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Sem marcas e discreto: um ano após morte de Elizabeth II, qual o balanço do reinado de Charles III?

Por ora, reinado é discreto e sem marcas, na avaliação de Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira, professor de política internacional da FGV

Rei Charles: Charles conseguiu se tornou mais querido pela população em um ano (Jane Barlow/PA/Getty Images)

Rei Charles: Charles conseguiu se tornou mais querido pela população em um ano (Jane Barlow/PA/Getty Images)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 8 de setembro de 2023 às 08h00.

Última atualização em 8 de setembro de 2023 às 08h58.

No dia 8 de setembro de 2022, o mundo perdeu uma das figuras mais longevas da história recente. A rainha Elizabeth II faleceu e deixou o trono para o filho. Com quase um ano de reinado, Charles III realiza, por ora, um reinado sem grandes destaques e sem marca, na avaliação de Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira, professor de política internacional da FGV. 

"Especulava-se que Charles III seria mais intervencionista, principalmente com atuação na pauta ambiental. Porém, o que se vê é um rei discreto e sem marcas", explica Vieira.

O professor argumenta que um dos fatos que definiram qual seria a postura de Charles III em seu reinado foi a decisão de não comparecer na 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP) no ano passado. "Quando ele não foi na COP do ano passado, ficou claro que ele não seria tão atuante como quando era príncipe de Gales", diz.

Primeiro ano de Charles III

O primeiro ano do monarca mais velho a ascender ao trono teve uma agenda mais tradicional e reservada ao papel institucional da figura. O rei encarou o luto nacional pela perda da rainha, os primeiros compromissos oficiais, um novo primeiro-ministro, a economia claudicante do Reino Unido, um escândalo com o seu filho Harry e o episódio da caneta.

Desde que assumiu o trono, Charles reorganizou a corte para enxugar sua estrutura e focou em uma agenda mais global. Ele recebeu líderes internacionais, como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o ucraniano Volodymyr Zelensky. As atitudes, porém, não apresentaram nenhuma mudança que possa ser considerada uma modernização da realeza, na avaliação do professor da FGV.

No comportamental, Charles III se mostrou acessível à população durante viagens pelo país. A sua mensagem de Natal, em dezembro do ano passado, foi acompanhada por 10,6 milhões de telespectadores, um recorde.

O ponto negativo para opinião pública foi quando o rei demonstrou irritação ao utilizar uma caneta que não funcionava. O vídeo viralizou e gerou um problema de relações públicas para a coroa.

Outra marca do início do reinado foi o escândalo com o seu filho mais novo, Harry, e sua nora, Meghan. O príncipe publicou memórias e fez um documentário com críticas à família real. O casal foi afastado da realeza e teve o pedido para deixar a residência da realeza.

Apesar de não ter a mesma popularidade de sua mãe, Charles conseguiu se tornar mais querido pela população em um ano. Uma pesquisa recente do YouGov aponta que 55% dos britânicos avaliam o rei de forma positiva. Há um ano, eram apenas 44%. "As pessoas mais velhas têm uma antipatia de Charles por terem acompanhado todo o seu relacionamento com a princesa Diana, mas ele consegue fazer movimentos para manter o mínimo de popularidade que um monarca precisa ter", explica Vieira. 

Movimento anti-monarquia impulsionado pela piora econômica do país

Vieira afirma que a monarquia britânica segue em um declino que dura mais de uma década, com o aumento do sentimento republicano de uma parcela da população. "Charles continua o reinado de declínio da Elizabeth II, mas sem o charme, carisma e respeitabilidade de sua mãe", disse.

Nos últimos anos, o movimento anti-monarquia cresceu no país. Segundo pesquisa YouGov, encomendada pela BBC, 58% da população prefere ter um rei como chefe de Estado contra 26% que prefere ter uma pessoa eleita. O dado parece ser positivo, mas o levantamento mostra que a tendência é de desafios para o monarca. 

Os jovens, em geral, não apoiam ou não têm interesse na família real. Em relação às faixas etárias, 78% das pessoas maiores de 65 anos apoiam a monarquia, enquanto apenas 32% dos entrevistados de 18 a 24 anos pensam de forma semelhante.

Entre os mais jovens, 38% preferem que o chefe de Estado seja eleito e 30% dizem não saber. O dado mais preocupante para a família real é que 78% dos jovens apontam que “não estão interessados” na realeza.

Outro ponto para os jovens é o valor pago pelo contribuinte para manter a realeza. Cerca de 40% dos jovens britânicos acreditam que os gastos com a família real são muito altos. Segundo dados da Coroa, o governo do Reino Unido gastou 86 milhões de libras, mais R$ 500 milhões, com família real britânica, entre março de 2021 e março de 2022.

"O declínio da economia do Reino Unido afeta a popularidade da família real entre os jovens. Eles olham para um Reino Unido estagnado, com uma renda per capita menor que do estado mais pobre dos Estados Unidos. O futuro que as novas gerações veem é sair do país", explica o professor da FGV.

Em alguns eventos do seu primeiro ano, Charles III foi recebido com vaias e faixas de protesto.

Campaigners from anti-monarchy movement Republic protest holding signs and banners as the Coronation Procession of King Charles III and Queen Camilla passes through Trafalgar Square on 6 May 2023 in London, United Kingdom. Republic campaigns for the monarchy to be replaced by a democratically elected constitutional Head of State. (photo by Mark Kerrison/In Pictures via Getty Images)

Protestos anti-monarquia durante a coroação de Charles III e a rainha consorte Camilla (Mark Kerrison/In Pictures/Getty Images)

Economia em declínio

A população viu os efeitos do Brexit (a saída dos britânicos da União Europeia), pandemia e a guerra na Ucrânia impactarem de forma vertiginosa a economia do país. Em março, a inflação anual do Reino Unido foi de 10,1%, um dos registros mais altos dos últimos 40 anos. O resultado foi desabastecimento, greves e queda no poder de compra da população. Houve queda desde então e, em junho, o índice fechou em 7,9%.

No segundo semestre, o PIB do Reino Unido foi apenas o 26º que mais cresceu, em levantamento da Austin Rating. Entre os países do grupo das sete maiores economias do mundo, o G7, o país ficou à frente apenas da Alemanha, que está em recessão.

O resultado recente dos britânicos foi melhor que o esperado, mas significou apenas que o país se afastou de um cenário de recessão. Segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia britânica deve crescer 0,4% em 2023, mas deve sofrer com inflação persistente. Em janeiro, a projeção era de recessão neste ano.

Apesar do cenário sombrio, Vieira não vê chances do fim da monarquia ou do reinado de Charles nesse momento. "Um país estagnado é ruim para quem está no poder, mas não vejo o fim da monarquia", afirma.

Ele acrescenta que príncipe Willian, o próximo da linha da sucessão, tem a simpatia da população e pode ser um fator de mudança do cenário antimonarquismo que cresce no país. Outro ponto que pode impactar de forma positiva o reinado de Charles III é a mudança de poder.

No próximo ano, o país deve passar por eleições gerais e a perspectiva é que o partido trabalhista chegue ao poder. "Será interessante ver como perspectiva de mudança, com os trabalhistas no poder, pode dar um sopro de popularidade para o rei", finaliza Vieira.

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