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ONU: narcotráfico se infiltrou entre militares da Venezuela

Escritório da ONU sobre Drogas e Crime mostra que narcotraficantes transportam drogas para Europa e EUA através de portos venezuelanos

Militares na Venezuela: apesar do termo "cartel", grupos que atuam dentro do corpo militar venezuelano "não possuem hierarquia definida" (chrispecoraro/Getty Images)

Militares na Venezuela: apesar do termo "cartel", grupos que atuam dentro do corpo militar venezuelano "não possuem hierarquia definida" (chrispecoraro/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 28 de fevereiro de 2020 às 09h24.

Última atualização em 28 de fevereiro de 2020 às 09h28.

São Paulo — A ONU divulgou nesta quinta-feira, 27, um relatório afirmando, pela primeira vez, ter indícios de que grupos ligados ao narcotráfico se infiltraram nas Forças Armadas da Venezuela. O tema não é novidade, segundo militares venezuelanos que fugiram do país, mas pode ter impacto no regime de Nicolás Maduro.

O relatório do Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (UNODC) mostra que narcotraficantes transportaram grandes quantidades de drogas para Europa e EUA através de portos venezuelanos, usando aeronaves leves, por meio de voos ilegais. "Há indícios de que grupos criminosos conseguiram se infiltrar nas forças de segurança e criaram uma rede informal conhecida como "Cartel dos Sóis", para facilitar a entrada e saída de drogas ilegais", diz o texto.

"Falamos de um Estado falido, onde as Forças Armadas mantêm Maduro no poder por várias razões, uma delas é o narcotráfico. Oficiais do alto comando desenvolveram um poder enorme dentro do governo, principalmente nomes da Guarda Nacional Bolivariana", disse ao jornal O Estado de S. Paulo o tenente venezuelano José Colina, que vive há 16 anos exilado nos EUA.

Segundo analistas, é justamente esse apoio militar que pode sofrer caso o relatório seja usado para ações mais efetivas. "Com essa declaração apenas não é possível causar deserções nas Forças Armadas, mas se ela for usada para se tomar ações de maior peso, como divulgar o nome e sobrenome dos envolvidos, aí pode levar a isso", explica Alberto Ray, especialista em segurança pública.

Ele ressalta que o relatório afeta de forma imediata a imagem dos militares, algo que eles sempre tentaram preservar. "As Forças Armadas tentam desvincular sua imagem de um grupo de criminosos e narcotraficantes. Uma denúncia desse tamanho tem um dano efetivo."

O Insight Crime, grupo que monitora o crime organizado na América Latina, afirma que o termo "Cartel dos Sóis" foi usado pela primeira vez em 1993, quando dois generais venezuelanos foram investigados por tráfico de drogas. A partir de 2000, a definição passou a ser recorrente diante de diversos casos de envolvimento de militares no narcotráfico.

"Essa infiltração começou entre 2003 e 2004, com alguns generais e coronéis, e foi agravada entre 2008 e 2009, quando a participação dos militares no narcotráfico era muito mais aberta. Uma das primeiras coisas que Hugo Chávez fez ao chegar ao poder foi permitir que algumas regiões se tornassem zonas de proteção para grupos guerrilheiros colombianos", afirma Colina, que era tenente da Guarda Nacional Bolivariana na fronteira com a Colômbia.

Segundo ele, em 2002, os militares recebiam ordens escritas para permitir que a guerrilha operasse na Venezuela. "Estava proibido enfrentá-los. A infiltração do narcotráfico nas Forças Armadas começa com o Cartel dos Sóis, porque vários generais do alto comando integravam o grupo, entre eles Henry Rangel Silva que foi ministro da Defesa, e o general Hugo Carvajal, que facilitavam o tráfico."

O termo "sol" refere-se à insígnia dos oficiais generais - um sol significa general de brigada; dois, um general de divisão; três sóis, um general de Exército; e quatro sóis, um marechal.

De acordo com o Insight Crime, apesar do termo "cartel", os grupos que atuam dentro do corpo militar venezuelano "não possuem hierarquia definida". O grupo cita três acontecimentos significativos para a origem da infiltração do crime organizado no Estado venezuelano. Primeiro, o Plano Colômbia, que permitiu às forças colombianas usarem dinheiro dos EUA para sufocar as guerrilhas, que foram empurradas para dentro da Venezuela.

Quase ao mesmo tempo, ocorreu a tentativa de golpe contra Chávez em 2002. Desconfiado da atuação da Colômbia, o presidente venezuelano enviou o Exército para policiar a fronteira, que já estava tomada de guerrilheiros e narcotraficantes.

Os subornos, que antes eram pagos a agentes de fronteira para liberar a passagem da droga, começaram a parar nas mãos dos militares. Muitos pagamentos, porém, eram feitos em mercadoria e os próprios militares tiveram de buscar um destino para a cocaína que recebiam.

"É importante lembrar que isso é parte de um sistema que chamamos de economia criminosa. A droga, que vem principalmente de Bolívia e Colômbia, é distribuída pela Venezuela e quem facilita esse processo é um setor das Forças Armadas, junto com grupos como ELN e os dissidentes das Farc", afirma Ray, a respeito de grupos que não se desmobilizaram após o acordo de paz de 2016.

"Chávez e Maduro sabiam e, o mais lamentável, é que permitiram essa situação. Chávez permitiu, para se manter no poder. Maduro permite por não ter nenhum tipo de controle. Os chefes do narcotráfico na Venezuela têm muito mais poder que ele", afirma Colina.

"Isso ocorre há anos, mas agora o regime depende muito mais disso, porque a fonte de financiamento legal foi sendo cortada. O governo necessita do tráfico, da mineração de ouro ilegal e do contrabando. Isso produz dinheiro, que é usado pelo regime para se manter no poder", conclui Ray.

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