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Rio+20 põe o Brasil no debate mundial sobre desenvolvimento sustentável

Conferência que começa em 13 de junho decidirá, entre outros temas, o formato e o papel central de uma entidade global dedicada ao meio ambiente

O combustível das discussões na Rio+20 vem das mudanças climáticas medidas pela ciência e da crise financeira que se abate sobre os países ricos (Creative Commons)

O combustível das discussões na Rio+20 vem das mudanças climáticas medidas pela ciência e da crise financeira que se abate sobre os países ricos (Creative Commons)

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Da Redação

Publicado em 13 de março de 2012 às 13h58.

Em junho de 1992, o Rio de Janeiro voltou a ser, por decreto presidencial, a capital do Brasil. Protegidos por tanques e 15 mil homens do Exército no caminho entre o Aeroporto Internacional do Galeão e a zona sul, 108 chefes de estado desembarcaram na cidade para discutir os rumos do planeta, em busca de uma sociedade mais justa e sustentável. O termo “sustentável”, aliás, tornou-se conhecido ali,na ECO-92, a histórica conferência que consolidou o ativismo ambiental e, progressivamente, levou às conversas das pessoas comuns conceitos como biodiversidade e mudanças climáticas.

Foram 12 dias de discussões que vararam noites – a ponto de deixar em carne viva os cotovelos do então embaixador do Brasil em Washington, Rubens Ricupero -, e também de uma maratona de manifestações de protesto, shows de música e apresentações de teatro que fizeram o lado festivo da conferência. Entre os ilustres visitantes estava George Bush, em plena campanha pela reeleição à presidência dos Estados Unidos. Bush pai acabou derrotado pelo democrata Bill Clinton, mas, se os participantes da Eco 92 pudessem votar a derrota seria por diferença muito maior. A figura mais hostilizada da conferência só foi festejada de alguma forma porque fez aniversário – 78 anos – e ganhou um bolinho de parabéns para você oferecido pelo presidente Fernando Collor, que estava no epicentro das denúncias que o enxotariam de Brasília três meses depois daquele encontro.

Vinte anos depois de sua estreia como cidade-marca de uma grande cúpula internacional, o Rio, agora sem tanques e com parte das favelas ocupadas por policiais militares, volta a ser, a partir de 13 de junho, a capital mundial do meio ambiente. Cientistas, ativistas ambientais e chefes de estado tentarão, ao longo de 11 dias na cidade, apontar o caminho e estabelecer compromissos de governos e empresas para as próximas décadas, conciliando os anseios de uma classe média global emergente e a necessidade de frear o ritmo com que os 7 bilhões de humanos consomem os recursos do planeta – em 1992 éramos 5 bilhões e meio. Bill Clinton é um dos convidados de honra aguardados, ao lado da chanceler alemã Angela Merkel, do governador-ator Arnold Schwarzeneger, do cantor Bono Vox, líder do U2, do cineasta James Cameron, de Avatar, e de 50 mil participantes inscritos para tentar, de novo, mudar o mundo.

As expectativas para Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, são imensas. Mas vêm seguidas de frustrações com as duas décadas em que houve menos avanços na área ambiental do que pretendiam os organizadores da Eco-92. É certo que hoje o mundo encara de forma diferente as questões ambientais, e a mudança se reflete em novos hábitos. Há carros elétricos sendo produzidos, sacolas plásticas são banidas dos supermercados e as crianças absorvem, desde muito cedo, ao menos fragmentos do discurso "verde". Mas cientistas e autoridades no centro das discussões da Rio+20 alertam que mudanças muito mais profundas serão necessárias se o homem pretende, de fato, manter o planeta habitável para gerações futuras.

A experiência de 20 anos de discussões sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável não deixam dúvida de que o consenso é uma utopia. Um dos grandes embates da conferência será sobre o papel de uma instância global que seja capaz de unir as metas de preservação do meio ambiente com as necessidades contínuas de progresso econômico - a soma necessária para a sustentabilidade. “A questão institucional da conferência será a revisão do mandato do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), mas não exatamente a criação de uma organização mundial de meio ambiente, uma proposta dos europeus que o Brasil acha que não resolve os dilemas atuais. O que pedimos insistentemente é uma instituição que lide com desenvolvimento sustentável e não somente com meio ambiente. A proposta inicial europeia deturpa o conceito de desenvolvimento sustentável, é um retrocesso a 1972, ano da Conferência de Estocolmo, quando a preocupação deles era o fim dos recursos naturais”, diz o embaixador André Aranha Correa do Lago, negociador-chefe do Brasil na Rio+20.

