Protesto em Boston, nos Estados Unidos, contra a guerra na Ucrânia: ao colocar mais dinheiro nos bolsos dos produtores de petróleo russos, os EUA e seus aliados estão obtendo o efeito oposto ao que pretendem (Joseph Prezioso/AFP/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 26 de março de 2022 às 12h00.
Por Oleg Ustenko, de Kiev*
O bloqueio das reservas cambiais do banco central russo foi uma jogada brilhante. Desconectar alguns bancos russos do sistema de mensagens financeiras SWIFT foi muito útil. E ir atrás da riqueza offshore dos comparsas de Putin é apropriado. Mas nenhuma dessas sanções impediu a invasão russa da Ucrânia por uma razão, e nenhuma delas o fará.
A razão é simples: a Rússia continua a exportar petróleo e gás. De fato, a guerra elevou o preço desses produtos, beneficiando o setor mais importante da economia russa.
Assim, uma semana após o início, o consumo ocidental de energia ainda está financiando a invasão da Ucrânia pela Rússia, e a elite russa está se saindo melhor do que nunca. Não há maneira de contornar isso: a única maneira de impedir a agressão do presidente russo Vladimir Putin é impor um boicote abrangente a todos os produtos energéticos russos.
A energia compreende a maior parte das exportações da Rússia, principalmente em duas formas: gás para a Europa Ocidental, via gasodutos e pagos em contratos de longo prazo, e petróleo para os mercados mundiais, vendido principalmente à vista nos mercados.
Segundo dados da Agência Internacional de Energia, “as receitas de impostos e tarifas de exportação relacionadas a petróleo e gás representaram 45% do orçamento federal da Rússia em janeiro de 2022. Considerando os preços atuais de mercado, o valor de exportação de gás canalizado russo para a UE sozinho é de US$ 400 milhões por dia. As receitas totais de exportação de petróleo bruto e produtos refinados atualmente somam cerca de US$ 700 milhões por dia.”
Até agora, houve algumas pequenas interrupções nas exportações de petróleo da Rússia, mas nenhum impacto nas exportações de gás, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE).
Com os preços do petróleo Brent subindo de cerca de US$ 90 por barril para cerca de US$ 110 por barril desde o início da invasão (e de US$ 80 no final de 2021), a Rússia tem muito dinheiro entrando. Se houver um desconto no petróleo bruto dos Urais, é menor do que o aumento nos preços do petróleo – portanto, os exportadores russos de petróleo ainda estão à frente, financeiramente.
No decorrer do mês passado, o valor diário das exportações russas de petróleo aumentou cerca de US$ 100 milhões por dia (calculado a partir da estimativa da AIE das exportações russas diárias, multiplicado por nossa estimativa do aumento do preço efetivo do petróleo bruto dos Urais). O superávit da conta corrente russa foi de cerca de US$ 19 bilhões em janeiro de 2022, ou cerca de 50% maior do que o típico de janeiro (na maioria dos anos, superávit o mensal é de US$ 9-12 bilhões).
Há uma visão nos círculos de formulação de políticas nos Estados Unidos de que a atual política de sanções financeiras está degradando a capacidade petrolífera russa de uma maneira que atende aos interesses estratégicos dos EUA. Mas ao colocar mais dinheiro nos bolsos dos produtores de petróleo, os EUA e seus aliados estão obtendo o efeito oposto. Não há alternativa a sanções que reduzam imediatamente o volume das exportações russas de petróleo e gás.
Um boicote abrangente à energia russa pode começar com os EUA impondo sanções totais, incluindo sanções secundárias, a todas as exportações russas de petróleo e gás. O preço mundial do petróleo aumentará, mas se as sanções forem totalmente aplicadas, nada desse ganho inesperado irá para os produtores russos.
Nesse cenário, a AIE estima que a produção de petróleo ao redor do mundo será impulsionada muito rapidamente – a Rússia exporta cinco milhões de barris por dia; a oferta mundial adicional pode somar pelo menos três milhões de bpd. Medidas de conservação de energia também podem e devem ser introduzidas sempre que apropriadas.
É claro que a União Europeia precisaria seguir o exemplo. Mas, para falar francamente, isso é apenas uma questão de tempo. A UE pode parar de comprar gás russo agora, para interromper a invasão, ou pode esperar um mês, até que milhares de pessoas morram – e as horríveis fotos de vítimas civis inundem todas as mídias.
Em algum momento em breve, a Europa não será mais capaz de suportar o fato de estar pagando pelas atrocidades de Putin na Ucrânia.
A AIE tem um plano sensato de como afastar a Europa do gás russo, e uma equipe em Bruegel publicou propostas importantes e tratou de como passar os próximos meses sem gás russo. Todos os decisores políticos europeus precisam de enfrentar a questão de frente.
Certamente, os europeus terão que tomar decisões difíceis, principalmente como financiar a transição imediata do gás russo. Mas imaginem as decisões que devem ser tomadas agora na Ucrânia, para manter as pessoas vivas e evitar o maior desastre humanitário que a Europa viu desde a Segunda Guerra Mundial.
O impacto também não se limitará à Europa. Por exemplo, muito em breve a agricultura ucraniana entrará em colapso: ninguém pode arar ou plantar sementes enquanto está sendo atacado pelas forças russas. Isso aumentará os preços globais dos alimentos, porque a Ucrânia é o quinto maior exportador de trigo do mundo, o que implica um grande impacto nos orçamentos e na pobreza em países de baixa renda.
Alguns europeus precisarão de ajuda para pagar suas contas de aquecimento e podem enfrentar outros custos econômicos por causa do que Putin está fazendo.
Mas compare-se isso com milhões de ucranianos que já lutam para encontrar comida, água potável e remédios essenciais – e para evitar serem baleados ou explodidos. Centenas de milhares de crianças ucranianas já estão traumatizadas pelo resto da vida, e seu sofrimento só vai piorar a menos que Putin seja detido imediatamente.
A manifestação de apoio à Ucrânia e aos ucranianos foi incrível. Mais de um milhão de refugiados foram acolhidos por indivíduos e governos em toda a UE, os EUA, o Reino Unido e outros países estão fornecendo muitas formas de assistência. Somos gratos por tudo isso.
Mas é hora de enfrentar a dura realidade de que Putin e seus comparsas enlouqueceram. O mundo pode boicotar totalmente a energia russa hoje, para parar a invasão imediatamente, ou pode continuar a assistir as forças russas cometerem um ultraje após outro – todos os dias se aproximando do território dos países da UE.
Ninguém no mundo deveria comprar energia russa. O estigma deveria ser pior do que para diamantes de sangue. O mundo está armando e encorajando um monstro violento e incontrolável. Isso precisa parar.
*Oleg Ustenko é conselheiro econômico do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky desde maio de 2019.
(Simon Johnson contribuiu para a redação deste artigo de opinião.)
Direitos Autorais: Project Syndicate, 2022 (www.project-syndicate.org). Tradução de Anna Maria Dalle Luche.