Exame Logo

Por que o 'Dieselgate' da Volks virou caso de saúde pública?

Mais de 11 milhões de carros da marca foram equipados com software que mascara emissões de poluentes

Tempo fechou: nuvens carregadas são vistas sobre símbolo da VW na fábrica em Wolfsburg , Alemanha. (Getty Images)

Vanessa Barbosa

Publicado em 23 de setembro de 2015 às 15h07.

São Paulo - A Volkswagen admitiu ontem (23) que pelo menos 11 milhões de carros a diesel em todo o mundo foram equipados com um motor (do tipo EA 189) que poderia distorcer os dados de emissão de gases poluentes na atmosfera.

Na última sexta (18), a Agência de Proteção do Meio Ambiente (EPA) dos Estados Unidos acusou a marca alemã de mascarar o desempenho dos motores durante os testes oficiais através de um software "manipulador" incorporado no veículo.

A principal preocupação da EPA é a alteração de dados relativos à emissão de óxidos de nitrogênio (NOx), gases reativos que são uma das principais fontes de poluição urbana.

Pesquisadores da Universidade de West Virginia rastrearem as emissões dos veículos da marca com motores a diesel em estradas e descobriram que as emissões de NOx eram de 10 a 40 vezes maiores do que o permitido pela EPA.

Uma análise do jornal britânico The Guardian estima que os 11 milhões de veículos defeituosos da VW em todo o mundo podem ter emitido entre 237 e 948 mil toneladas de gases poluentes por ano.

Para se ter uma ideia, "a maior estação de energia da Europa, a Drax, no Reino Unido, emite 39.000 toneladas de NOx a cada ano", compara o jornal.

Perigo a céu aberto

Na presença da luz solar, os óxidos e dióxidos de nitrogênio (NO2) reagem com outras substâncias primárias, como os compostos orgânicos voláteis, formando poluentes secundários perigosos, entre eles o ozônio.

Estudos recentes têm demonstrado que tais compostos podem causar ou agravar uma série de condições de saúde , como inflamações dos pulmões, que podem desencadear asma e bronquite, e aumento do risco de ataques cardíacos e derrames.

Eles também constituem o chamado "smog", uma névoa de poluição que dificulta a visibilidade nas cidades, além de causar chuva ácida.

Com efeito, uma pesquisa recente atribuiu nada menos do que 23.500 mortes prematuras por ano no Reino Unido à exposição de longo prazo ao dióxido de nitrogênio. O número de pessoas afetadas por problemas de saúde, contudo, tende a ser muito maior.

Escrutínio público

Com o escândalo da Volkswagen , a indústria de automóvel e seus alegados carros a diesel de baixo impacto ambiental devem enfretar um escrutínio público ferrenho.

Especialistas em poluição do ar acreditam que outros fabricantes também podem ter recorrido a versões diferentes de dispositivos manipuladores.

"Praticamente todos os veículos novos nos últimos anos parecem emitir substancialmente mais NOx no mundo real do que quando testados em laboratórios, independentemente do fabricante", disse o professor de Química Atmosférica da Universidade de York, Alastair Lewis, ao The Telegraph.

"A VW foi pega em flagrante, mas é altamente provável que outros também tenham usado artifícios duvidosos para passar nos testes de emissões", acrescentou.

Segundo um relatório europeu divulgado no começo de setembro, nove em cada 10 carros novos com motores a diesel quebram limites de poluição da União Europeia , quando testados em estradas.

A pesquisa, produzida pela consultoria de transporte sustentável Transport & Environment (T&E), revelou que, em condições reais de usos, os veículos chegam a emitir sete vezes mais gases NOx do que o permitido na legislação europeia.

Numa região onde quatro em cada 10 veículos são movidos a diesel, a irregularidade representa um tremendo problema de saúde pública.

A título de comparação, nos EUA, os carros a diesel respondem por menos de 5% da frota de veículos de passeio e, no Brasil, o combustível é proibido há quase 40 anos para carros de passeio.

Morte do diesel?

Em artigo intitulado "Escândalo da Volks vai acelerar a morte do diesel", Leonid Bershidsky, colunista da Bloomberg, afirma que os motores a diesel modernos são capazes de manter as emissões abaixo dos níveis permitidos.

Ele pontua, contudo, que a implementação da tecnologia necessária torna os carros mais caros, o que pode afetar o desempenho, além de exigir que o motorista monitore o nível de mais um líquido, a ureia, usada para reduzir o volume de oxidação.

"Só há dois caminhos possíveis: garantir que a performance de emissões dos novos carros a diesel seja irretocável — o que não será fácil de fazer no mundo real — ou mudar a produção para veículos híbridos ou elétricos, como fizeram as companhias japonesas, quando decidiram que o diesel estava fadado a acabar", opina o colunista.

Não há dúvidas de que este é apenas o começo do "Dieselgate", como o caso de tem sido mencionado na mídia internacional, em referência ao mais importante escândalo de toda história política dos Estados Unidos, o Caso Watergate, que levou à renúncia do presidente americano Richard Nixon nos anos 70.

E a tendência é que após a polêmica da Volkswagen, os testes devem se tornar mais rigorosos tanto nos EUA como na Europa, e mais montadoras poderão sofrer penalidades pelo não cumprimento das regras de emissões.