“É como se dissessem: vocês, os pobres, precisam planejar seu crescimento populacional e também gastar menos recursos naturais, porque nós, os ricos, precisamos deles”, resume o diplomata. “Os europeus estão voltando para a visão de mundo pré-1972. Defendem agora a criação de uma Organização Mundial do Meio Ambiente para salvaguardar os recursos naturais do planeta. Mas, salvaguardar para quem? Para eles?”



A visão brasileira – O governo brasileiro vai patrocinar um evento de quatro dias no Riocentro, com transmissão ao vivo via Internet, para debater os temas que considera prioritários nesta seara: segurança alimentar e agricultura sustentável, energia sustentável para todos, economia do desenvolvimento sustentável, redução do risco de desastres naturais, cidades sustentáveis, acesso eficiente a água, oceanos, empregos verdes, trabalho decente e inclusão social.

A Rio+20 certamente não alcançará o brilho de sua antecessora, a Eco-92, considerada um marco histórico por colocar a mudança do clima e a defesa da biodiversidade na agenda política global. Mas certamente terá mais impacto que a intermediária Cúpula Mundial pelo Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2002 na cidade de Johanesburgo. Esta, basicamente, reviu os acordos de 1992 e recomendou um plano de implementação cujo mérito foi fortalecer as parcerias publico-privadas e, com isso, reforçar indiretamente o movimento pela responsabilidade social das empresas.

A Minuta Zero da declaração da conferência considera vários aspectos econômicos e sociais, além dos ambientais. Mas o texto ainda é considerado “sem carne” pelos negociadores. Liberado para consulta pública em janeiro deste ano, o documento receberá ajustes no final de março durante a 3ª Reunião Interseccional da Rio+20, na sede da ONU, em Nova York. Seguirá em revisão nos países até a terceira e última conferência preparatória para a reunião dos Chefes de Estado no Riocentro, em junho.

O combustível das discussões na Rio+20 vem das mudanças climáticas medidas pela ciência e da crise financeira que se abate sobre os países ricos. “Gostem ou não, o debate ambiental passa pela dimensão econômica. Não considerar esse fato hoje é tapar o sol com a peneira”, diz Lago.

No bloco formado por Brasil, Índia, China e Rússia, uma classe média emergente consome cada vez mais, alavanca a indústria e empurra a balança dos recursos naturais para o saldo devedor. De imediato, esse gigantesco grupo vai deslanchar uma onda de consumo que será prontamente atendida pela indústria. Em período de crise econômica e necessidade de aumentar a oferta de empregos, dificilmente os EUA aceitarão os itens da Minuta Zero relacionados com a redução da emissão de poluentes - o que significa abrir o caixa para gastos com tecnologias não-poluentes ou mesmo restringir a produção de alguns segmentos. O repasse financeiro de uma porcentagem ínfima do PIB para países em desenvolvimento também não mobilizará EUA, Japão e muitos do bloco europeu em crise. Esses recursos, se efetivamente repassados, poderão impactar diretamente o bloco africano, que precisa de qualificação da mão-de-obra de jovens para a agricultura, o que demanda recursos inexistentes no caixa desses países.

Os efeitos do aumento do consumo em escala global mexem com todo o planeta. A venda ampliada de automóveis na China, por exemplo, demanda a importação maciça de aço, fruto de mineração extensa por multinacionais nos mesmos países africanos onde falta dinheiro para a educação e o incremento do solo para a produção de alimentos.

Sem ajuda financeira externa, fica difícil obter a adesão permanente da Indonésia para conter o desmatamento, que permite a implantação de complexos industriais que atendem o crescente mercado chinês e as demandas do vizinho rico, Japão. A Indonésia é o terceiro maior emissor de carbono do mundo, atrás apenas de EUA e China.

O apelo global pela redução do uso de combustíveis fósseis - petróleo, sobretudo - pode ser espinhoso para países como a Venezuela e o Brasil, focado no pré-sal. O confronto é inevitável com os países sediados em ilhas (em inglês, Small Islands States). Com a subida do nível dos oceanos pelo derretimento das geleiras devido ao aquecimento do planeta, já existem planos de migrar populações inteiras de países do Pacífico Sul, do Oceano Índico (particularmente, Maldivas) e de Bangladesh para outros como a Nova Zelândia, por exemplo, que já permite o acolhimento de refugiados do clima e até estuda o sistema de cotas por país. O aquecimento global acirra também o debate sobre a escassez de água em zonas que se tornam cada vez mais áridas e desprovidas de recursos naturais, caso de uma guerra em curso entre os nômades da região de Darfur, no Sudão. Os interesses são muitos e contraditórios. São questões difíceis de deslindar.


