Porto Príncipe, no Haiti: construção de uma instalação de tratamento de água foi adiada por conta das confusas leis de terra do país (Spencer Platt/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 26 de janeiro de 2013 às 16h15.
Jérémie - O asfalto negro e suave da Estrada Nacional No. 7 se estende por cerca de oito quilômetros além de Camp Perrin, uma cidade no fértil sudoeste do Haiti.
No entanto, ele para de forma abrupta antes de chegar na porta da casa do fazendeiro Liphete Denis, substituído por um caminho de lama e pedregulhos que inunda na estação das chuvas e forma nuvens de poeira quando o tempo fica seco. "Não sei por que eles pararam", disse Denis, de 43 anos.
"Gostaríamos de ter a estrada pronta. Precisamos dela." O projeto de 90 km de estrada deveria ligar a cidade portuária de Les Cayes, no sul, a Jérémie, uma cidade em uma das regiões mais negligenciadas do Haiti. Deveria pavimentar uma estrada cheia de buracos que passa entre montanhas estreitas e cruza um rio propenso a enchentes, tornando o transporte para Jérémie árduo e perigoso.
Em vez disso, a estrada inacabada se tornou um símbolo de como os esforços para melhorar a infraestrutura do Haiti, principalmente depois do devastador terremoto de 2010 que matou mais de 200 mil pessoas, estão em conflito com as leis fundiárias do país.
Um registro de terras praticamente inexistente, títulos fraudulentos de propriedade, processos pouco transparentes para a transferência de posse e um emaranhado de burocracia suspenderam o projeto da estrada e investimentos internacionais similares.
As leis de terra do Haiti adiaram o término de uma instalação de tratamento de água financiada pela Espanha nos arredores da capital, Porto Príncipe, e impediram o início da construção de um hospital público de 26 milhões de dólares na cidade de Gonaives.
O Vaticano evita a construção e reconstrução de igrejas neste país fortemente católico, e a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) decidiu erguer casas permanentes no extremo norte do Haiti em vez de na capital, onde as questões jurídicas são mais complicadas e onde grande parte dos prejuízos do terremoto foi registrado.
AONDE ELES FORAM?
A pavimentação da Estrada Nacional No. 7 foi anunciada em 2008 pela Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional (CIDA), em conjunto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a um custo de 100 milhões de dólares, que desde então subiu para 132 milhões de dólares.
A empresa construtora brasileira OAS ganhou o processo de licitação com uma oferta de 94 milhões de dólares e em 2009 foi para lá para começar a trabalhar na primeira extensão de 70 km de estrada. Para economizar dinheiro, a empreiteira estatal CNE lidaria com outra seção, de Les Cayes até Camp Perrin.
Então certo dia, disse Denis, os brasileiros e suas máquinas pesadas partiram.
As paredes de concreto da casa pequena, de dois cômodos, que ele divide com a mulher e o filho bebê ainda estão rachadas dos tremores provocados pelos caminhões da OAS.
Algumas casas na beira da estrada foram desapropriadas pelo Estado para abrir caminho para uma rodovia mais larga. Outras foram condenadas e marcadas para a demolição, mas a indenização foi aleatória. Denis disse que recebeu uma notificação escrita a mão no início de 2011, dizendo que ele iria receber o equivalente a 3.000 dólares quando sua própria casa fosse demolida, mas ninguém nunca apareceu com o dinheiro nem com os tratores de demolição.
A OAS disse que seu trabalho ficou comprometido quando ela se confrontou com trechos de terras ocupadas cuja propriedade era incerta e moradores que não tinham sido pagos para sair.
"O processo de desapropriação levou muito mais tempo do que foi previsto", disse Gilles Damais, chefe de operações do BID no Haiti. "Uma pessoa recebia o pagamento numa semana, e na semana seguinte alguém vinha e dizia, 'Não, ele não era o dono, outra pessoa é dona dessa terra'.
"Com o cronograma atrasado e o orçamento estourado, a OAS suspendeu os trabalhos em julho e entrou com uma ação contra o Estado pedindo mais de 40 milhões de dólares. Quando o governo haitiano reagiu com uma ação de 2,7 milhões de dólares, os dois lados abandonaram os processos no que uma autoridade descreveu como "um acordo de cavalheiros". O contrato da OAS foi oficialmente terminado em dezembro.
O chefe da Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional, Julian Fantino, expressou impaciência com o ritmo lento e a ineficiência dos projetos de desenvolvimento no Haiti.
Durante uma visita ao Haiti em novembro, Fantino disse à Reuters, sem mencionar especificamente o projeto rodoviário, que "os canadenses não vão preencher um cheque em branco sem algumas garantias e sem considerar os resultados".
QUEM É DONO DO QUE?
Os problemas no registro de terra do Haiti podem ser rastreados até sua independência em 1804 e ao impulso do líder revolucionário Jean-Jacques Dessaline por reforma agrária.
A transferência de um título de terra envolve inspetores, notários e a autoridade fiscal central. Para evitar os gastos e a burocracia, muitos donos de terras usam métodos informais para transferir a propriedade, tornando difícil, se não impossível, determinar quem é o verdadeiro dono.
Os titulares podem depositar uma cópia dos documentos junto à ONACA, a Agência Nacional de Registro de Terras, mas não são obrigados a fazê-lo.
"A agência da ONACA é uma criança não desejada", disse seu diretor, Williams Allonce. Desde sua criação, em 1984, a agência que quase não recebe recursos só conseguiu registrar 5 por cento dos mais de 27.700 quilômetros quadrados do Haiti.
Uma segunda agência, o Comitê Interministerial para Planejamento Agrário, também está trabalhando sobre um registro nacional, e o Ministério das Obras Públicas tem sua própria comissão interna para a gestão de expropriação e títulos de propriedades.
Depois do terremoto, agências estatais e estrangeiras estavam ávidas para começar a reconstrução, mas identificar proprietários no meio do caos era geralmente impossível, então as agências de ajuda tiveram que encontrar outras formas legais de contornar o problema.
"Literalmente, ninguém tem a resposta para como se compra e venda propriedades no Haiti", disse Elizabeth Blake, vice-presidente do Habitat for Humanity International.
Em uma visita para o Haiti em janeiro, o ex-presidente norte-americano Bill Clinton disse que a posse e questões de segurança de propriedade tinham que ser respondidas para a reconstrução seguir adiante.
"O que eu gostaria de ver feito é uma ênfase renovada neste ano de parte do governo no esclarecimento das leis agrárias... e fazer outras coisas que irão basicamente reduzir o atraso e o custo de começar negócios e investimentos", disse Clinton à Reuters.