Faixa da cúpula do G20 em estação portuária na margem do rio Neva em São Petersburgo: reunião começa nesta semana (Alexander Demianchuk/Reuters)
Da Redação
Publicado em 3 de setembro de 2013 às 16h18.
Moscou - O Grupo dos 20 iniciou na crise financeira mundial de 2009 uma cooperação sem precedentes entre nações desenvolvidas e emergentes para evitar o colapso econômico, algo que depois não teve paralelo.
Quatro anos depois, as mudanças no âmbito do poder e do dinheiro --lideradas por fuga de capitais dos mercados emergentes-- e as divisões abertas sobre a Síria vão testar a determinação dos líderes do G20 quando eles se encontrarem esta semana em São Petersburgo, a segunda maior cidade russa.
É a própria amplitude do fórum, que reúne as economias desenvolvidas e em desenvolvimento responsáveis por dois terços da população e 90 por cento da produção mundial, o que torna difícil forjar uma frente unida.
"Há um tremendo vácuo de coordenação política e eu acho que nunca vi uma situação tão ruim", disse um economista que falou sob condição de manter o anonimato, comentando os dois dias de negociações a partir de quinta-feira.
O presidente dos EUA, Barack Obama, que já desistiu de realizar uma reunião com o anfitrião, o presidente Vladimir Putin, após um desentendimento entre Washington e Moscou, pode ser perdoado por querer pular todo o encontro.
Obama tem se esforçado para conseguir apoio ocidental para uma ação militar contra o regime da Síria, que o governo norte-americano acredita seja a responsável pela morte de mais de 1.400 pessoas em um ataque com armas químicas.
A Grã-Bretanha, um aliado geralmente confiável, recuou após uma revolta parlamentar na semana passada.
O pedido de Obama de aprovação do uso da força pelo Congresso surpreendeu o Kremlin por parecer ser uma demonstração de fraqueza após a potente ação norte-americana no Iraque e no Afeganistão ao longo da última década.
Putin quer pôr a Síria na agenda do G20 e é improvável que faça qualquer concessão menos de três meses depois de ter ficado na condição de pária na questão síria na última grande reunião de líderes mundiais --o G8.
"Não é um substituto para o Conselho de Segurança da ONU, não pode tomar decisões sobre o uso da força. Mas é uma boa plataforma para discutir o problema. Por que não aproveitar isso?", declarou ele no sábado.
"É de interesse dos Estados Unidos mais uma vez destruir o sistema de segurança internacional, os fundamentos do direito internacional? Será que isso vai fortalecer o prestígio internacional dos Estados Unidos? Dificilmente", disse ele.
A Síria e a Rússia afirmam que os rebeldes realizaram o ataque com gás para provocar uma intervenção militar estrangeira. O governo russo tem usado repetidamente o seu veto no Conselho de Segurança da ONU para bloquear a ação contra a Síria.
O conflito será discutido à margem da cúpula por pelo menos alguns dos ministros de Relações Exteriores do G20 que normalmente não são convidados para esse encontro anual. Mas não está claro se o assunto será discutido formalmente pelos líderes.
Com Obama em viagem, os inspetores das Nações Unidas ainda prestes a apresentar suas conclusões sobre as mortes em Damasco e o Congresso dos EUA se programando para votar a intervenção na semana que vem, não se esperam ataques aéreos, por agora, apesar de um susto durante o teste de lançamento de um míssil israelense nesta terça-feira.
Alguns números, entretanto, revelam uma desconexão estratégica: os gastos dos EUA com defesa representam 39 por cento do total mundial, quase duas vezes a sua participação de 22 por cento na economia do planeta.
Domínio do Dólar
É o papel descomunal do dólar no sistema financeiro global --cerca de 62 por cento das reservas dos bancos centrais estão em moeda dos EUA-- que tem sido em parte responsável por uma montanha-russa nos mercados ao longo da presidência da Rússia no G20.
O ano começou com a controvérsia sobre se o agressivo estímulo fiscal e monetário do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, foi um ato de "guerra cambial", projetado para causar uma desvalorização competitiva.
Por fim, a "abenomics" recebeu passe livre, quando os ministros das Finanças se reuniram em fevereiro. O Federal Reserve vinha, afinal de contas, sido comprando 85 bilhões de dólares em títulos todo mês para tentar restaurar o fluxo de crédito acessível para a economia dos EUA.
Quando o presidente do Fed, Ben Bernanke, alertou em maio que o banco central dos EUA iria reduzir o ritmo de impressão de moeda, já que a economia dos EUA estava se recuperando, os dólares baratos, que tinham inundado os mercados emergentes, voltaram.
Países com déficits externos e fiscais, sobretudo a Índia, ficaram mais expostos.
Não há sinal ainda de que os outros membros dos mercados emergentes do Brics --Brasil, Rússia, China e África do Sul-- tenham se posicionado ao lado da Índia depois que o governo indiano fez um chamado na última sexta-feira para uma intervenção cambial conjunta.
Os Brics ainda estão se esforçando para chegar a um acordo sobre a fundação de um banco de desenvolvimento conjunto, o que ainda deve levar meses ou mesmo um ano, e a ideia de criar uma intervenção monetária conjunta perdeu força.
Resultados
Nenhuma cúpula estaria completa sem os chamados "resultados", e se espera que os líderes assinem propostas para combater a evasão fiscal por empresas multinacionais, reveladas em julho.
Será apresentada também aos líderes uma iniciativa para refinar a regulação do mercado global de 630 trilhões de dólares em derivativos financeiros --tais como futuros, opções e swaps-- para evitar uma possível turbulência.
O Conselho de Estabilidade Financeira do G20 (FSB em inglês, mas não confundir com o serviço secreto russo, que tem as mesmas iniciais) dará prazo até 2015 para o chamado "setor bancário paralelo" cumprir as novas regras globais.
Enquanto os Estados Unidos e a China vêm adotando medidas agressivas para estimular a demanda, a Europa tem sido mais lenta no abandono das medidas de austeridade e o tesoureiro do continente, a Alemanha, resiste a assinar um cheque em branco para respaldar uma união bancária da zona do euro.
Um sistema bancário fragmentado pode prejudicar o crescimento se os países não conseguem superar suas diferenças sobre bancos "grandes demais para quebrar" que operem com dificuldades, disse esta semana o governador do Bank of England e presidente do FSB, Mark Carney.
Ausente do debate do G20 é a questão premente de como afastar o mundo de sua dependência de uma única moeda.
"O dólar, e por extensão o programa de compra de ativos, são a chave para os mercados", disse Neil Shearing, da Capital Economics, em Londres. Quanto aos mercados emergentes, ele observou: "A única coisa pior do que um dólar fraco é um dólar forte".