Joe Biden: apreciador de sorvetes e de óculos no estilo aviador (Kevin Lamarque/Reuters)
Victor Sena
Publicado em 7 de novembro de 2020 às 13h48.
Última atualização em 7 de novembro de 2020 às 18h35.
Ele foi vice-presidente de Barack Obama, senador por 30 anos e atravessou problemas pessoais como a morte da esposa e de dois filhos. Mas neste sábado Joe Biden ficará conhecido mais como o democrata que impediu a reeleição do presidente republicano Donald Trump. Após uma apuração acirrada e longa, ele conseguiu o mínimo de 270 votos do colégio eleitoral para ser nomeado.
Joseph Robinette Biden Jr., de 77 anos, será o 46º presidente dos Estados Unidos. E ele tem uma nova façanha para acrescentar ao seu currículo.
Apesar de ter sido uma eleição apertada, ele conseguiu contornar a derrota de Hillary Clinton de 2016 em estados importantes como Wisconsin, Michigan e Pensilvânia.
No começo da tarde de hoje, Biden alcançou 273 delegados, enquanto o presidente Donald Trump tinha 214. Mesmo que Trump nos estados que ainda não terminaram de apurar seus votos, ele fica com no máximo 265 delegados.
Mas quem é Joe Biden? O democrata é formado em Direito e foi um dos políticos mais jovens a entrar no Senado americano, posição mantida por seis mandatos pelo estado de Delaware, de 1972 a 2009, quando assumiu a vice-presidência de Barack Obama.
De família católica, Joe nasceu em Scranton, na Pensilvânia, em 20 de novembro de 1942. Daqui a duas semanas, ele faz 78 anos, uma idade considerada avançada para o início de um mandato presidencial, o que o tornou alvo de críticas dos republicanos. Apesar de mais novo, o atual presidente Donald Trump não tem uma diferença de idade tão grande. O republicano tem 74 anos.
Apesar da idade, a campanha de Biden tentou reforçar um perfil jovial, valorizando alguns hobbies e gostos do político. Em seu perfil no Twitter, por exemplo, o texto destaca que o futuro presidente ama sorvetes e os clássicos óculos aviadores.
A família de Biden, que tem ascendência irlandesa e inglesa, tinha bons condições financeiras até o momento em que a região onde moravam na Pensilvânia entrou em declínio econômico. Em 1953, quando o político tinha 11 anos, a família Biden mudou-se para Delaware, onde o pai de Biden trabalhou como vendedor de carros.
Na adolescência, o futuro presidente jogou futebol, beisebol e era considerado um líder nato, com inteligência acima da média.
As primeiras atuações políticas foram em protestos contra a poítica de segregação racial e em posições como representante de turma na escola.
Mas foi apenas depois de terminar sua segunda graduação, em Direito, que Biden começou a investir mais seriamente na política ao começar a trabalhar em um escritório de advocacia comandado por um republicano.
A princípio, Joe era simpático ao partido porque o governador local, democrata, defendia posições de segregação racial.
Os republicanos até tentaram captar Biden na época, mas ele se aliou aos democratas quando foi convidado a participar de um grupo de jovens lideranças com desejos de reformar o partido no estado.
Antes das eleições de 72, quando conseguiu a vaga para o Senado, ele trabalhou como defensor público, como assessor jurídico e ganhou as eleições de 1969 para o Conselho do Condado de New Castle.
Nas eleições de 1972, pesaram a seu favor a juventude e a imagem de “casal atraente”, que passava ao lado da esposa. Além disso, a campanha focou no corpo a corpo no estado de Delaware.
Naquele ano, Biden entrava no Senado como opositor ao governo, defendendo moradias para os mais pobres e a volta das tropas enviadas ao Vietnã. Enquanto isso, na Casa Branca, Richard Nixon, do partido republicano, conseguiu manter o posto de presidente com uma reeleição expressiva, levando 520 votos no colégio eleitoral.
Na época, o político já falava em ser candidato à presidência. Em 1988, ele tentou a indicação do Partido Democrata, mas teve seus planos atrapalhados por um desgaste na imagem ao ser acusado de plagiar discursos famosos e por problemas de saúde.
A nova tentativa viria apenas em 2008, mas ele ficou atrás de Hillary Clinton e Barack Obama na preferência entre os eleitores democratas durante as prévias. Depois de ser escolhido, Obama procurou Biden, na intenção de “dar alguns cabelos brancos” a sua chapa, com o nome de um político experiente ao seu lado. A afinidade entre os dois aconteceu logo de cara.
