nada parecido, carnificina no mundo inteiro. E [as pessoas] olham e veem. Você consegue imaginar que pessoas que francamente estejam indo tão bem contra nós, com o ISIS, e elas olham para o nosso país. Sim, sinto muita vergonha, odeio, mas foi conversa de vestiário, mas é uma dessas coisas. O ISIS surgiu por causa de um vácuo por erros de discernimento.
Depois de outras tentativas de driblar a pergunta atacando a adversária, Trump foi instado pelo moderador a responder se ele já havia de fato agido como descreve no vídeo. “Não”, respondeu o candidato. “Tenho respeito tremendo pelas mulheres.” Hillary Clinton afirmou que Trump devia um pedido de desculpas não só pela gravação, mas também ao presidente Barack Obama, pelas acusações de que ele não teria nascido nos Estados Unidos, para a família do soldado muçulmano morto em combate e menosprezada por Trump e para o juiz de origem latina cuja isenção foi colocada em dúvida pelo republicano.
Trump não se desculpou por nada disso. Também não pediu desculpas nem se esforçou para demonstrar contrição em relação ao desastre que são suas declarações captadas no vídeo, uma conversa com o apresentador de TV Billy Bush gravada quando eles se preparava para entrar no ar. As tentativas ostensivas de minimizar o escândalo – uma bomba nuclear que atingiu sua campanha na sexta-feira – são compreensíveis vindas de Trump, o não-político que se vangloria de fazer o contrário do que todos esperam. A questão é saber se as poucas lideranças do Partido Republicano que ainda estão a bordo da campanha vão correr para os botes salva-vidas depois do tom desafiador exibido por Trump na noite de domingo.
A recusa em abaixar a cabeça e expressar remorso não foi exatamente uma surpresa: pouco antes do início do debate, Trump convocou uma “entrevista coletiva” de última hora, transmitida ao vivo pelo Facebook. Trump estava ladeado por quatro mulheres. Três delas no passado acusaram Bill Clinton de ataques sexuais; a quarta foi estuprada aos 12 anos por um homem defendido por Hilary Clinton, em 1975. Durante o debate, Trump acusou a ex-primeira-dama de fazer “ataques odiosos” às mulheres que acusaram seu marido de agressões sexuais. As três estavam sentadas na primeira fila da plateia, na área reservada para a campanha de Trump.
O empresário nova-iorquino também afirmou que, se eleito, vai nomear um procurador especial para investigar o uso de um servidor privado de e-mails quando Hillary era a secretária de Estado. Quando Hillary disse ser “muito bom que uma pessoa com o temperamento de Donald Trump” não estivesse à frente do país, ele respondeu: “Porque você estaria na cadeia”. Hillary Clinton foi investigada pelo FBI a respeito do uso do email privado e foi inocentada de qualquer crime, embora tenha sido repreendida pela decisão. Trump insiste há meses que 30 000 emails foram apagados.
Apesar das trocas de acusações graves e da ameaça de colocar a adversária atrás das grades, a performance de Trump foi nitidamente superior comparada à do primeiro encontro. O republicano não comprou as provocações de Hillary e soube colocá-la na defensiva, usando outro de seus argumentos-chave: em 30 anos de carreira política, a democrata falou muito, mas fez pouco. “São só palavras, pessoal, só palavras”, afirmou Trump sobre o histórico de Hillary.
Faltam apenas 28 dias para a eleição, e mesmo antes da divulgação do mais recente escândalo Hillary parecia estar ganhando terreno em estados importantes no Colégio Eleitoral, como Ohio, Colorado e Pensilvânia. Um retrato da corrida presidencial vai ficar mais claro esta semana, quando as reações aos comentários de Trump e à sua participação no debate começarem a ser refletidos nas pesquisas. Se as discussões se concentraram na misoginia expressada por Trump em diversas ocasiões, uma vitória de Hillary é considerada quase fato consumado, pois o republicano tem encontrado dificuldades em expandir sua base de apoio além dos homens brancos sem formação superior. Outro ponto importante será o comportamento dos republicanos. Muitos deles defendem simplesmente parar de apoiar o empresário e focar os esforços nas eleições parlamentares. Trump tem uma estrutura de campanha pequena para os padrões americanos e depende em grande medida do apoio do partido para conseguir se eleger. Tudo leva a crer que teremos muitas emoções até o terceiro e último debate, marcado para 19 de outubro.