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Na China de Xi Jinping, a alienação é gloriosa

Enquanto o presidente Xi Jinping manobra para se perpetuar no poder, uma importante parcela da população ignora a agenda política

Camponeses: “Não ligo para política”, dizem Yan Hunguan e Kan Tzanfei

Camponeses: “Não ligo para política”, dizem Yan Hunguan e Kan Tzanfei

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Da Redação

Publicado em 16 de abril de 2018 às 11h45.

Última atualização em 16 de abril de 2018 às 12h07.

Lijiang, China — Nos últimos meses, duas notícias vindas da China causaram imenso furor na imprensa mundial: a inscrição, na Constituição, do nome do presidente Xi Jinping e de seu “socialismo com características chinesas em uma nova era” e a eliminação dos limites para os mandatos presidenciais. Os chineses comuns não ficaram sabendo. E uma parte deles não se importa.

“Não ligo para política”, responde com um sorriso o agricultor Yan Hunguan, à pergunta sobre se acompanhou o congresso do Partido Comunista Chinês, em outubro, quando a primeira decisão foi tomada, e a reunião do Comitê Central, em janeiro, da qual teria saído a segunda, de acordo com anúncio feito um mês depois.

Yan diz que se informa pelo canal estatal CCTV, mas presta mais atenção nos programas dedicados à minoria yi, à qual pertence, que soma apenas 2 milhões de pessoas. “Nesses programas falam das medidas tomadas pelo governo para ajudar o povo yi”, explica o agricultor.

E elas não são desprezíveis. Pelo fato de pertencer a essa minoria, Yan e sua família recebem 600 yuans (327 reais) por mês. Por morar na montanha, e para proteger o seu meio ambiente, o governo lhes paga outros 120 yuans (65 reais) mensais. Para ajudar na educação de seus dois filhos menores, de 5 anos e de 1 ano e meio, são mais 100 yuans (55 reais) por mês.

Pelo plano de saúde público, a família, composta do casal e três filhos (os dois menores mais uma moça de 18 anos), paga apenas 180 yuans (98 reais) por ano. O plano dá direito a consultas e exames gratuitos. Só no caso de procedimentos mais caros é que o beneficiado tem de desembolsar entre 10% e 20% do custo total.

Os moradores das montanhas contam também com uma ajuda do governo de 60.000 yuans (32.700 reais para construir uma casa) e de 20.000 yuans (10.909 reais) para reformar.

Yan reconhece que a vida “está um pouco melhor que antes”, graças a todos esses programas. Ele faz apenas uma queixa, comum entre os chineses: o custo da educação dos filhos. Em seu caso, ele paga apenas a escola da filha mais velha, que está no ensino médio: 1.800 yuans (982 reais) por semestre. Na China, apenas os nove anos do ensino fundamental são obrigatórios e portanto gratuitos.

Entretanto, pais que optam por colocar seus filhos em escolas particulares já no ensino fundamental, por considerar que a qualidade é melhor do que na rede pública, também pagam uma mensalidade na faixa de 300 yuans (163 reais).

O governo também dá subsídios aos produtores rurais. Mesmo com toda essa ajuda, Yan e sua mulher, Kan Tzanfei, ambos de 45 anos, dão duro. Além de plantar batata e trigo mourisco, criar yakis (animais montanhosos que dão lã, carne, banha e leite) e cabras na montanha, na zona rural da província de Yunnan, no sudoeste da China, ele tem uma distribuidora de milho no povoado de Baisha, perto

da cidade de Lijiang, e ainda trabalha como pedreiro. Por todo esse trabalho, tira cerca de 3.000 yuans (1.636 reais) por mês.

“Isso não saiu aqui”

Não são só os moradores da zona rural que estão pouco informados sobre os passos do regime em Pequim. “Estou chocado”, reagiu Wu Shijun, professor de história em Lijiang, cidade de 1,3 milhão de habitantes, quando o repórter de EXAME lhe falou sobre a mudança constitucional que pôs fim ao limite de mandatos para o presidente.“Isso não saiu aqui.”

Wu critica a linha nacionalista de Xi: “Acho a doutrina dele arbitrária, muito conservadora. Devemos nos abrir para o mundo, aprender com os outros países”.

O professor considera que, a partir de Deng Xiaoping, que sucedeu o líder Mao Tsé-tung em 1978, passou a haver “mais democracia”. Foi Deng quem introduziu o limite de dois mandatos de cinco anos para os presidentes. “As pessoas podem dizer o que pensam”, afirma Wu. “A vida dos chineses está melhorando. Enquanto for assim, as pessoas não vão se importar com quem é que está no poder, qual é o sistema, etc.”

