TRÁFICO SUBTERRÂNEO: Felipe Jimenez, da Patrulha Fronteiriça dos Estados Unidos, olha para saída de um túnel que foi fechado com concreto / Caitlin O'Hara/ The New York Times
Da Redação
Publicado em 15 de setembro de 2016 às 16h47.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h45.
Ron Nixon ©2016 New York Times News Service
Nogales, Arizona – Às margens da enorme cerca de aço que separa a cidade de sua irmã mexicana, o concreto recente marcado com uma data se destaca da paisagem, exibindo a saída de um túnel que os agentes da Patrulha Fronteiriça dos Estados Unidos fecharam em maio deste ano.
Dezenas de outros túneis como esse passam pela cidade, como parte de uma vasta rede subterrânea usada pelos cartéis mexicanos durante anos para levar drogas ilegais para os Estados Unidos. Quando os agentes da Patrulha Fronteiriça encontram os túneis, jogam concreto para fechar a entrada e marcam com a data dos trabalhos.
Contudo, é difícil acompanhar o ritmo das escavações. Recentemente, a Patrulha Fronteiriça, em parceria com as autoridades mexicanas, descobriu um túnel não finalizado que começava em um cemitério mexicano.
“O cronômetro dispara assim que terminam um túnel. Eles sabem que um dia vamos encontrar o buraco. Mas se ao menos um carregamento passar antes de fecharmos a entrada, ele já será considerado um sucesso”, afirmou Kevin Hecht, especialista em túneis da Patrulha Fronteiriça.
Enquanto o candidato à presidência dos EUA, Donald Trump, promete construir um muro separando o país do México, a cerca que em algumas áreas chega a 9 metros de altura fez muito pouco para impedir a entrada dos traficantes. Ela simplesmente os empurrou para debaixo da terra.
Os agentes da Patrulha Fronteiriça não escutam quando os traficantes cavam os túneis e não sabem onde eles estão, uma falha que os especialistas em segurança nacional afirmam tornar a ideia de um muro ainda mais absurda.
“A Patrulha Fronteiriça fez um trabalho incrível, tendo em vista os seus recursos”, afirmou o General Barry R. McCaffrey, diretor de políticas de combate às drogas na Casa Branca durante o governo Clinton. “Mas seria um exagero dizer que a fronteira e as comunidades fronteiriças estariam seguras se a agência não for capaz de detectar os túneis subterrâneos. Não é um muro que vai resolver isso”.
Durante seu discurso sobre a imigração realizado em agosto no Arizona, Trump afirmou que seu plano de segurança na fronteira utilizaria as melhores tecnologias, incluindo sensores terrestre e subterrâneos para “encontrar e deslocar túneis e manter distantes os cartéis criminosos”.
Mas não existem tecnologias capazes de detectar de forma confiável a presença dos túneis e os especialistas afirmam que pode demorar anos até que um sistema desse tipo seja desenvolvido.
Desde que o primeiro túnel de traficantes foi descoberto em 1990 em Douglas, Arizona, as autoridades afirmam que já encontraram quase 200 outros ao longo dos quase 3.200 quilômetros da fronteira sudoeste, especialmente no Arizona e na Califórnia. Os túneis são tão numerosos na região de Nogales que os agentes da Patrulha Fronteiriça descrevem o terreno da cidade como um “queijo suíço”.
Hecht conta que os traficantes cavam os túneis entre o sistema de esgoto compartilhado pelas cidades. Outros são cavados em casas do lado americano e conectados a edifícios no México. Um túnel foi cavado sob um caminho de entrada repleto de guardas.
Avanços tecnológicos como radares subterrâneos para detectar movimentos, centenas de câmeras com lentes de visão noturna e drones mudaram drasticamente a segurança na fronteira. Essas ferramentas ajudaram os investigadores federais a encontrar e prender centenas de suspeitos de tráfico, além de apreender centenas de toneladas de maconha, metanfetamina e cocaína. Robôs controlados remotamente ajudam os agentes a explorar os túneis que são perigosos demais para as pessoas.
