Papa chega ao Panamá em plena agitação por crise na Venezuela
Enquanto o chefe do Vaticano voava para o Panamá, o governo de Nicolás Maduro rompeu relações diplomáticas com os Estados Unidos
AFP
Publicado em 24 de janeiro de 2019 às 10h42.
O papa Francisco chegou ao Panamá nesta quarta-feira (23) para um encontro com os jovens católicos, em meio a um ambiente especialmente tenso na América pela guinada que a crise tomou na Venezuela com a autoproclamação do líder do Legislativo, Juan Guaidó, como presidente interino.
Enquanto o chefe do Vaticano voava para o Panamá, o governo da Venezuela , de Nicolás Maduro rompeu relações diplomáticas com os Estados Unidos depois da decisão da Casa Branca de reconhecer o chefe do Parlamento como presidente interino.
Brasil, Argentina, Colômbia, Peru e outros sete países da região - inclusive o Panamá - seguiram o presidente americano, Donald Trump, na decisão de reconhecer Guaidó, enquanto o México e Cuba continuaram reconhecendo Maduro.
Após desembarcar do avião às 16h34 (19h34 de Brasília) na capital panamenha para participar da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que acontece até domingo, o papa saudou o presidente anfitrião Juan Carlos Valera e foi de carro rumo à Nunciatura.
Um jovem com a bandeira da Venezuela nas mãos, escapou do cordão de segurança e correu para o lado direito do veículo onde estava o pontífice, obrigando o motorista a desviar.
"A Venezuela neste momento está passando por uma situação muito forte, muito crítica (...), acho que o papa deveria pedir a união na Venezuela (...), fazer um apelo mais forte ao governo", disse à AFP John Gallego, um venezuelano de 31 anos que viajou da Colômbia para participar da JMJ.
Ao longo do percurso de 29 km até a Nunciatura, grande parte dos quais fez a bordo do papamóvel, um pontífice sempre sorridente quebrou o protocolo para se aproximar da multidão.
O pontífice argentino, de 82 anos, retorna depois de um ano a uma América Latina sacudida pela maior onda migratória - que envolve especialmente os jovens - e pela brusca guinada da crise no país petroleiro.
Desde que colapsou a economia em 2013 e a disputa política se aprofundou, o papa tem evitado bater de frente com Maduro, apesar de a hierarquia da Igreja venezuelana considerar o seu mandato "ilegítimo e moralmente inaceitável".
"Nos enlouquece"
Ainda com a tensa situação na Venezuela, a mais grave desde os protestos de 2017, que deixaram 125 mortos, a viagem de Francisco supõe a abertura de um parênteses na chuva de escândalos de abusos sexuais que sacodem a Igreja Católica.
Francisco espera levar uma mensagem de alívio à juventude forçada a migrar pelas crises econômica e política. Antes de iniciar seu voo, o chefe do Vaticano se reuniu com oito jovens refugiados.
"É o medo que nos enlouquece", comentou Francisco, respondendo a um jornalista que qualificou de "loucura" a promessa do presidente dos Estados Unidos de construir um muro na fronteira com o México.
Milhares de peregrinos, cobertos por bandeiras de seus respectivos países, o aguardam na Cidade do Panamá.
"Queríamos (...) que existissem mais fronteiras de amor, paz, amizade. O papa Francisco" quer "que, ao invés de criar muros, abramos caminhos", declarou à AFP Carlos Gil, um jovem salvadorenho.
Hondurenhos, guatemaltecos, salvadorenhos, nicaraguenses e venezuelanos atravessam fronteiras diariamente em busca de oportunidades. Da América Central, enormes caravanas que fogem da violência de gangues e dos conflitos políticos se dirigem aos Estados Unidos.
E os venezuelanos escapam de uma destrutiva crise econômica, com hiperinflação e escassez de alimentos e remédios.
"Um bálsamo"
O arcebispo do Panamá, José Domingo Ulloa, também chamou a atenção sobre a "resposta nula" dos governos diante dos problemas sociais que envolvem os jovens: "Lançam-nos a colocar suas esperanças em outros países, expondo-os ao narcotráfico, ao tráfico de pessoas, ao crime e tanto outros males".
Por isso, "ansiamos" que esta visita "seja um bálsamo para a difícil situação com a qual convivem" muitos jovens, expressou Ulloa diante da multidão no Campo Santa María la Antigua do passeio marítimo da Cidade do Panamá.
A mensagem de alívio não será exclusivamente para os jovens, mas também para a própria Igreja.
Francisco retorna à América Latina um ano depois de sua visita ao Chile, marcada por protestos e escândalos de abusos sexuais de padres a menores de idade e seu acobertamento pela cúpula eclesiástica.
O tema "gera muita atenção na Igreja", afirmou o diretor de imprensa do Vaticano, Alessandro Gisotti, apesar de ter assegurado que o papa "não programou um encontro com vítimas" de abusos no istmo.
Durante a sua estadia, Francisco visitará um centro de detenção juvenil e tem previsto um encontro com pessoas com aids em um centro de assistência.
Além disso, prevê se reunir com outros 70 bispos da América Central.
Ao menos sete presidentes irão no domingo à última missa do papa na JMJ: Jimmy Morales (Guatemala), Juan Orlando Hernández (Honduras), Salvador Sánchez Cerén (El Salvador), Carlos Alvarado (Costa Rica), Iván Duque (Colômbia) e Marcelo Rebelo de Sousa (Portugal), além do anfitrião Juan Carlos Varela.
E sobressaem as ausências de Maduro e do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega.
A missa final ocorrerá nos arredores da capital panamenha, onde foi erguido um grande palanque para que, ao longo de quase três quilômetros, os presentes possam acompanhar a intervenção do pontífice.
Um enorme mural contra a xenofobia e o racismo, em forma de vitral, irá decorar o altar.