Mulheres comemoram nas ruas após aprovação da legalização do aborto na Câmara da Argentina: o verde ficou conhecido como a cor do movimento "pró-escolha" no país (RONALDO SCHEMIDT/AFP)
Carolina Riveira
Publicado em 12 de dezembro de 2020 às 16h19.
Última atualização em 30 de dezembro de 2020 às 13h16.
A Argentina aprovou na madrugada desta quarta-feira a legalização do aborto no país, após o texto passar no Senado. A nova lei veio de um decreto enviado pessoalmente pelo presidente de centro-esquerda Alberto Fernández e que já havia sido aprovado na Câmara.
O país já havia tentado aprovar uma legislação parecida há dois anos, mas o texto havia sido barrado justamente no Senado. Desta vez, com alguns senadores mudando o voto desde então, a Argentina se juntou a um grupo composto majoritariamente por países desenvolvidos da América do Norte, da Europa e da Oceania que já têm leis abrangentes com relação ao aborto.
Ao todo, cerca de 59% das mulheres no mundo vive em países cujas legislações preveem a interrupção da gravidez em circunstâncias mais amplas, segundo a organização não-governamental Center for Reproductive Rights, em estudo feito antes das mudanças na lei argentina.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, 23.000 mulheres morrem todos os anos de abortos inseguros e outras dezenas de milhares sofrem com complicações de saúde posteriores ao procedimento. Mais de 90% dos abortos inseguros foram feitos em países em desenvolvimento na África, Ásia e América Latina.
Na América do Sul, três países têm leis mais permissivas com relação ao aborto, segundo a classificação do Center for Reproductive Rights. São eles: Guiana, Guiana Francesa e, mais recentemente, o Uruguai. Nestes países, a mãe pode escolher não ter a criança, mesmo caso a gravidez não represente riscos diretos à saúde.
Outros lugares, como Bolívia, Equador, Peru e Colômbia, usam critérios de saúde na América do Sul, regra que a própria Argentina também usava antes (a legislação de aborto no país datava de 1921).
Os critérios podem variar desde a saúde mental da mãe até eventuais doenças na mãe e no feto. A Organização Mundial da Saúde recomenda que, se um país decidir adotar critérios de saúde, devem ser levados em conta não só a saúde física, mas também psicológica dos envolvidos.
Por fim, o Brasil, a Venezuela, o Paraguai e o Chile estão entre os com a segunda legislação mais proibitiva do mundo: o aborto só pode ocorrer no caso de risco direto e comprovado à vida da mãe -- ou caso a mãe seja vítima de violência sexual, exceção estabelecida, por exemplo, na legislação do Brasil.
Por fim, as legislações mais proibitivas são as que proíbem aborto em quaisquer circunstâncias, mesmo caso a mãe seja violentada. Na América do Sul, é caso somente do Suriname. Globalmente, estão nessa lista diversos países da África (como o Egito), alguns da América Central (como a Nicarágua), o Iraque e as Filipinas.
Alguns países, como Índia, Reino Unido e alguns países da África, não autorizam um aborto automaticamente segundo a vontade da mãe, mas analisam outros critérios antes de conceder autorização, como a situação socioeconômica e financeira da família.
Em países onde os estados têm maior autonomia para decidir suas leis, como os Estados Unidos ou a Austrália, há ainda legislações diferentes a depender do estado.
Nos Estados Unidos, apesar de leis específicas com restrições em alguns estados, o aborto legal é tido como um direito em todo o território desde uma decisão da Suprema Corte em 1973, no histórico caso batizado de Roe vs. Wade. Essa decisão é até hoje contestada pelo campo conservador e foi um dos pontos que o presidente americano Donald Trump afirmou que gostaria de mudar ao indicar a juíza conservadora Amy Barrett para uma vaga na Suprema Corte neste ano.
O Brasil não tem uma lei que permite a interrupção da gravidez por decisão da mãe. A legislação sobre o tema vem do Código Penal de 1940, que criminaliza o aborto, com penas previstas de três a dez anos de detenção. Há exceções na lei para quem realizar o procedimento em dois casos: gravidez decorrente de estupro e risco à vida da mãe.
Há, ainda, a permissão do aborto para o caso de anencefalia do feto, que foi incluído neste rol após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
(Com Clara Cerioni)
*A matéria foi atualizada em 30 de dezembro de 2020, para incluir a aprovação da nova lei do aborto na Argentina.