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O exemplo peruano

A desaceleração da China e a queda nos preços das commodities não arrasaram necessariamente as economias de todos os países exportadores de produtos primários. Os impactos foram muito diferentes, de acordo com o nível de organização e as políticas adotadas em cada país. Enquanto o Brasil vive um colapso econômico, países vizinhos vão tocando a […]

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Da Redação

Publicado em 23 de abril de 2016 às 07h23.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h32.

A desaceleração da China e a queda nos preços das commodities não arrasaram necessariamente as economias de todos os países exportadores de produtos primários. Os impactos foram muito diferentes, de acordo com o nível de organização e as políticas adotadas em cada país. Enquanto o Brasil vive um colapso econômico, países vizinhos vão tocando a vida sem tantos traumas. O exemplo mais interessante na região em relação à organização recente de instituições políticas e econômicas é o Peru, que há uma década e meia se livrava do “autogolpista” Alberto Fujimori, em meio à humilhante exibição de gravações que desnudavam a corrupção desenfreada em todas as esferas do poder.

De lá para cá, o Peru passou por governos dos mais diversos matizes ideológicos, mas, um pouco como no Chile e na Colômbia, parece ter chegado a um consenso mínimo sobre o que funciona e o que definitivamente não vale mais a pena tentar. Em grande medida, o governo de Ollanta Humala, que agora termina, confirma essa aparente “blindagem” do capitalismo peruano. Vinculado ao delirante Hugo Chávez, como ele militar nacionalista de esquerda, o presidente peruano, no entanto, manteve em linhas gerais os pressupostos da economia de mercado — embora haja críticas, como se verá adiante. E os resultados são realmente animadores.

A economia peruana cresceu 3,3% no ano passado, enquanto em média a América do Sul encolheu 1,4% — arrastada, obviamente, pela recessão do gigante brasileiro, que perdeu 3,8% de seu PIB. Para este ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta um crescimento de 3,7% no Peru. Em fevereiro, a economia peruana cresceu 6%, superando até mesmo a previsão do Ministério da Economia e Finanças, que apostava em 5%. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Informação (Inei), esse arranque foi impulsionado pela produção e pela exportação de minérios, gás e petróleo e produtos agrícolas; pela recuperação na construção civil; pelo consumo doméstico; e pelos gastos governamentais.

Sucessivos governos têm sido capazes de transmitir confiança aos investidores, até mesmo no setor de mineração, tradicionalmente suscetível a pressões de comunidades locais, arroubos nacionalistas de políticos populistas e mudanças de regulação, além das oscilações naturais dos preços internacionais. A mineração deve atrair 41 bilhões de dólares de investimentos nos próximos cinco anos, segundo César Peñaranda, diretor executivo do Instituto de Economia e Desenvolvimento Empresarial da Câmara de Comércio de Lima. O montante se distribui entre 43 projetos: 23 para o cobre, cinco para o ouro, quatro para o ferro, outros quatro para o potássio, três para a prata, dois para o zinco, um para o estanho e o outro para o polimetálico.

“Apesar da queda nos preços das commodities, os projetos no Peru continuaram porque ele é muito eficiente na produção dos metais”, explica o economista brasileiro Marcello Estevão, chefe da Missão do FMI para o Peru. “Isso não aconteceu em outros países. A Colômbia vem cortando investimentos em petróleo. O Chile não tem nenhum projeto de expansão.” Em 2017, o Peru terá dobrado a produção de metais em relação a 2014, segundo prevê Estevão. Com exceção do Panamá, por causa do Canal, a economia peruana foi a que mais cresceu na América Latina nas últimas duas décadas, de acordo com o economista do FMI, impulsionada sobretudo pelas exportações de cobre e de pescado.

Políticas responsáveis 

A principal explicação para todo esse sucesso, na visão dele, é a execução de políticas monetárias e fiscais “muito responsáveis” desde o início do primeiro mandato de Fujimori, em 1990. O Peru também tem sua Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece que todo novo presidente tem de assumir com “um plano para as contas fiscais consistente com uma dinâmica da dívida estável”, analisa o economista. “O que os governos peruanos fizeram nos últimos 15 a 20 anos foi poupar muito da renda fiscal adicional do boom das commodities.” Hoje, a relação dívida/PIB bruta é de 23% e a líquida, ou seja, considerando os depósitos dos governos nacional e locais nos bancos, de apenas 7%. “Baixíssima”, afirma Estevão.

