Arábia Saudita: Liberação para que mulheres viajem sozinhas levantou debates no reinado ultraconservador (ANUJ CHOPRA/AFP)
AFP
Publicado em 2 de agosto de 2019 às 18h25.
Última atualização em 2 de agosto de 2019 às 18h39.
Na Arábia Saudita, a permissão aprovada para que as mulheres possam viajar sem a autorização de um "tutor" causou uma grande discussão entre os defensores que veem progresso histórico na iniciativa e , por outro lado, os que acreditam que "contraria o Islã"
As sauditas com mais de 21 anos podem obter passaporte e viajar para o exterior sem autorização prévia de seu "tutor" (pai, marido, filho ou outro parente), anunciou o governo na quinta-feira.
Outras mudanças que, sem desmontá-lo, enfraquecem o sistema de "tutor" obrigatório para as mulheres incluem a possibilidade de elas declararem oficialmente um nascimento, casamento ou divórcio e que possam ser titulares da autoridade parental de seus filhos menores, prerrogativas que até agora eram reservadas aos homens.
Para a princesa Rima Bint Bandar, primeira mulher embaixadora da Arábia Saudita nos Estados Unidos, nomeada em fevereiro, está sendo escrita uma nova página "na História". "É uma abordagem [...] que criará incontestavelmente criar uma mudança", escreveu no Twitter.
A decisão gerou uma onda de apoio nas redes sociais, onde as hashtags "No Guardianship Over Women Travel" ("Sem vigilância nas viagens das mulheres") e "This is our time" ("Este é o nosso tempo") estiveram entre as mais populares na internet.
Também forma publicados muitos "memes" (montagens com fotos e vídeos humorísticas) de mulheres correndo para o aeroporto.
As reformas fazem parte da série de medidas de liberalização do príncipe herdeiro Mohamed Bin Salman, homem forte do reino ultraconservador que tenta, além disso, modernizar a economia, muito dependente do petróleo.
A mais emblemática dessas reformas foi a que permitiu que as mulheres dirigissem, em vigor desde junho de 2018. As mulheres também foram autorizadas recentemente a assistir partidas de futebol e trabalhar em funções antes reservadas para os homens.
Um jornal ligado ao governo, o Saudi Gazette, elogiou a liberdade de viajar sem a permissão de qualquer homem como "um passo gigantesco para as mulheres sauditas".
"Os sonhos de algumas mulheres foram quebrados porque eles não podiam deixar o país para [...] estudar no exterior, responder a uma oferta de trabalho ou até mesmo fugir, se quisessem", comentou no Twitter a empresária saudita Muna AbSulayman.
No entanto, os críticos acreditam que as reformas não são suficientes e ressaltaram que o sistema de "tutor masculino" está longe de ser abolido.
Nos últimos meses, foram registrados vários casos de fugas para o exterior de jovens sauditas que se declaravam vítimas de ataques violentos por parte de seus "tutores".
No início de 2019, uma saudita de 18 anos, Rahaf Mohamed Al Qunun, obteve asilo no Canadá após ter sido detida, num primeiro momento, no aeroporto de Bangkok. A embaixada saudita da capital tailandesa foi criticada por supostamente tentar repatriar a jovem contra sua vontade.
As autoridades sauditas disseram estar comprometidas em combater os abusos dos tutores, mas alertaram que o sistema deve ser desmantelado aos poucos, para evitar uma resposta violenta dos mais conservadores, que denunciam que esta mudança é "contrária os islã".
Um internauta postou no Twitter a imagem de uma mulher com um véu da cabeça aos pés, rastejando por baixo de uma cerca e aparecendo livre do outro lado.
A Arábia Saudita é criticada por seu comportamento em relação aos direitos humanos, entre outros casos, em um julgamento em andamento contra 11 mulheres ativistas que vêm exigindo o fim do sistema de tutores.
A mais famosa dessas ativistas, Lujain Al Hathlul, completou na semana passada 30 anos detida. Tanto ela como outros ativistas, acusadas de terem contatado a imprensa estrangeira, diplomatas e organizações de direitos humanos, alegam ter sido torturadas e agredidas sexualmente durante sua detenção.
A Anistia Internacional pediu nesta sexta-feira a Riad a "encerrar as perseguições de ativistas de direitos das mulheres" e libertar "imediatamente aquelas que estão detidas por suas atividades pacíficas".
Os direitos da mulher na Arábia Saudita
Educação
O sistema saudita de "tutor masculino" coloca o estatuto legal e pessoal das mulheres sob o controle do seu pai, marido, irmão e até mesmo filhos. Elas devem obter permissão de seu familiar masculino mais próximo para estudar, no país ou no exterior.
Em julho de 2017, o Ministério da Educação anunciou que as escolas para meninas começariam a oferecer aulas de educação física, sob a condição de que fosse conforme à lei islâmica (sharia). O ministério não informou se elas deviam ter permissão de seu "tutor" para participar. O país conta com várias universidades para mulheres.
Emprego
As restrições que o sistema do tutor masculino impunham ao emprego das mulheres foram abrandadas em um contexto de diversificação da economia do reino para reduzir sua dependência de petróleo.
O príncipe Mohamed bin Salman, nomeado herdeiro da coroa em junho de 2017, apresentou um plano de desenvolvimento econômico batizado "Visão2030", que tem como um dos objetivos aumentar a taxa de emprego das mulheres de 22% a 30% em uma década.
Seu pai, o rei Salman, assinou um decreto que autorizava às mulheres obter uma permissão online para criar uma empresa. A Polícia abriu suas fileiras a oficiais mulheres.
Viagem, permissão para dirigir
Desde 1º de agosto de 2019, as mulheres podem obter um passaporte e viajar ao exterior sem acordo prévio de um "tutor" masculino.
A partir de 24 de junho de 2018, foram autorizadas a dirigir pela primeira vez na história do país. Embora esta reforma tenha sido bem recebida, não foi o prelúdio de novas liberdades políticas.
Ativistas, algumas das quais algumas das quais haviam lutado durante anos pelo direito de dirigir, foram detidas e julgadas, principalmente por ter falado com jornalistas estrangeiros.
Condição pessoal
As mulheres de todas as idades devem obter a permissão de seu "tutor" para se casar. Um homem pode se divorciar sem o consentimento de sua esposa.
Em janeiro, o Ministério de Justiça indicou que os tribunais tinham a obrigação de notificar por SMS as mulheres a conclusão de seu casamento, medida destinada a impedir que alguns maridos se divorciassem sem informar a parceira.
Espaços públicos
Em janeiro de 2018, as mulheres foram autorizadas pela primeira vez a entrar em alguns recintos esportivos, em arquibancadas separadas.
Foram reduzidos os poderes da temida polícia religiosa, que durante décadas patrulhou as ruas para repreender as mulheres não suficientemente cobertas ou com as unhas muito cintilantes.
Em Riad e outras cidades, agora é possível ver mulheres circular com o cabelo descoberto.