Os socorristas de Gaza unidos pelos horrores da guerra
Juntos, socorristas já recuperaram corpos, incluindo de crianças, foram encurralados pelos bombardeios israelenses e pelos disparos do Hamas
Da Redação
Publicado em 21 de julho de 2014 às 21h07.
Em um posto na Faixa de Gaza , os socorristas se preparam para uma nova noite de horror, durante a qual enfrentarão bombardeiros e disparos, a morte de civis e talvez de companheiros.
Em meio à ofensiva israelense iniciada em 8 de julho contra o enclave palestino , que já deixou mais de 500 mortos, eles se consideram uma família, unida por experiências difíceis de imaginar.
Juntos, já recuperaram pedaços de corpos, incluindo crianças. Também foram encurralados pelos bombardeios israelenses e pelos disparos do Hamas. E vários ficaram feridos.
Jihad Selim é o responsável pelas vacinas. É socorrista há 17 anos, tendo conseguido sobreviver a guerras e à Segunda Intifada (2000-2005).
Ele espera, no entanto, que seus filhos não sigam seu exemplo. "O que vemos é muito duro", explica à AFP. "Entramos em uma casa e encontramos um corpo desmembrado. Alguém recolhe uma mão, te entrega e simplesmente diz 'leve-a'." "Mas são coisas com que você se acostuma", garante.
Ao seu lado, Adel al-Azbut, de 30 anos, também se mostra firme. "O que é certo é que simplesmente faço o que devo fazer. Se vejo pedaços de corpos, minha responsabilidade é administrar isso e ser profissional".
Além de conviverem com o horror, todos convivem com um medo visceral de que algum dia a chamada de socorro venha de sua própria casa.
Telefone não para
Al-Azbut decidiu se juntar às equipes de emergência durante a segunda grande revolta dos palestinos contra Israel, chamada de Segunda Intifada. "A melhor coisa que um ser humano pode fazer é ajudar outro ser humano", ressalta.
Atrás dele, o telefone não para de tocar. Muitas vezes, contudo, são apenas crianças se divertindo, ligando para o número, que é grátis.
"A pior coisa foi deixar esse número grátis. Agora, em Gaza, se alguém quer saber se seu telefone funciona, nos liga", lamenta Selim.
Mas, às vezes, é algo muito mais grave. Famílias que moram perto da fronteira israelense ligam, desesperadas, com a esperança de serem retiradas em uma ambulância. Mas nenhuma ajuda pode ser enviada sem uma coordenação com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR).
Desde o início da operação "Barreira Protetora" centenas de casas foram atacadas. No total, mais de 570 palestinos, a maioria civis, foram mortos.
No domingo pela manhã, durante a madrugada mais violenta do conflito , o socorrista Fuad Jaber morreu em um bombardeio no bairro de Shejaiya, no leste da Faixa de Gaza, que deixou mais de 70 mortos.
Seu corpo foi escoltado por um comboio de ambulâncias e por companheiros emocionados até a casa onde vivia com sua mulher e com a filha, de dois anos.
"Cada guerra é mais difícil"
Em um serviço de auxílios, inclusive em tempos de guerra, também existem emergências mais simples. Como uma ambulância que circulou a toda velocidade para ajudar uma criança que caiu do terceiro andar. Os socorristas trataram sua perna, imobilizaram-na e a levaram junto com os pais para um hospital Chifa.
"Às vezes, são bombas. Às vezes, é um acidente. Quando estamos em guerra, temos um pouco de tudo", explica o socorrista, sorrindo.
No 14º dia do conflito entre Israel e Hamas, Selim considera que a situação está pior do que durante as duas últimas operações israelenses, em 2008-2009 e 2012.
"Cada guerra é mais difícil do que a anterior, para dizer a verdade. Não há outro país no mundo que tenha passado por três guerras em seis anos", destaca.
Mas os socorristas podem contar com o apoio dos companheiros. "Somos como uma família e nos comportamos como tal, como irmãos", diz Selim. "Enfrentamos a situação juntos, nos ajudamos, dormimos juntos, acordamos juntos."
Apesar de todo o sofrimento, ou talvez por isso mesmo, o ambiente do posto de emergência é descontraído. Os homens discutem para decidir o que vão comer de sobremesa para o 'ifatr' - o fim do jejum de um mês do Ramadã - ou para decidir quem teve a tarefa mais difícil na véspera.
"Tentamos fazer com que o ambiente seja o mais descontraído possível", admite Al-Azbut. "Sabemos que a qualquer momento o telefone pode tocar. Então, sairemos sem saber quem vai voltar."