São Paulo - A semana começou com uma gigantesca bomba no mercado automotivo global: a suposta fraude num determinado tipo de motor 2.0 turbo movido a diesel utilizado pela Volkswagen , de modo a mascarar a emissão de poluentes . Escândalo envolvendo grandes fabricantes de carros, porém, estão longe de ser novidade. Veja a seguir cinco dos mais recentes casos.
  • 2. GM e o defeito de ignição negligenciado

    2 /7(Divulgação)

  • Veja também

    Que tal se você descobrisse que funcionários de sua empresa sabiam (e não mexeram uma palha) de um grave problema dez anos antes de você ter sido informado a respeito? Foi algo assim que ocorreu com a General Motors num imenso escândalo que explodiu em 2014. Na ocasião, a companhia foi acusada de saber de um defeito que afetava o sistema de ignição de milhões de modelos vendidos na América do Norte, podendo fazer com que os carros desligassem sozinhos mesmo em movimento. O problema estava, majoritariamente, no Chevrolet Cobalt (modelo norte-americano, o da foto acima, nenhuma relação com o brasileiro) e no Saturn Ion, mas, ao fim do processo, mais 15 milhões de exemplares de 20 modelos precisaram ser avaliados pela GM. Tal defeito gerou 124 indenizações por morte, 17 por lesões muito graves e 258 por lesões graves. Para encerrar o processo, a GM foi condenada nesta semana a pagar US$ 900 milhões nos EUA.
  • 3. Uma porta (virtual) aberta pela FCA

    3 /7(Getty Images)

  • Este não foi um escândalo enorme e intencional, mas talvez o prenúncio de um deles. Isso porque representou uma pequena amostra do que os hackers podem fazer em larga escala num futuro próximo - e em pequena escala desde já: invadir e assumir o controle do seu carro sem que você possa fazer nada a respeito. O indício foi dado pela ação de Charlie Miller e Chris Valasek, que, sentados tranquilamente no sofá, acessaram o sistema multimídia UConnect de um Jeep Cherokee e interagiram com sistemas como o de ignição, o de transmissão e o volante. Os hackers também fizeram o modelo, estacionado, rolar e cair num canteiro. Isso obrigou a Fiat Chrysler Automobiles a fazer o recall de 1,4 milhão de veículos nos Estados Unidos, para se prevenir.
  • 4. Os insufladores problemáticos da Takata

    4 /7(Toru Hanai/Reuters)

    Não foi uma, não foram duas, mas pelo menos dez grandes montadoras globais que se viram imensamente prejudicadas pelo sistema defeituoso dos insufladores de airbags da Takata, uma empresa japonesa. Entre 2000 e 2008, foram produzidos 17 milhões de veículos equipados com esse tipo de bolsa de ar, facilmente deteriorável em ambientes de umidade alta. Nesses casos, a estrutura metálica do airbag podia ser projetada para a cabine e ferir (até fatalmente os ocupantes). Das grandes marcas, de acordo com o jornal The New York Times, a Honda foi a primeira a saber do problema, em 2004, sem se manifestar a respeito. Por isso, chegou a ser multada em US$ 70 milhões, enquanto a Takata levou uma sanção diária de US$ 14 mil por cada dia em que não cooperou com a investigação.
  • 5. A aceleração involuntária de modelos da Toyota

    5 /7(Divulgação)

    Seguramente não é das sensações mais agradáveis estar em seu próprio carro e reparar que ele começa a acelerar bruscamente contra sua própria vontade. Pois foi isso o que aconteceu com alguns exemplares produzidos pela Toyota na segunda metade da década passada, tendo como culpada a má construção do pedal de aceleração dos carros. Num primeiro momento, a montadora se esquivou da culpa de alguns acidentes do gênero envolvendo seus modelos - o mais notório deles foi o de um Camry, em 2009, registrado por áudio no rádio da polícia da Califórnia. Na ocasião, o carro acelerou a 125 milhas por hora (201 km/h) e matou todos os quatro ocupantes instantaneamente. Depois, a Toyota admitiu a falha e fez um recall de 9,3 milhões de carros ao redor do mundo - além de pagar uma multa de US$ 1,2 bilhão.
  • 6. A separação litigiosa entre Ford e Firestone

    6 /7(Ralph Orlowski/Getty Images)

    A Ford havia tido uma experiência complicada com SUVs no fim dos anos 1980, com o Bronco II, e lançou o Explorer no início da década seguinte para encerrar a fama de fazer utilitários propensos a capotamentos. Para isso, contou com a centenária parceria da Firestone para o fornecimento de pneus. O problema é que a National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA) identificou muitas queixas de acidentes envolvendo estouros de pneus de unidades da Explorer - e esse tipo de circunstância levou a vários capotamentos. Assim, teve início uma guerra de palavras entre Ford e Firestone, uma repassando a culpa para a outra. O problema causou 100 mortes ao redor do mundo. Depois de dois recalls envolvendo um total de quase 20 milhões de pneus, as empresas desfizeram a parceria.
  • 7. Veja agora quais são os carros mais roubados do país

    7 /7(iggy1965/Thinkstock)

  • Acompanhe tudo sobre:AutoindústriaCarrosCombustíveisEmpresasEmpresas alemãsEmpresas italianasEscândalosEstados Unidos (EUA)EuropaFraudesIndústriaIndústrias em geralMeio ambienteMontadorasÓleo dieselPaíses ricosPoluiçãoVeículosVolkswagen

    Mais lidas

    exame no whatsapp

    Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

    Inscreva-se

    Mais de Mundo

    Mais na Exame