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O impacto ambiental de 8 bilhões de pessoas

Marco populacional aumenta os desafios no combate às mudanças climáticas, como a demanda global por alimentos, energia e a pressão sobre recursos naturais, como florestas e cursos d'água

População mundial: marca dos 8 bilhões foi atingida em meio às discussões da Cúpula do Clima (COP27), realizada até semana passada no Egito (Alexander Spatari/Getty Images)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 28 de novembro de 2022 às 17h06.

Última atualização em 28 de novembro de 2022 às 17h56.

O planeta chegou a8 bilhões de habitantesneste ano, calcula a Organização das Nações Unidas ( ONU ). Reflexo do avanço da medicina e da ciência nas últimas décadas, esse marco também aumenta os desafios no combate às mudanças climáticas . O crescimento populacional, mais veloz em países pobres, eleva a demanda global por alimentos, energia e a pressão sobre recursos naturais, como florestas e cursos d'água.

"É uma ocasião para celebrarmos a diversidade e os avanços, enquanto consideramos a responsabilidade compartilhada da humanidade com o planeta", disse António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

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Representante do fundo de população da ONU (UNFPA) no Brasil, a antropóloga e socióloga Astrid Bant explica ao Estadão que esse aumento populacional é consequência do avanço em tecnologia e acesso à saúde e deve ser celebrado. "O mundo, de alguma maneira, está cuidando melhor da sua população. Isso dá esperança também para o meio ambiente", afirma.

"Problemas graves de meio ambiente são complexos e podemos tê-los ou não. A concepção da UNFPA e da ONU é a de nos assegurarmos que esses 8 bilhões tenham boa qualidade de vida", aponta. "Uma tendência demográfica não é só boa ou má, tudo depende dos nossos esforços."

A marca dos 8 bilhões foi atingida em meio às discussões da Cúpula do Clima ( COP27 ), realizada até a semana passada no Egito, onde o principal debate foi sobre criar um fundo monetário financiado por países mais ricos (e com maior emissão de gases do efeito estufa) para ajudar nações de renda baixa ou em desenvolvimento a enfrentarem os efeitos das mudanças climáticas, como maremotos, furacões, tempestades e outros desastres naturais que se agravaram nos últimos anos.

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Colaboração

Todos concordam que uma cooperação internacional firme e efetiva é a única saída, mas as ações para chegar até lá ainda estão aquém do esperado. "Ainda é uma cooperação muito frágil", avalia o climatologista Carlos Nobre, uma das maiores referências no mundo em aquecimento global. "Realmente, para vencermos os maiores desafios da humanidade e chegarmos à meta do Acordo de Paris, estamos indo em uma direção de forma lenta e é importante a colaboração dos países."

Em 2015, o Acordo de Paris estabeleceu como meta cortar as emissões de gases poluentes e impedir que a temperatura média do planeta aumentasse mais de 2ºC - e, idealmente, ficasse em até 1,5ºC. Mas cientistas já avisaram que será difícil cumprir o prometido.

"A primeira questão é fazer com que os países ricos, maiores responsáveis pelas mudanças climáticas, paguem pelo dano que já estão trazendo aos países mais vulneráveis. A conversa tem de começar por aí, para que eles assumam a responsabilidade histórica que têm, e trabalhem na redução dos impactos dessas mudanças", defende Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro do IPCC, o painel de cientistas das Nações Unidas para discutir a crise climática.

Para ele, o tamanho da população nem é o maior problema. "A questão principal não é ter 8 bilhões, mas o nível de desigualdade social e econômica e de consumo dos recursos naturais pelas pessoas mais ricas do planeta. O problema é muito mais de desigualdade do que do número absoluto de pessoas", diz.

Consumo e alimentação

É unanimidade que o meio ambiente não consegue sustentar as demandas da humanidade, se ela continuar crescendo exponencialmente e se comportando da mesma forma, sem medidas enérgicas para frear as mudanças climáticas. A previsão da ONU é de que a população mundial ultrapasse a casa dos 10 bilhões nos próximos 50 anos, aumento que será impulsionado principalmente por países de baixa ou média renda na Ásia e na África.

Na prática, esse crescimento populacional significa mais demanda de recursos, energia, alimento, território, mais poluição no ar, na água e uma série de problemas que afetam desde a biodiversidade da Amazônia à qualidade do ar na Índia. "É uma preocupação grande, porque 2 bilhões de habitantes a mais significa um aumento ainda maior do consumo", destaca Nobre.

"O risco desse crescimento populacional é muito grande", continua ele. "A não ser que haja uma mudança radical no consumo que pode ser muito mais sustentável. Você pode migrar rapidamente para energias renováveis, por exemplo, e consumir muito menos. Não podemos caminhar para uma sociedade consumista, como tem sido a tendência global há mais de 100 anos", alerta o pesquisador.

