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Nunca antes neste país...se viu uma campanha tão cara

As estimativas sugerem que o gasto total com as eleições de presidente, governadores, senadores e deputados ultrapassará 2 bilhões de reais.

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

Abraçada ao presidente Lula sob uma chuva de confetes e ao som de um frevo que diz "depois do cara, a gente vota é na coroa", no dia 20 de fevereiro a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, sagrou-se candidata do governo à Presidência da República durante o encerramento do 4o congresso do PT. A lei eleitoral permite que até a largada oficial da campanha, no dia 6 de julho, eventos partidários como esse ocorram apenas em recintos fechados. Mas, na prática, a disputa pelos corações e mentes de 133 milhões de eleitores brasileiros nas eleições de outubro já vem sendo travada há bom tempo. Desde meados de 2009, de olho em pesquisas de opinião para consumo próprio, os partidos trabalham na escolha dos candidatos, na concepção da estratégia de campanha, na formação de alianças e na elaboração da mensagem ao eleitor.

Do lado do governo, de forma mais ostensiva, guiada por Lula num périplo de inaugurações de obras pelo país, Dilma tem cumprido uma agenda de candidata desde o fim de 2009. No congresso do PT - uma superprodução de 6,5 milhões de reais que contou até com um show de Jorge Benjor -, o presidente apresentou formalmente sua escolhida à militância do partido. E deu pistas claras de co mo a campanha petista, comandada pelo marqueteiro baiano João Santana, deve vender Dilma ao eleitor, humanizando sua imagem de tecnocrata durona com um apelo especial às mulheres e aos jovens. "Para conhecer a Dilma é preciso conviver, brigar e teimar com ela", disse Lula. De sua parte, Dilma encampou o discurso da continuidade. "Temos um extraordinário alicerce para construir o terceiro governo democrático e popular", disse ela. Em julho, quando a campanha estiver a pleno vapor, a máquina eleitoral brasileira, que movimenta de agências de viagens a gráficas, de publicitários a produtoras de rádio, TV e internet, deve ocupar dezenas de milhares de pessoas entre profissionais e voluntários.


Segundo os especialistas, a próxima eleição deve girar oficialmente pelo menos 2 bilhões de reais, incluindo na conta não apenas a campanha para presidente mas também para governador, senador e deputado, tornando - se a mais cara da história do país e a mais competitiva desde a redemocratização. Caso tal previsão se confirme, em 2010 serão gastos 500 milhões de reais a mais do que a soma de tudo o que os candidatos declararam ao Tribunal Superior Eleitoral na última eleição presidencial, de 2006. Desse montante, o Fundo Partidário, dinheiro público administrado pelo TSE, deve repassar aos partidos cerca de 160 milhões de reais.

Em termos de recursos privados, além de doações legais, é inegável que o próximo pleito - que também deve eleger 27 governadores, 513 deputados federais, 54 senadores e mais de 1 000 deputados estaduais - será irrigado por verbas ilegais do caixa dois, os já tradicionais recursos doados pelas empresas e não contabilizados por elas ou pelos partidos políticos.

"O caixa dois deve continuar existindo, mas a tendência é que ele seja mais restrito do que no passado, em razão de controles mais rígidos da Justiça Eleitoral e da onda de cassações e prisões de políticos", diz Gaudêncio Torquato, consultor de marketing político e professor da USP que estuda campanhas há 30 anos. A pedido de EXAME, Torquato calculou o preço da campanha para diversas candidaturas. Segundo ele, o pacote oficial de produtos e serviços eleitorais para cada um dos principais candidatos à Presidência - Dilma, do PT, e o governador paulista José Serra, virtual candidato do PSDB - não sai por menos de 160 milhões de reais. A conta inclui produção e gravação de rádio e TV, pesquisas eleitorais, panfletos, viagens, alimentação, assessoria de imprensa, advogados, comícios e a manutenção de comitês espalhados pelo país.


É considerada uma espécie de piso, pois estima apenas a contabilidade oficial. Já a campanha para o governo de São Paulo, a segunda mais cara do país, sairia por 95 milhões de reais. Eleger um senador paulista custaria 15 milhões de reais, enquanto um mineiro sairia por 12 milhões. "Esses valores dizem respeito a um cálculo médio", diz Torquato. "A maioria dos candidatos deve gastar menos que isso, enquanto candidatos mais fortes e com maior chance de vitória podem ultrapassar em muito esses montantes." É o caso, por exemplo, da campanha de Dilma, uma coligação que, além do PT, reúne o PMDB e os demais partidos da base aliada. "Estimamos o custo da campanha de Dilma em 200 milhões de reais", diz Paulo Ferreira, ex-tesoureiro do PT.

