Kharkiv, após bombardeio russo em área residencial: embates continuam nos arredores da segunda maior cidade da Ucrânia, mas retomada de territórios pelo exército ucraniano é celebrada no Ocidente (SERGEY BOBOK/AFP/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 12 de setembro de 2022 às 16h40.
Última atualização em 13 de setembro de 2022 às 00h14.
Em uma guerra que já dura mais de seis meses, a Ucrânia recuperou nas últimas semanas territórios cruciais no embate com a Rússia. A movimentação vem pegando de surpresa até mesmo os observadores mais otimistas, uma vez que russos haviam conseguido capturar (e reter) territórios no leste e sul do país, principais regiões hoje em disputa.
No último sábado, 10, informações comprovadas mostram que a Ucrânia retomou territórios próximos à cidade de Kharkiv, no nordeste do país e segunda maior cidade ucraniana. As proximidades da cidade haviam sido tomadas pela Rússia logo no início da guerra.
O exército ucraniano afirma que retomou o controle em três áreas estratégicas, Balakliya, Izium e Kupiansk, que são importantes para a logística de suprimentos russa.
Mesmo antes disso, a contra-ofensiva na região vinha tendo algum sucesso desde maio. O exército ucraniano também reivindica alguns avanços no sul. Agora, os resultados do fim de semana - e o anúncio do exército ucraniano de que conseguiu chegar até mesmo à fronteira com a Rússia na ofensiva - marcam de vez um momentum dos ucranianos no embate.
A Rússia reconheceu em pronunciamento na televisão estatal que uma parte de sua linha de frente foi desmontada a sudeste de Kharkiv. “O inimigo está sendo atrasado o máximo possível, mas vários assentamentos já estão sob o controle de formações armadas ucranianas”, disse Vitaly Ganchev, chefe do governo apoiado pela Rússia em Kharkiv, segundo reportou a agência Reuters.
"O sucesso de uma contraofensiva diante da Rússia mostra que a Ucrânia pode derrotar as forças de Moscou. Mas Kiev precisa de mais armas de seus parceiros", disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba.
Segundo correspondentes que cobrem o conflito e articulistas na imprensa internacional, passou-se a falar novamente nos bastidores sobre uma possibilidade de a Ucrânia "ganhar a guerra". A Rússia, por outro lado, tem continuado ataques aéreos nas áreas de embate com a Ucrânia e mantém posição forte no leste, mesmo com os avanços ucranianos recentes.
"Seria prematuro pronunciar uma vitória ucraniana completa na guerra por causa de um avanço bem-sucedido e inesperado, mas o que aconteceu nos últimos dias é de importância histórica. Essa ofensiva derrubou muito do que se supunha com confiança sobre o curso da guerra", escreveu em artigo à revista New Statesman o historiador e especialista em política externa britânico Lawrence Freedman.
Na prática, o conceito de vitória na guerra ucraniana é complexo para ambos os lados.
Primeiro porque, hoje, o combate está concentrado no sul e no leste da Ucrânia, e ganhar significaria, sobretudo, conquistar e reter esses territórios.
No resto do país, a tendência tem sido de uma estabilização do conflito depois que ficou claro que o plano inicial do governo russo de Vladimir Putin - de dominar toda a Ucrânia em várias frentes de batalha - não iria adiante.
Logo no início da guerra, em fevereiro, a Rússia falhou em tomar a capital Kiev (no norte) e abandonou a região, que hoje quase não registra confrontos. Já região ocidental da Ucrânia, mais distante da fronteira com a Rússia e mais perto da fronteira com a União Europeia (em países como a Polônia), sofreu alguns bombardeios pontuais, mas quase não entrou na guerra. É para lá, também, que milhões de refugiados se deslocaram internamente.
Mas, no leste, a situação ucraniana vinha sendo mais complexa. Uma das possibilidades nos últimos meses era de que a Rússia, com a estabilização da frente de batalha, reivindicasse essa fatia da Ucrânia como seu território - como já aconteceu com a invasão da Crimeia, ao sul, anexada em 2014 e que virou território russo, em status até hoje debatido.
Outro cenário possível é de que a guerra se arraste no flanco leste por meses ou até anos, sem uma resolução efetiva. Já foi esse o caso de Donbas, região onde estão Luhansk e Donetsk, que se declaram repúblicas independentes e, com apoio russo, estão em guerra civil com o governo ucraniano desde 2014, mesma época em que a Crimeia passou às mãos russas.
No entanto, com a chegada nos últimos meses de artilharia pesada enviada pelos EUA e por aliados ucranianos no Ocidente, e algum sucesso nas contraofensivas contra a Rússia no leste, o exército ucraniano tentará, em seu melhor cenário, retomar esses territórios o mais rapidamente possível.
Quanto tempo isso levaria - e se seria possível para a Ucrânia retomar 100% do território que tinha antes da guerra - ainda é uma questão sem resposta.
Nas discussões sobre a guerra, as frentes diplomáticas também seguem nebulosas. A Rússia exige que a Ucrânia não faça parte da Otan, aliança militar do Atlântico Norte - motivo oficial pelo qual o governo russo teria iniciado o conflito em fevereiro. A Ucrânia não deve, de fato, ingressar na Otan no futuro próximo, o que poderia levar a um embate direto entre EUA e Rússia, hoje visto como improvável.
Também há oposição em Moscou ao ingresso da Ucrânia na União Europeia, processo no qual os ucranianos deram entrada já após o início da guerra.
A Ucrânia, além do ingresso na UE, também não está disposta a encerrar a guerra com perda de território, nem mesmo Luhansk ou Donetsk, segundo declarações recentes do governo. Kiev, além disso, segue reivindicando a Crimeia e rejeita o processo de 2014.
“Donbas é a Ucrânia. E nós a devolveremos, seja qual for o caminho. A Crimeia é a Ucrânia. E nós o devolveremos. Qualquer que seja o caminho", disse em discurso no fim de agosto o presidente Volodymyr Zelensky.
Conversas para um cessar-fogo e acordo de paz chegaram a ocorrer sobretudo no início da guerra, mas estão estagnadas desde então. A ver se as movimentações no campo de batalha mudarão algo nas salas diplomáticas a partir de agora.
Enquanto isso, os olhos do mundo seguirão voltados para os embates no leste ucraniano - com otimismo renovado no alto escalão ucraniano e entre seus aliados.