Nicarágua: protestos contra o governo já deixaram cerca de 50 mortos (Jorge Cabrera/Reuters)
AFP
Publicado em 14 de maio de 2018 às 19h13.
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, autorizou uma visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para observar a situação no país, abalado por protestos contra o governo que já deixaram cerca de 50 mortos - informou o secretário-geral da Organização dos Estados Americano (OEA), Luis Almagro, nesta segunda-feira (14).
"A Nicarágua expressa sua anuência para que, no menor tempo possível, a comissão faça essa visita de trabalho, com o objetivo de observar 'in loco' a situação dos direitos humanos" no país", indicou o chanceler nicaraguense, Denis Moncada, em uma carta publicada por Almagro em sua conta no Twitter.
Essa foi uma das condições impostas pelos bispos para instalar, na qualidade de mediadores, um diálogo proposto pelo governo para solucionar a grave crise vivida no país desde que começaram os protestos, em 18 de abril, e que deixam pelo menos 53 mortos, mais de 400 feridos, cerca de 60 desaparecidos, dezenas de negócios e casas saqueadas e queimadas, e denúncias de detenções ilegais.
Ortega deu o seu consentimento após as fortes pressões exercidas pelos Estados Unidos, pela OEA, por muitos setores nicaraguenses e pelas crescentes manifestações que buscam a democratização do país e sua renúncia à presidência.
"Em uma situação como a vivida pela Nicarágua é essencial a presença da CIDH como elemento de credibilidade, confiança e esclarecimento" dos atos violentos ocorridos nos protestos, afirmou à AFP o especialista em Direito Internacional, Mauricio Herdocia.
Também é crucial "para que as partes possam se sentar à mesa de negociação" apesar de, nos últimos dias, "os acontecimentos tenham se agravado", apontou.
"É um passo positivo, mas é um primeiro passo, ainda há um caminho longo" a ser percorrido para resolver a crise, afirmou o ex-chanceler Norman Caldera em declaração à AFP.
"Tenho todas as minhas esperanças nos resultados que possam ser conseguidos pelos bispos em um diálogo" antes que o país entre em uma "espantosa" onda de violência, disse Caldera.
A Conferência Episcopal da Nicarágua (CEN) convocou um diálogo nacional para quarta-feira, às 10 da manhã.
"Depois de ouvir o clamor de uma grande maioria da sociedade e conscientes da gravidade da situação que vivemos no país, e mesmo quando as circunstâncias para esse diálogo não são as mais idôneas, anunciamos o início do mesmo para esta quarta-feira, 16 de maio, às 10 da manhã", anunciou o presidente do CEN, o cardeal Leopoldo Brenes, em coletiva de imprensa.
No diálogo serão tratados "o tema da institucionalidade para avançar no caminho da democratização", indica o documento lido por Brenes, que pediu às partes que tenham boa vontade para que "possamos chegar a acordos que se traduzam em ações concretas".
Apesar de Ortega ter aceitado as condições, no fim de semana aumentou a repressão, e as forças de choque enfrentaram os manifestantes na cidade de Masaya, um antigo bastião sandinista no sul, que reivindica sua renúncia, como boa parte do país.
Masaya viveu "dias de repressão duríssimos e de violências por parte de grupos paramilitares apoiados pela polícia atacando as pessoas", disse à AFP Augusto Rodríaguez, um pároco da cidade.
Foi "uma tragédia, um massacre", repudiou a Comissão Permanente de Direitos Humanos (CPDH).
As manifestações continuavam nesta segunda-feira: havia bloqueio de vias em pelo menos 43 pontos de 15 departamentos do país e protestos organizados pelos denominados "autoconvocados", um movimento sem liderança integrado por setores insatisfeitos com governo que vão às ruas espontaneamente.
Os manifestantes pedem a renúncia do presidente Ortega, um ex-guerrilheiro de 72 anos que governou durante a revolução sandinista dos anos 1980 e retornou ao poder em 2007.
Nesta segunda-feira, os saques continuaram em Masaya, enquanto no município de Sabaco, no centro do país, onde houve um bloqueio de rodovia, foi relatado outro enfrentamento com forças de choque, que teria deixado um morto e vários feridos.
Em Manágua, uma mulher a bordo de uma van passou disparando contra taxistas que protestavam contra a alta do combustível. O segurança de um mercado morreu após ser atacado a tiros.