Tal cifra não inclui as vantagens do uso da máquina administrativa pelo governo. Até se desincompatibilizar do cargo, no fim de março, na condição de ministra, Dilma po de rá percorrer o país com as despesas pagas pelo Erário, obtendo visibilidade gratuita nos eventos aos quais comparece através da cobertura da imprensa. No passado, em sua reeleição, em 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso também se beneficiou da máquina. Vitaminada pela vinculação de seu nome ao de Lula, que conta com uma taxa de aprovação popular na casa dos 80%, a exposição de Dilma tem lhe garantido um belo salto eleitoral. Segundo a última pesquisa do Datafolha, publicada no final de fevereiro, Dilma já atingiu 28 pontos, enquanto José Serra continua na dianteira, com 32, num cenário em que o deputado Ciro Gomes, do PSB, tem 12 e a senadora Marina Silva, do PV, 8 pon tos. No segundo turno, Serra bateria Dilma por 45 contra 41 pontos.


"O desempenho de Dilma indica a capacidade de transferência de votos de Lula, o que, por sua vez, reflete a satisfação do eleitor com a economia do país", diz Márcia Cavallari, diretora executiva do Ibope Inteligência. "Mas o brasileiro tem revelado que suas maiores insatisfações são a insegurança, tanto nas grandes cidades como no interior, e as deficiências no sistema público de saúde." Além de cultivar a fama de bom administrador, é justamente no quesito saúde, em que Serra é bem avaliado pela população por seu currículo como ex-ministro da pasta e responsável pelos programas de combate à Aids e lançamento de remédios genéricos, que o tucano pretende seduzir o eleitor.

Recentemente o governador paulista se deixou fotografar entrando no mar de tênis, jeans e camiseta para promover um programa que oferece cadeiras de rodas a deficientes que queiram se banhar em praias paulistas. "Esse programa é mais um aspecto da grande batalha que estamos fazendo em São Paulo para dar às pessoas com deficiência melhores condições de vida e cidadania", disse um candidatíssimo Serra. Durante o Carnaval, o governador converteu- se em folião nas cidades de São Paulo, Recife e Salvador.

De agora em dian te, até deixar o governo, ele deve se dedicar a uma maratona de inaugurações de obras em seu estado. "Serra não tem pressa, pois é um político experiente no corpo a corpo com o eleitor e que também conta com um belo canal direto de comunicação com os jovens, o Twitter, em que tem 170 000 seguidores", diz Eduardo Graeff, membro da executiva nacional do PSDB. Se comparada à de outros países, a máquina eleitoral brasileira - um negócio complexo, tipicamente tupiniquim - revela-se mais cara e menos transparente. Em termos de custos, as eleições brasileiras são proporcionalmente mais caras até do que as americanas. Nos Estados Unidos, em 2008, o então candidato democrata Barack Obama gastou 740 milhões de dólares, o equivalente a 0,005% do PIB americano naquele ano. Em termos absolutos, foi a mais cara campanha da história.


Em 2006, a campanha de reeleição do presidente Lula declarou gastos de 168 milhões de reais, equivalentes a 0,007% do PIB brasileiro naquele ano - a cifra, convém lembrar, diz respeito às contribuições oficiais. Seu principal oponente, o tucano Geraldo Alckmin, não ficou muito atrás: declarou gastos oficiais de 160 milhões de reais, ou 0,0069% do PIB. O tamanho dos gastos de campanhas é sinal de fragilidade, e não de força, do processo eleitoral brasileiro. O recorde de 2 bilhões de reais investidos no processo não é capaz de fazer do país uma democracia mais forte. Tal custo, na verdade, é reflexo direto de um sistema eleitoral barroco, antiquado e profundamente ineficiente, que dispara balas de canhão para atingir mosquitos.

"Em países com sistemas democráticos historicamente mais sólidos, como Estados Unidos, França e Reino Unido, a decisão do eleitor em quem votar é menos dependente da publicidade eleitoral", diz o cientista político David Samuels, da Universidade de Minnesota. "Em grande parte, isso acontece porque no Brasil a propaganda partidária é uma fonte primordial de informação para o eleitor." Segundo Samuels, nas democracias mais avançadas, a maioria dos elei tores se abastece diariamente de informações sobre os candidatos e as plataformas pela imprensa. Já no Brasil, até pouco antes dos pleitos, grande parte dos eleitores apresenta alto grau de desconhecimento sobre em quem votar.