O país cresceu muito com a inflação baixa. “A meta de inflação segue os mais altos padrões internacionais”, continuou o economista, que falou pelo telefone de Washington, quando se preparava para mais uma missão de duas semanas no Peru. A média da inflação desde 2001 foi de 2,8%, quando o Chile, por exemplo, referência de economia organizada no subcontinente, registrou 3%.

Recentemente, a inflação sofreu alguma pressão por causa do choque de oferta provocado pelo El Niño, que afetou a produção de pescado e de batata, entre outros produtos. E também por causa da desvalorização do sol novo, numa economia ainda muito dolarizada, embora menos do que no passado: as transações baseadas na moeda americana caíram de 80%, em 2001, para 30% a 40%, estima Estevão. O Banco Central reagiu a essas pressões, subindo a taxa básica de juro de 3,25%, em setembro, para 4,25%, em quatro doses. A meta de inflação é mantida entre 1% e 3% — “extremamente ambiciosa para um país com esse nível de desenvolvimento”, diz Estevão. No ano passado, o índice atingiu 3,5%; para este ano, a projeção do FMI é de 3,1%.

O FMI revisou recentemente o PIB para cima, de 3,3% para 3,7% neste ano e de 3,6% para 4,1% em 2017, em vista do crescimento mais acelerado que o esperado no último trimestre do ano passado.

Em seu balanço de quatro anos e meio de governo, feito no fim de 2015, Humala disse que o crescimento econômico deve ser um objetivo tão prioritário quanto a redução da desigualdade, e que os programas sociais precisam não só prestar assistência mas também dar oportunidades para os mais pobres melhorarem de vida. Segundo ele, em quatro anos, a pobreza extrema no país diminuiu de 6,34% da população para 4,28%; e a desnutrição crônica de menores de 5 anos, de 19,5% em 2011 para 14,2% no ano passado. A população atendida pelo saneamento aumentou de 77% para 87% graças a investimentos de 2,8 bilhões de dólares. De fato, a distribuição de renda melhorou mais no Peru, embora tenha melhorado em todos os países da região, segundo Estevão.

Desaceleração 

O economista Carlos Adrianzén não se emociona com toda essa numeralha. “No Peru, não se pode acreditar no Instituto de Estatísticas”, adverte Adrianzén, professor da Universidade Peruana de Ciências Aplicadas. “Pode haver muitos indicadores superficiais mostrando que a coisa não foi tão mal, mas cifras neutras do Banco Mundial e a comparação com o governo de Alan García [antecessor de Humala, de 2006 a 2011] demonstram o contrário.” Adrianzén aponta a desaceleração, nos últimos dois anos, dos investimentos estrangeiros diretos (IEDs) [veja gráfico] e das exportações, que antes subiam de 8% a 9% ao ano e agora crescem 3%. “Se uma mesa tem duas pernas quebradas, não posso imaginar como se mantém de pé.”

Além disso, para ele a média anual de crescimento do PIB per capita era antes de 5,5% e com Humala não chega à metade. “Na economia, a inércia é implacável e, quando se deixa de crescer por cinco anos, é muito difícil voltar a crescer novamente”, argumenta Adrianzén, articulista do jornal El Comercio. “Esse é o legado de Humala para os dois candidatos à Presidência no segundo turno [dia 5 de junho].”

À ponderação de que a desaceleração da China e a queda nos preços das commodities podem tornar injusta a comparação com o período de Alan García, o economista responde com uma metáfora futebolística: “Quando se joga em campo com barro, isso afeta a performance, mas, quando não se é um Pelé, marcam-se gols contra. Humala teve uma balança comercial duas a três vezes melhor do que García na maior parte de seu mandato. Mas não aproveitou”.

Para o economista, Humala só não executou no Peru a estratégia de permanência no poder de Chávez porque não tinha maioria no Congresso para isso. Ele diz que seu governo foi marcado por toda sorte de “travas” à iniciativa privada, como intervenções no câmbio, elevação da carga tributária sobre a economia formal e a severidade na regulação. “Até para plantar uva agora precisa de estudo de impacto ambiental”, ironiza. “Se uma empresa pede licença de lavra de mineração, há grupos que se opõem. Mesmo depois de obtidas todas as autorizações, a polícia não defende a ordem pública”, descreve Adrianzén, referindo-se aos bloqueios impostos por camponeses às atividades das mineradoras.