O governo norte-americano investiu centenas de milhões de dólares em pesquisa na esperança de encontrar uma forma de detectar os túneis, mas a maioria dessas iniciativas terminou em desapontamento. Mais recentemente, o Diretório de Ciência e Tecnologia do Departamento de Segurança Nacional concluiu que nenhum dos métodos utilizados atualmente para detectar túneis subterrâneos eram “apropriados para as necessidades operacionais dos agentes da Patrulha Fronteiriça”.
Na falta de uma tecnologia capaz de detectar os túneis, os oficiais da Patrulha Fronteiriça trabalham em parceria com as autoridades mexicanas para desenvolver uma rede de informantes e patrulheiros, incluindo as redes de água e esgoto, para encontrar atividades suspeitas. Cerca de metade dos agentes da Patrulha Fronteiriça que trabalham na região receberam treinamento para trabalhar debaixo da terra.
“Mas não dá pra saber de tudo”, afirmou R. Gil Kerlikowske, comissário da Aduana e de Proteção à Fronteira dos EUA, que admite que podem existir muito mais túneis.
Parte da dificuldade de detecção, segundo especialistas como Paul Bauman, geofísico canadense, é o próprio solo. Encontrar o que está sob a superfície não é tão simples quanto usar radares ou ondas eletromagnéticas, afirmou.
Com as rachaduras subterrâneas, as reservas de água, raízes de árvore e cavernas, é difícil dizer o que é e o que não é um túnel, afirmou.
Na lei de autorização de segurança nacional de 2016, o congresso americano alocou cerca de US$ 120 milhões para um projeto de detecção de túneis realizado em parceria pelo Departamento de Defesa dos EUA e as Forças de Defesa de Israel. Israel é um dos muitos países, incluindo Egito, Jordânia e Coreia do Sul, que têm problemas com grupos hostis que utilizam túneis para realizar ataques. As autoridades norte-americanas esperam que a tecnologia desenvolvida em Israel possa ajudar a resolver o problema na fronteira com o México.
Uma porta-voz do Ministério da Defesa de Israel se negou a comentar o caso.
O Diretório de Ciência e Tecnologia do Departamento de Segurança Nacional também gasta milhões de dólares todos os anos para financiar pesquisas de detecção de túneis.
Em San Diego, uma força tarefa de agentes da Polícia de Imigração de Alfândega, o Departamento de Segurança Nacional, a Patrulha Fronteiriça e o Ministério de Combate às Drogas utilizaram uma série de tecnologias com o objetivo de detecção, assim como as equipes em Nogales fizeram.
Uma das ferramentas é um radar terrestre parecido com um cortador de grama. O aparelho, cujo objetivo é encontrar linhas de serviço subterrâneas e falhas na construção de ruas, envia ondas de radar que chegam a três metros sob a terra. Uma tela mostra vários tons que identificam anomalias que poderiam ser túneis.
Porém, com frequência o aparelho não vai fundo o bastante. “Nunca encontramos um túnel usando essas máquinas”, afirmou David Shaw, agente especial a cargo das Investigações de Segurança Nacional em San Diego.
Ainda assim, algumas autoridades policiais afirmam que seus esforços parecem estar surtindo efeito. Dados do Departamento de Segurança Nacional mostram que cada vez menos túneis são descobertos.
Entretanto, Hecht da Patrulha Fronteiriça em Nogales, afirmou que o número de túneis descobertos não deveria servir de medida de sucesso.
“Para cada túnel que encontramos, temos a sensação de que estão construindo mais um em outro lugar e eles ficam cada vez mais criativos na forma de escondê-los. No ano que vem, poderíamos encontrar 10 túneis. Até que exista no mercado um aparelho que realmente possa nos ajudar, não temos como saber.”