Missão – A Eco-92 foi um marco. A partir daquele encontro, pela primeira vez os maiores líderes mundiais reconheceram o pleito dos países em desenvolvimento e concordaram em criar metas e objetivos para mitigar a mudança do clima e gerenciar com mais equilíbrio o manejo da biodiversidade do planeta. Em 2002, a Cúpula Mundial pelo Desenvolvimento Sustentável, em Johanesburgo, resultou em um plano de implementação das metas não alcançadas até então. O mérito, nesse caso, foi o de estimular parcerias entre vários setores para, na década vindoura, fortalecer práticas de eficiência energética e o desenvolvimento tecnológico para a indústria.

Os temas que, desde já, despontam como preocupação da Rio+20 estão reunidos sob a marca da economia verde.“O verdadeiro debate é como tirar gente da pobreza em países em desenvolvimento e assegurar vida de classe media para muitos indivíduos emergentes, que querem consumir. Isso importa bem mais que assegurar recursos naturais para países ricos, motivo básico que levou os europeus a defenderem a criação de uma organização mundial do meio ambiente, que o Brasil contestou”, explica Lago, sobre o que considera ser o debate central da Rio+20.

Quem vem – Estima-se que o Aterro do Flamengo abrigará, no mínimo, 10 mil pessoas, do total de 50 mil inscritos. Já não existem mais quartos em hotéis disponíveis para o período da conferência. Com a mudança estratégica de data da Rio+20 para o fim de junho – a fim de evitar evasões por conta da celebração do Jubileu de Diamante da Rainha Elizabeth II ou por causa das eleições americanas - o governo brasileiro estima a vinda de 100 a 120 chefes de estado. A maioria certamente virá direto da reunião do G-20, que será finalizada no México um dia antes da cúpula dos Chefes de Estado na Rio+20.

Não é fácil envolver a opinião pública em debates relevantes para a forma de agir, pensar e consumir de 7 bilhões de indivíduos. Mas alguns dos dados que alarmam a comunidade científica são, em um mundo ameaçado por catástrofes ambientais e desconforto nas grandes cidades, um sinal de alerta para a forma como vivemos. Desde a ECO-92, o clima aqueceu acima do limite acordado em 2 graus positivos, podendo alcançar em pouco tempo os 3 graus, conforme difundido na COP-17 em Durban, em dezembro passado.

A velocidade de extinção de espécies da flora e da fauna é de 1.000 a 10.000 vezes maior do que o esperado naturalmente para certos organismos, segundo dados da IUCN - International Union for Conservation of Nature. De acordo com a FAO, a produção mundial de alimentos precisa aumentar em mais de 75% nos próximos 30 anos, desafio enorme considerando que 1,2 bilhões de hectares disponíveis no mundo para plantio encontram-se em vias de desertificação – mais ou menos a soma dos territórios da China e da Índia.

Atualmente, 8% do PIB mundial são gastos com energia para geração de eletricidade, aquecimento e fins industriais. Mundo afora, a bem-vinda ascensão de uma vigorosa classe média emergente traz consigo um desafio tecnológico gigantesco: o de reduzir o impacto ambiental da explosão das vendas de automóveis decorrente desse fenômeno, quando o transporte responde por 12% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa, segundo dados do WRI – World Resources Institute. Esses gases têm relação direta com o aquecimento do planeta.

Na Rio+20, os temas serão debatidos por membros das delegações dos países e celebridades internacionais, a convite do Itamaraty. A repercussão do encontro, impulsionada tanto por líderes mundiais quanto por famosos engajados, é bem-vinda. Afinal, é esse um dos caminhos para levar discussões de ambientalistas ao cidadão comum, não necessariamente preocupado com termos como carbono, desenvolvimento sustentável ou biodiversidade. “Vinte anos depois, o entendimento do que venha a ser, de fato, a sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável ainda é matéria de iniciados”, considera Fernando Lyrio da Silva, Assessor Extraordinário do Ministério do Meio Ambiente para a Rio+20.

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