Se a vacina da Pfizer fosse anunciada antes, Trump teria vencido?
No Twitter, o presidente levantou suspeitas sobre o timing da vacina da farmacêutica americana, que teve resultados promissores anunciados ontem
Carolina Riveira
Publicado em 10 de novembro de 2020 às 10h40.
Última atualização em 10 de novembro de 2020 às 12h37.
Após o anúncio nesta segunda-feira de que a vacina da americana Pfizer com a alemã BioNTech teve 90% de eficácia contra o coronavírus, o presidente Donald Trump foi ao Twitter criticar o momento do anúncio.
Para o mandatário americano, que perdeu a eleição contra o democrata Joe Biden na semana passada, as farmacêuticas optaram deliberadamente por não divulgar resultados antes da eleição. "Como eu tenho dito há muito tempo, a Pfizer e as outras só iriam anunciar uma vacina depois da eleição, porque não teriam coragem de fazê-lo antes", escreveu Trump.
Os comentários do presidente fizeram retomar a pergunta que pairava desde o começo da campanha na cabeça de analistas e institutos de pesquisa: ter uma vacina anunciada contra o coronavírus antes da eleição poderia ter levado à vitória de Trump?
Para o presidente, ficou claro que sim. Mas a resposta é difícil de precisar. Um quase consenso entre analistas é que a pandemia, se não atrapalhou, pelo menos não ajudou Trump.
Os EUA, sob Trump, se tornaram o país com mais mortes e mais casos de coronavírus no mundo, o que não só virou uma crise de saúde, mas fez o país ter mais de 11 milhões de desempregados a mais do que no começo da pandemia. Além disso, Biden, que tem pouco carisma para discursos diários em público como faz o rival, também teve a desculpa perfeita para fazer um tipo mais tranquilo de campanha e usar a pandemia e o desemprego como argumentos contra a gestão do momento.
O objetivo de Trump de usar uma vacina para reverter a situação vinha desde os meses anteriores da eleição. Em repetidas entrevistas, o presidente disse que teria uma vacina aprovada até antes da eleição. Autoridades de saúde americana chegaram a enviar comunicados aos estados dizendo que preparassem sua estrutura de saúde para uma possível vacinação de milhares de pessoas já no fim de outubro.
Como se sabe, isso não aconteceu. O desenvolvimento das vacinas acabou demorando mais do que as primeiras projeções não oficiais supunham. Casos como a vacina da AstraZeneca e Oxford, que precisou ser paralisada por alguns dias, também ajudaram a jogar água no chope dos mais otimistas.
Não há pesquisas precisas que mostram se a vacinação poderia ter "salvado" Trump da derrota como supõe o presidente. Certamente, uma vacina já aprovada e em vias de começar a ser distribuída à população ajudaria a levantar o moral coletivo americano e poderia beneficiar o presidente no cargo.
Melhor ainda no caso da Pfizer, com a qual o governo americano já reservou 40 milhões de doses das 100 milhões que podem ser produzidas ainda neste ano -- para o ano que vem, a empresa espera chegar a 1,3 bilhão de doses.
Personificar e relacionar a aprovação e desenvolvimento de uma vacina com seus governantes é uma aposta que outros políticos vêm fazendo. No Brasil, um dos exemplos é a queda de braço entre João Doria, governador de São Paulo, e o presidente Jair Bolsonaro sobre a CoronaVac, vacina do laboratório chinês Sinovac.
O desenvolvimento das vacinas, embora devessem ser somente científicos, ganharam ares de Fla vs. Flu: a suspensão dos testes da CoronaVac pela Anvisa, por exemplo, fez a hashtag #BolsonaroTemRazao ir aos assuntos mais comentados no Twitter nesta terça-feira.
Mas a mera divulgação dos resultados da Pfizer, como afirmou Trump, possivelmente não teria um impacto da magnitude que esperava o presidente. Os resultados divulgados ontem foram somente uma primeira leva, e mais dados ainda serão analisados. A expectativa da Pfizer é pedir registro à FDA, agência reguladora americana, na terceira semana de novembro.
Depois disso, até que as primeiras doses sejam efetivamente fabricadas, distribuídas e aplicadas, semanas ou até meses podem se passar. Seria muito difícil, neste cenário, que houvesse antes da eleição uma vacinação significativa a ponto de mudar o resultado desfavorável a Trump. As primeiras doses também não vacinariam parte suficiente da população americana, de mais de 320 milhões de pessoas, para chegar a uma imunidade de rebanho.
E sem uma vacinação ampla, os motivos que levaram parte dos eleitores a questionar sua gestão -- da crise de saúde à economia, com o desemprego em alta -- não seriam solucionados a tempo. O mercado de trabalho, mesmo com a vacina, ainda demoraria meses a se recuperar, sobretudo se a vacinação não envolvesse quantidade suficiente de pessoas no país.
Além disso, o próprio efeito da pandemia na eleição é impreciso até agora. A desaprovação de Trump subiu ligeiramente em relação ao ano passado, mas só cerca de 1 ou 2 pontos. E ainda assim, o presidente terminou a eleição com nível de aprovação parecido ao que tinha antes da covid (até superior em algumas semanas).
Parte significativa dos americanos parece ter sido pouco influenciada pela gestão do presidente na pandemia e, da mesma forma, seria pouco influenciado por uma vacina.
Mas um efeito maior pode ter ocorrido entre eleitores indecisos de estados importantes, com a nova onda de covid-19 nos EUA indo além de Nova York e da costa leste (estados já tradicionalmente democratas) e se espalhando para o centro do país a partir de maio. Pesquisa EXAME/IDEIA na Carolina do Norte, um dos estados decisivos no Sul do país, também mostrou que parte dos eleitores desistiu de votar em Trump depois que o presidente pegou coronavírus e fez pouco caso do assunto.
Foram apenas alguns milhares de eleitores, mas, em uma eleição apertada como foi este pleito, este pode ser um contingente que agregou à vantagem de Biden nos estados onde o democrata venceu. (A Carolina do Norte, aliás, segue sem resultado definido, mas Trump lidera.)
Assim, o moral aguçado por uma vacina aprovada poderia trazer alguns milhares de indecisos de volta para o lado de Trump. Mas é uma questão mais impossível de quantificar para além da especulação. E, seja como for, o timing da eleição americana deixou muito pouco tempo para que algum efeito significativo acontecesse.
Outros políticos podem não ter o mesmo "azar": o editor do The Independent, Sean O'Grady, escreve nesta terça-feira que o premiê britânico Boris Johnson, amplamente criticado por sua gestão da pandemia, pode ser favorecido com uma vacina que faça os eleitores esquecerem o terrível ano de 2020. A eleição britânica, como a brasileira, é só em 2022. A ver o quão precisa será a memória da população.