Segundo a ONU, uma das formas de garantir que o crescimento populacional aconteça de forma sustentável é mudar como nos alimentamos. "Os sistemas de alimentação precisam incorporar práticas mais sustentáveis, enquanto garantem acesso a comida segura, suficiente, acessível e nutritiva, além do aproveitamento de uma dieta diversificada, balanceada e saudável para todos", diz a organização em um relatório oficial sobre a marca dos 8 bilhões.

Coordenador do programa de Consumo Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Rioja Arantes tem tentado mudar a forma como as pessoas lidam com hábitos de alimentação, transporte, habitação e outros já enraizados na nossa cultura.

"Ainda há um distanciamento sobre a compreensão desses impactos (de aumento populacional) no meio ambiente e no dia a dia. Mas os consumidores brasileiros estão cada vez mais sensíveis e atentos a essas questões", avalia. "Pesquisas apontam que os consumidores brasileiros têm interesse em sustentabilidade e percebem essa necessidade, mas também precisam que os caminhos sustentáveis sejam mais fáceis, acessíveis e baratos", aponta Arantes, que esteve este mês na COP27 discutindo o tema.

Ele observa, porém, que além de os cidadãos mudarem hábitos de vestuário, alimentação e transporte, é preciso, principalmente, ter mudanças legislativas e estruturais que incentivem produções e consumos sustentáveis. "Precisamos direcionar políticas públicas e leis para um conjunto de incentivos fiscais que propiciem a produção de alimentos saudáveis, como frutas, hortaliças e outros substitutos para a carne, e para energias mais limpas", aponta.

"A estrutura das relações de produção e consumo precisa ser alterada de forma urgente, significativa e imediata. É o que todos os estudos apontam", afirma ele.

Protagonismo brasileiro

Durante a COP27, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou a intenção de trazer a 30.ª edição da Cúpula do Clima para o Brasil, preferencialmente em um Estado amazônico. Mas, além de sede do evento, especialistas apontam que o País tem o potencial de se tornar uma referência internacional em sociobiodiversidade - desde que tome os passos necessários para isso.

"O Brasil tem grandes chances de se tornar um protagonista mundial na adoção de novas práticas, produtos e tecnologias sustentáveis. Não só na alimentação, mas também na produção de energia, biodiversidade e conhecimento", aponta Carlos Nobre.

O primeiro passo para isso é zerar o desmatamento dos nossos biomas, que tem crescido nos últimos anos e isolado o Brasil nos debates ambientais internacionais. "Um grande protagonismo que o Brasil pode ter é também um enorme desafio: podemos nos tornar a primeira potência ambiental da sociobiodiversidade, baseada na proteção do ambiente, dos biomas, das florestas, das populações originárias e na nossa riqueza imensa. Temos a maior biodiversidade do planeta", diz Nobre.

Se um caminho aponta para o combate ao desmatamento, o investimento em uma agricultura cada vez mais sustentável e a aceleração em energias renováveis como a eólica e a solar são outras oportunidades para o protagonismo.

"O Brasil é um país de pessoas inventivas e tem muitos grupos com conhecimentos diferentes, como os povos tradicionais, que podem produzir conhecimento em muitas áreas diferentes. Tudo isso pode ser melhor desenvolvido", defende Astrid Bant. "Isso sem falar na mão de obra e no cérebro das mulheres, um capital que não está sendo usado ao máximo, enquanto muitas delas fazem trabalhos simples que não pagam bem."

Professor de Macroeconomia e Finanças do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Claudio de Moraes defende mais esforços regulatórios do poder público para garantir a saúde do meio ambiente e o bem-estar da população. "A não intervenção gera um problema. Se você deixar as coisas correrem, a sociedade vai resolver a moradia, por exemplo, com a ocupação do espaço urbano ou rural de forma a atender o interesse individual e não o geral", explica. "Isso gera o desalinhamento entre o privado e o público."

Ele usa dois exemplos, entretanto, que contrastam entre o excesso e ausência de intervenção pública do meio ambiente. De um lado, segundo ele, o arquipélago de Fernando de Noronha, protegido com tamanho rigor que chega a prejudicar a produção dos pescadores locais. Do outro, o abandono de décadas sobre a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, que recai sobre a responsabilidade do Estado. "Quando você não alinha o interesse do meio ambiente e da sociedade, gera um problema econômico", observa.

Equilíbrio

São muitas as possibilidades de colapso do meio ambiente nas próximas décadas e, sim, o aumento populacional pode contribuir para isso, mesmo que a ONU ainda mantenha a projeção de que ele deve desacelerar no próximo século. Ainda assim, as chances de consertarmos esse problema antes que ele saia de controle também são amplas.

"No geral, acho que todo o mundo está em busca de encontrar o equilíbrio da população e do meio ambiente", afirma Astrid. "Por meio da inventividade e da ciência, nós vamos encontrar soluções."

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