É aí que, nas vésperas das eleições, o horário eleitoral gratuito entra em cena como um esforço brutal e apressado de ganhar o eleitor. "O sistema eleitoral brasileiro tem duas mazelas que resultam numa combinação única: a lista aberta para as candidaturas de deputados e senadores e o formato do programa eleitoral gratuito", diz o consultor político Antonio Lavareda, autor do livro Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais. "Esses dois fatores tornam as campanhas caras e distantes do eleitor." Segundo Lavareda, o problema da lista aberta está na pulverização das candidaturas, permitindo o lançamento de milhares de candidatos, a maioria pouco ou nada comprometida com o eleitorado. A solução seria o voto distrital, com um número menor de candidatos, cujo desempenho seria aferido mais de perto pelo eleitor.


É aí que, nas vésperas das eleições, o horário eleitoral gratuito entra em cena como um esforço brutal e apressado de ganhar o eleitor. "O SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO tem duas mazelas que resultam numa combinação única: a lista aberta para as candidaturas de deputados e senadores e o formato do programa eleitoral gratuito", diz o consultor político Antonio Lavareda, autor do livro Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais. "Esses dois fatores tornam as campanhas caras e distantes do eleitor." Segundo Lavareda, o problema da lista aberta está na pulverização das candidaturas, permitindo o lançamento de milhares de candidatos, a maioria pouco ou nada comprometida com o eleitorado. A solução seria o voto distrital, com um número menor de candidatos, cujo desempenho seria aferido mais de perto pelo eleitor.

Cada candidato a deputado, por exemplo, teria de lutar pelos votos de seu distrito - que pode ser um bairro de uma grande cidade. Hoje, ele precisa batalhar pelos votos em todo o seu estado. Já a questão do horário eleitoral, cuja audiência decresce a cada eleição, poderia ser equacionada com o fim dos dois blocos de 25 minutos diários no rádio e na TV, através da diluição dos anúncios, de menor duração ao longo do dia, como acontece nos Estados Unidos, na França e na Inglaterra.

"Se os grandes blocos do horário eleitoral fossem abolidos, os custos da campanha poderiam ser reduzidos até 40%", diz Lavareda. Ele também sugere que o tempo do horário nobre dedicado à programação eleitoral seja usado em debates promovidos pelas emissoras. Desse modo, em vez da propaganda, o eleitor seria exposto a um confronto de ideias entre candidatos de carne e osso. A internet, em tese, é um instrumento poderoso e mais democrático de disseminação das propostas eleitorais. Entretanto, a maioria dos especialistas acredita que, no próximo pleito, a web ainda terá pouca influência na arregimentação da militância ou na arrecadação de fundos de grande parte do eleitorado, que ainda não dispõe de computador com banda larga.


"Mesmo que a maioria dos eleitores já tivesse acesso à conexão de alta velocidade, ainda assim o brasileiro não tem a tradição de fazer pequenas doações individuais de 50, 100 ou 500 reais", diz Samuels. "Nos Estados Unidos, Obama captou mais de 500 milhões de dólares em pequenas doações de 3 milhões de eleitores.

No Brasil, algumas dezenas de empresas e uns poucos indivíduos são os responsáveis por grande parte da arrecadação. Do ponto de vista da legislação, o TSE já permite as doações online e estuda com as empresas de cartões de crédito formas de tornar mais ágil o processamento do dinheiro doado. Hoje, o prazo médio para que a doação caia na conta dos candidatos ou partidos é de 45 dias.

"Essa questão precisa ser resolvida com urgência", diz o deputado Fernando Gabeira, do PV carioca e candidato ao governo do Rio de Janeiro. Com uma campanha orçada em 20 milhões de reais, Gabeira tem como meta obter 5 milhões em contribuições individuais. Em 2008, na eleição para prefeito do Rio, em que chegou ao segundo turno, sua campanha contou com 10 000 voluntários, arregimentados em redes sociais, como o Orkut, o Twitter e o Facebook. Segundo Gabeira, a propagação da internet como ferramenta eleitoral é só questão de tempo. "Quando começar a funcionar de fato no Brasil, a arrecadação online será a prova de que a legítima persuasão do eleitor pode enfrentar o poder econômico e o caixa dois."

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