Sobrevivente de Hiroshima: "Mais uma bomba atômica e mundo acaba"
Em entrevista a EXAME.com, ex-soldado japonês que estava a 1,3 quilômetro do local onde a bomba caiu relata o episódio e lembra a importância da paz
Gabriela Ruic
Publicado em 6 de abril de 2017 às 13h30.
Última atualização em 5 de agosto de 2020 às 15h44.
São Paulo – O clarão, a fumaça, pessoas mortas ou gravemente feridas, a pele descolando dos seus corpos. Há 75 anos, essa cena se repete na mente do japonês Takashi Morita, 96 anos.
Ele mesmo estava muito machucado. Pudera: tinha acabado de se levantar do chão após ter sido lançado dez metros na frente em razão da força de uma explosão.
O dia era 6 de agosto. O ano era 1945. A cidade era Hiroshima ( Japão ) e o dia prometia tempo bom. Naquele amanhecer, nenhum dos 420 mil moradores dessa cidade localizada a 800 quilômetros de Tóquio imaginava que suas vidas mudariam brutalmente em poucas horas.
Precisamente às 8h15
Foi esse o horário em que o avião “Enola Gay” das forças armadas dos Estados Unidos lançou “Little Boy” sobre Hiroshima, uma bomba nuclear cuja intensidade era equivalente a 20 mil toneladas de explosivo. Instantaneamente, ao menos 80 mil pessoas foram mortas e 100 mil ficaram gravemente feridas.
Pós-bomba
Caminhando pela rua naquela manhã, Takashi estava a 1,3 quilômetro do local onde a bomba caiu, um hospital, e sobreviveu. Na época um soldado de 23 anos, passaria os próximos dois dias sem comer, auxiliando no resgate das vítimas.
“A cidade ficou destruída”, contou, “havia muitos mortos e feridos”. Vivendo no Brasil desde 1956, Takashi recebeu EXAME.com, em 2017, em sua mercearia em São Paulo para uma entrevista sobre o que chama de “dia em que o inferno se fez presente na Terra”.
O ex-soldado conta que, por muitas horas, ninguém sabia dizer o que estava acontecendo. Em Tóquio durante o bombardeio americano que devastou cidade no início de 1945, lembra que aquela situação, embora grave, foi diferente do que testemunhou depois em Hiroshima.
“Não pensávamos que isso poderia acontecer”, explicou referindo-se à suspeita de que uma bomba atômica pudesse atingir o país. “Em Hiroshima, as pessoas estavam muito machucadas, com a pele caindo”, relatou. “Os anos se passaram e essa cena não sai da cabeça”. Ainda assim, diz, nunca pensou em vingança. Só queria que a guerra acabasse.
Sete décadas depois desse que se tornou um dos momentos mais marcantes da Segunda Guerra Mundial, Takashi lança nesta quinta o livro “A Última Mensagem de Hiroshima: O que vi e como sobrevivi à bomba atômica” ( Universo dos Livros ), no qual retrata como era a vida antes do ataque nuclear e detalha aquele fatídico dia 6 e suas consequências.
Ativismo contra armas nucleares
Takashi veio com a esposa e os dois filhos, todos nascidos em Hiroshima, para o Brasil em 1956 e vivem em São Paulo desde então. Ao lado da filha Yasuko, que é historiadora, passou a se dedicar ao ativismo pela paz e contra armas nucleares com a Associação Hibakushas do Brasil, como são chamados os sobreviventes das bombas de Hiroshima e Nagasaki.
Sua mensagem é clara: “Precisamos da paz. Mais uma bomba atômica e mundo acaba”, prevê, notando que a potência desses artefatos é hoje muito superior ante a força daqueles que atingiram as cidades. Sua previsão não poderia ser mais pertinente, uma vez que a comunidade internacional hoje enfrenta a ameaça dos testes de mísseis balísticos da Coreia do Norte.
Décadas depois do fim da Segunda Guerra Mundial e da constatação da devastação que essas armas trazem, a proibição ainda é um impasse entre as grandes potências. Em 2017, a ONU iniciou negociações inéditas para enfim bani-las, uma demanda antiga de muitos países.
Essas negociações tiveram o apoio de 123 membros da entidade, como Brasil, Áustria, Suécia e África do Sul. No entanto, países que abertamente têm armas nucleares (Estados Unidos e Rússia, por exemplo), votaram contra o início da conversa. Assim como o Japão, o único país do mundo que foi alvo de um ataque como esse.
“O Japão teria que liderar esse movimento pela proibição por uma obrigação histórica”, critica Yasuko. “Mas, infelizmente, não é essa a atitude do governo atual e isso nos entristece”.
“A humanidade precisa se conscientizar quanto aos riscos dessas armas. Elas trazem problemas além da destruição patrimonial. A radiação fica no corpo, fica no solo e ninguém sabe exatamente as suas consequências”, lembra a historiadora ao lado do pai, que desenvolveu leucemia em razão da radiação emitida pela bomba nuclear.
EXAME.com produziu um vídeo que registra o relato de Takashi sobre o primeiro ataque nuclear da história. Veja abaixo.