Equador: nos últimos dias, ao menos 700 pessoas foram presas nos protestos contra o presidente, que assumiu o governo em 2017 (Agustin Marcarian/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 10 de outubro de 2019 às 09h37.
Última atualização em 15 de abril de 2021 às 13h17.
São Paulo — Manifestantes entraram nesta quarta-feira, 9, em choque com a polícia no centro de Quito, em meio a uma greve geral convocada por grupos indígenas que se opõem ao presidente do Equador, Lenín Moreno, e às reformas econômicas de seu governo que provocaram o aumento do preço dos combustíveis.
Uma multidão de indígenas avançou para o centro da capital equatoriana, enquanto grupos de trabalhadores e estudantes atiravam pedras perto do palácio presidencial contra a polícia, que respondeu com bombas de gás lacrimogêneo.
O Equador, que recentemente deixou a Opep, interrompeu nesta quarta a produção de petróleo em razão dos protestos, que também provocaram o bloqueio de estradas, paralisações no transporte público e o fechamento do comércio em Quito e em outras cidades do país.
Os indígenas, liderados pela Confederação Nacional Indígena do Equador (Conaie), marcharam de pontos da Amazônia e da Cordilheira dos Andes em protesto contra as reformas econômicas de Moreno, que provocaram um aumento de até 123% no preço dos combustíveis.
Em Guayaquil, para onde transferiu a sede do governo depois de decretar estado de exceção, Moreno descartou a possibilidade de renunciar e de revogar as medidas, anunciadas após um acordo com o FMI no valor de US$ 4,2 bilhões.
Moreno retornou nesta quarta a Quito para, segundo a ministra de governo, María Paula Romo, supervisionar a situação "diante do risco de incidentes". O vice-presidente, Otto Sonnenholzner, que permaneceu em Guayaquil, afirmou que, com o apoio das Forças Armadas, da Polícia Nacional e dos municípios, estava conseguindo "conter" a intenção de "desestabilizar" o governo. Ele ameaçou prender e deportar estrangeiros que tentam desestabilizar o presidente.
Sem entrar em detalhes, Paula Romo disse que continuam "as mesas de diálogo" instaladas em Quito com as organizações indígenas, tendo a ONU e as universidades como mediadoras. Na terça-feira, o governo se mostrou disposto a aceitar a mediação da ONU e da Igreja para resolver a crise no país.
Na manhã desta quarta-feira, os militares, que apoiam Moreno, pediram que a manifestação ocorresse sem violência.
Nos últimos dias, ao menos 700 pessoas foram presas nos protestos contra o presidente, que assumiu o governo em 2017 e se distanciou de seu padrinho político, o ex-presidente Rafael Correa, ao adotar uma política econômica pró-mercado.
A Conaie acusou o governo de atuar como uma ditadura militar ao reprimir os protestos. Na noite de terça-feira, o presidente decretou toque de recolher em alguns bairros de Quito que abrigam prédios públicos, depois de um grupo de manifestantes ter invadido a Assembleia Nacional.
"O governo tem dado dinheiro aos bancos e punido os equatorianos mais pobres", disse o presidente da Frente Unida dos Trabalhadores, Messias Tatamuez, um dos sindicatos que apoiam a paralisação. "Pedimos a todos que sejam contra o FMI, o responsável pela crise. Que se juntem à greve."
Historicamente, os grupos indígenas têm papel de protagonistas na política equatoriana. Durante a instabilidade dos anos 90 e 2000, a Conaie apoiou a destituição dos presidentes Jamil Mahuad Abdalá Bucaram e Lucio Gutiérrez. Na época, o Equador teve oito presidentes em dez anos.
Com a chegada de Correa ao poder, em 2007, o país viveu um período de estabilidade econômica e política graças ao boom das commodities e às políticas sociais do presidente, que reformou a Constituição para se reeleger.
No começo do mandato, Correa se aproximou de lideranças indígenas. Adotou símbolos quíchuas - etnia da maioria dos indígenas do país - em seus discursos e aparições públicas e aprovou leis de interesse da comunidade. A partir do segundo mandato, a exploração mineral da Amazônia equatoriana abriu uma cisão entre Correa e a Conaie. Uma marcha similar à atual foi convocada contra o então presidente, em 2015.
Em 2017, Correa surpreendeu todos ao desistir da reeleição e indicar Moreno, que foi seu vice-presidente. Logo depois de assumir o poder, ambos romperam e Moreno se aproximou da oposição.
Hoje, o presidente acusa Correa de tentar derrubá-lo. O ex-presidente chama o antigo pupilo de traidor e, apesar de viver no exílio na Bélgica e de ter uma ordem de captura contra ele no Equador por corrupção, disse estar disposto a voltar ao país se houver eleições.
Correa rejeitou nesta quarta as acusações de que estaria por trás das manifestações de grupos indígenas e dos protestos contra as medidas econômicas. No entanto, ele pediu ao povo que siga "defendendo seus direitos com firmeza, mas em paz". (Com agências internacionais).