Polícia turca dispersa manifestantes com canhões d'água e gás lacrimogêneo na cidade de Soma, onde ocorreu tragédia em uma mina que resultou na morte confirmada de 284 mineiros (Osman Orsal/Reuters)
Da Redação
Publicado em 16 de maio de 2014 às 21h17.
Soma - O batalhão de choque da Turquia disparou gás lacrimogêneo e jatos d'água para dispersar vários milhares de manifestantes nesta sexta-feira na cidade mineira ainda enlutada pela morte de cerca de 300 mineiros no pior desastre industrial da história no país.
A revolta varreu a Turquia à medida que a dimensão do desastre ficou clara, e os protestos tiveram como alvo os proprietários das minas, acusados de ignorar medidas de segurança por lucro, e o governo do primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, visto como favorável aos magnatas da indústria e insensível em sua reação à tragédia.
“Parem de jogar água em nós! Joguem na mina! Talvez enfim extingam o incêndio!”, gritava um homem no meio da multidão, que tentava alcançar uma estátua no centro da cidade em homenagem aos mineiros quando a polícia bloqueou o caminho e começou a disparar os jatos dos veículos blindados.
O saldo de mortos confirmados chegou a 292, e o ministro da Energia, Taner Yildiz, disse que mais oito corpos foram encontrados na mina no fim da tarde desta sexta-feira. Acredita-se que cerca de 10 outros ainda estejam aprisionados e com poucas chances de sobreviver, três dias depois que o fogo espalhou o mortífero monóxido de carbono por toda a mina.
A intervenção policial na cidade pode aumentar a revolta pública contra Erdogan. Ele sobreviveu a grandes manifestações e a uma investigação de corrupção em seu governo no ano passado e continua sendo a força política dominante na Turquia, mas agora arrisca alienar eleitores conservadores da classe trabalhadora, que formam a base do seu partido.
Surgiram vídeos que o mostram aparentemente estapeando um homem enquanto moradores zombavam dele e de sua equipe durante sua visita a Soma nesta semana. O homem, Taner Kuruca, disse que Erdogan de fato o estapeou, e declarou ao canal de televisão D TV que em seguida foi espancado pelos guarda-costas do premiê.
O porta-voz do governista Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AK, na sigla em turco) disse não haver prova visual da agressão, e seu conselheiro, Yalcin Akdogan, acusou “membros de gangue” de provocarem a equipe do primeiro-ministro enquanto ele seguia para se encontrar com famílias das vítimas.
Maquiagem
Autoridades da mina realizaram uma entrevista coletiva à imprensa tensa, dando o relato mais detalhado até agora do que aconteceu. Acreditava-se que um acúmulo não explicado de calor havia causado o colapso de parte da mina, alimentando uma chama que se espalhou rapidamente mais de dois quilômetros abaixo da superfície, declarou o gerente-geral da mina, Ramazan Dogru.
“Foi um acidente inacreditável em um local onde aconteceram poucos acidentes em 30 anos”, disse o presidente da empresa Soma Holding, Alp Gurkan. “Uma mina com mineiros de primeira categoria, aceita como a mais confiável e organizada”.
O AK disse que a mina de Soma, que antigamente era controlada pelo Estado, havia sido inspecionada 11 vezes nos últimos cinco anos e negou quaisquer insinuações de brechas nos regulamentos de segurança.
Mas alguns funcionários da mina questionaram o procedimento de inspeção.
“As inspeções eram conduzidas com uma semana de aviso de Ancara, e éramos instruídos a nos preparar”, disse um mineiro em Soma que não se identificou por medo de retaliação do proprietário da mina.
“Era como colocar maquiagem na mina”.
O ministro Yildiz afirmou que uma equipe de inspetores e promotores entrou em partes da mina cujo acesso é seguro para iniciar uma investigação. Relatos iniciais culparam uma falha em uma subestação elétrica, mas Dogru disse que o incêndio começou quando uma junção de carvão se aqueceu.
“A área aquecida desmoronou e pedaços de carvão caíram, fazendo com que o fogo se espalhasse rapidamente. Não tem nada a ver com a subestação”, declarou. Akin Celik, o gerente do local, disse que uma fumaça intensa bloqueou a saída dos mineiros, e a visibilidade caiu a zero. Ele mostrou uma rota de fuga em um diagrama que, segundo ele, os mineiros presos não conseguiram alcançar.
Ele estimou que os esforços para bombear ar limpo na mina ajudaram a salvar cerca de 100 mineiros. A empresa afirmou que 122 deles foram hospitalizados e outros 363 escaparam por conta própria ou foram ajudados a fugir.