Ao lado de Obama por oito anos, Biden teve papel central na política externa, em viagens oficiais a países aliados e ao Oriente Médio, devido a sua experiência com relações internacionais. Além disso, atuou na intermediação de conflitos entre correntes dentro do partido Democrata e na articulação em votações no Senado.
Em dezembro de 1972, pouco depois de ganhar as primeiras eleições, Biden perdeu a esposa e a filha de um ano em uma acidente de carro, pouco antes do Natal.
A caminhonete de sua então esposa, Neilia, foi atingida por um trator quando ela saiu de um cruzamento. Beau e Hunter Biden, os outros dois filhos do político, sobreviveram ao acidente e foram levados para o hospital em boas condições.
Na época, Biden considerou renunciar para cuidar das crianças, mas foi convencido a não fazer isso pelo então líder da maioria no Senado.
Outra tragédia pessoal caiu sobre Biden em maio de 2015, quando seu filho Beau morreu, aos 46 anos de idade, após um tratamento de dois anos contra um câncer no cérebro. Com isso, o então vice-presidente desistiu de tentar uma vaga para concorrer às eleições.
As duas situações foram usadas na campanha para mostrar a imagem de um homem forte, que teve desafios na vida pessoal, mas nunca abriu mão de um senso de dever público.
Joe Biden ganhou as eleições deste ano principalmente ao apostar em acusações contra a liderança de Donald Trump no combate à pandemia do coronavírus e por ter conseguido retomar estados tradicionalmente democratas, que passaram para o lado de Trump em 2016. Além disso, ele contou mais com um voto anti-Trump do que com um apoio entusiasmado de eleitores democratas.
Entre os eleitores jovens do partido, ele não é visto como alguém que encarna a renovação e nem um forte defensor de agendas pró-igualdade, mas como o establishment da política.
Na sua plataforma de campanha está a volta do multilateralismo, uma estratégia de relações internacionais dos Estados Unidos que Trump abandonou em 2016 em prol de uma política econômica mais nacionalista e de relações bilaterais.
Joe Biden também prega aumento de impostos a grandes empresas e a pessoas com grandes fortunas, como forma de bancar investimentos do governo em áreas como saúde e educação.
O governo do democrata também deve priorizar energias renováveis e levar os Estados Unidos para um caminho de redução de carbono na economia, como a Europa tem seguido.
Caso ele consiga aprovar seus planos mais ambiciosos — algo incerto, diante da dificuldade dos democratas de conquistar o legislativo este ano, os Estados Unidos devem caminhar para se tornarem um país mais verde, mais acolhedor aos imigrantes, mais comprometido com a educação e com a saúde financiada pelo governo.
O programa de Biden fala em investimentos de 7,3 trilhões de dólares nos próximos dez anos, que vão de infraestrutura a educação e ampliação da concessão de benefícios.
De acordo com a Moody’s Analytics, a vitória de Biden pode ter um impacto positivo de 6 milhões de postos de trabalho na economia dos Estados Unidos.
Além disso, o impacto no PIB também está previsto pela Moody's. Com Joe Biden no comando, os democratas na Câmara e republicanos no Senado, o PIB americano alcançará cerca de 21,5 trilhões de dólares dentro de quatro anos. Já com Trump por mais quatro anos, ele passaria pouco dos 20,5 trilhões de dólares.
Na presidência, Biden terá a seu lado a democrata Kamala Harris, a primeira mulher nesta posição, formando uma chapa que tentou atrair votos de democratas mais ao centro, ao mesmo tempo em que acenava para minorias. Kamala é negra e filha de uma indiana e um jamaicano.
Apesar de as eleições terem sido vencidas por Biden, o colégio eleitoral com os 538 delegados encontra-se apenas em dezembro para oficializar os votos dos seus estados. Mesmo que a orientação eleitoral da população tenha sido votar em determinado partido, o delegado não é obrigado a cumprir aquele voto. No entanto, a possibilidade disso acontecer é pequena.
Nos próximos dias, fica a dúvida sobre possíveis movimentações de Donald Trump para questionar o resultado em determinados estados e se a pouca diferença entre os candidatos pode ajudar a incendiar as ruas de um país extremamente polarizado.