Eleições em junho

A visão de Adrianzén não é a predominante entre os economistas peruanos, em parte porque as previsões pessimistas provocadas pela eleição de Humala, em 2011, não se concretizaram. “O Peru é um dos países que estão resistindo melhor aos choques internacionais de menor entrada de capitais e deterioração da balança comercial”, reconhece Elmer Cuba, ex-economista do Banco Mundial. “As políticas sociais têm estado mais bem focadas e sua cobertura tem aumentado. São um ativo do governo Humala.”

Entretanto, Cuba aponta alguns problemas. Embora houvesse alguma margem fiscal, os investimentos públicos diminuíram de 2014 para 2015, causando uma diminuição de 1% no crescimento do PIB. A receita tributária soma apenas 15% do PIB por causa da alta evasão e da informalidade. E caiu nos últimos dois anos, por diminuição dos lucros nas atividades de mineração e nas empresas em geral. Por fim, o novo sol (cotado atualmente em 3,24 dólares) não pode ser mais desvalorizado por causa da ainda alta dolarização do sistema financeiro.

Em qualquer caso, um pouco como no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o mérito de Humala tem sido dar continuidade às políticas econômicas anteriores. “As principais reformas se deram nos anos 90, apesar de que no final daquela década houve um governo que afetou as instituições”, recorda Cuba, diretor da empresa de consultoria Macroconsult.

Fujimori foi eleito presidente pela primeira vez em 1990. Em 1992, dissolveu o Congresso e o Judiciário e outorgou uma nova Constituição, que introduziu a reeleição. Continuou popular, por causa da estabilização econômica e do combate ao grupo terrorista Sendero Luminoso, e foi reeleito em 1995. A Constituição que ele mesmo aprovara não permitia uma segunda reeleição, mas ele aproveitou a maioria que tinha no Congresso para reinterpretá-la e considerar que seu primeiro mandato não contava por ter sido antes da nova lei. O mesmo truque de Chávez. Populismos de esquerda e de direita são muito parecidos.

Reeleito pela segunda vez em 2000, Fujimori não teve seu governo reconhecido internacionalmente, e as ruas de Lima foram tomadas por manifestantes exigindo sua saída. Seguiu-se o escândalo de corrupção exposto nas filmagens do chefe de inteligência, Vladimiro Montesinos, comprando apoio de oposicionistas e juízes. Fujimori acabou exilado e preso. Depois de cinco meses de governo interino, o economista Alejandro Toledo, que havia sido derrotado por Fujimori, elegeu-se presidente em abril de 2001, dando início ao ciclo de governos estáveis, de políticas econômicas responsáveis e de abertura comercial. “Agora, os desafios são a produtividade e a informalidade”, avalia Cuba.

Para o segundo turno da eleição presidencial, marcado para 5 de junho, passaram dois candidatos com propostas liberais: Keiko Fujimori, filha do ex-presidente, e Pedro Pablo Kuczynski, ex-economista do Banco Mundial e do FMI e ministro das Finanças de Toledo. Keiko largou na frente no primeiro turno, dia 10 de abril, com 40% dos votos, enquanto PKK, como é conhecido, obteve 21%.

O partido Força Popular, de Keiko, que liderava a oposição depois de ter sido derrotada por Humala em 2011, por apertados 51% a 49%, conquistou agora 68 das 130 cadeiras no Parlamento unicameral. Entretanto, isso pode pesar contra ela, porque os peruanos não gostam de dar excessivo poder a um presidente, ainda mais se tratando da filha de alguém que dissolveu os outros poderes. Keiko sofre de forte rejeição, porque se suspeita de que possa conceder indulto ao pai — o que ela descarta. É possível que os eleitores dos outros candidatos se aglutinem ao redor de PKK.

A candidata de esquerda moderada Verónika Mendoza, que propunha a revisão da regulação da exploração de minérios, ficou com 19% dos votos.

A responsabilidade fiscal e o ambiente favorável à livre iniciativa chegaram para ficar no Peru. O Brasil tem bastante que aprender com seu pequeno vizinho.

(Lourival Sant’Anna)

Abaixo, no gráfico, o pulso da economia peruana, com evolução recente do PIB e dos investimentos estrangeiros (os dados de 2016 e 2017 são previsões de mercado).

http://infogr.am/XLin6cd4ldaz1sQA

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