Essa é uma frase ouvida pelo repórter de EXAME desde suas primeiras reportagens na China, em 2004. Naquela época, a economia chinesa crescia dois dígitos ao ano. Esse crescimento arrefeceu nesta década, estacionando atualmente pouco abaixo dos 7%. Mesmo assim, os chineses, sobretudo a grande massa dos mais pobres, sentem que a vida está melhorando.

É difícil culpá-los por sua alienação: a decisão sobre os mandatos ilimitados foi anunciada no dia 25 de fevereiro como se tivesse sido tomada pelo Comitê Central, cuja última reunião fora no dia 26 de janeiro. O Comitê tem mais de 200 membros. Como uma decisão tão importante, num colegiado tão grande, poderia ter se mantido em segredo por um mês?

Tudo indica que o núcleo duro do poder ao redor de Xi, com menos de dez pessoas, tomou a decisão e simplesmente a enfiou goela abaixo do Comitê. Esse tipo de notícia sai de forma cifrada nos sonolentos jornais oficiais, que só os burocratas (e os jornalistas) lêem.

Não que essas decisões não tenham um enorme significado: é a primeira vez, desde Mao, que o nome de um líder é inscrito na Constituição; e também a primeira, desde Mao e de Deng, que isso ocorre com uma doutrina. A de Deng poderia ser resumida com uma frase de fácil entendimento: “Enriquecer é glorioso”. A de Xi ninguém se atreve a perguntar o que significa exatamente.

O nacionalismo criticado por Wu e por outros intelectuais chineses tem impacto econômico negativo em cidades como Lijiang, que vive do turismo. Nos anos 90, a cidade era abarrotada de turistas japoneses. Eles consideravam que seus ancestrais vinham dessa região.

Um dos indícios é que a língua naxi, falada por uma parte da população local, também coloca o objeto antes do verbo, como o japonês.

Os naxis vieram do norte, expulsos pela maioria han, e se instalaram no sudoeste da China há cerca de mil anos. Hoje, eles são apenas 320.000, dos quais 300.000 vivem em Yunnan e os outros 20.000 na província vizinha de Sichuan.

Os japoneses também eram atraídos pelo massutaki, o cogumelo branco típico da região, e pela casca de uma árvore chamada taxol, que se acredita que tenha o poder de curar o câncer. Em troca da hospitalidade, o Japão doou mudas de cerejeiras e banheiros públicos para Lijiang. Eles pararam de vir, no entanto, quando a China começou a disputar com o Japão a posse do arquipélago de Senkaku, que os chineses chamam de Diaoyu, a partir deste século.

Turismo interno

A região só não sentiu tanto porque os turistas japoneses foram substituídos pelos próprios chineses, principalmente os de Pequim, Xangai e Cantão — os mais endinheirados do país. O crescente mercado interno chinês tem tomado o lugar do externo, e Lijiang é um microcosmo disso.

As lojas vendem artesanato, enriquecido pela variedade cultural da província: das 54 etnias da China, 26 estão representadas pelos 46 milhões de habitantes de Yunnan, incluindo tibetanos. As estreitas ruas da cidade antiga estão repletas de pousadas, cafés e lojas, com uma arquitetura preservada e charmosa.

Mas a cidade atrai turistas principalmente graças a uma lenda segundo a qual o amor entre os naxis tradicionalmente era livre, até que os hans chegaram à região no século 7.º, na Dinastia Tang. Os hans introduziram as diferenças de classes e, com elas, os casamentos arranjados. Os jovens continuaram podendo namorar quem quisessem, mas só podiam se casar com o par escolhido pelos pais.

Quando esse par não era quem eles amavam, iam para a Montanha de Neve do Dragão de Jade e se suicidavam, atirando-se do alto. Eles acreditavam que a montanha era o paraíso, forrado de flores, onde a água se transformava em leite, e que ali viveriam com seu amado ou amada para sempre.

Ao pé da montanha é encenado um espetáculo magnífico, com 500 artistas, chamado Impressões de Lijiang, que conta essa história. Criado por Zhang Yimou, o mesmo que dirigiu a abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, é apresentado todos os dias, num anfiteatro ao ar livre construído há 11 anos, sempre lotado.

Toda essa mística atrai os jovens chineses, que vêm procurar o seu par em Lijiang, e lotam as discotecas e bares de sua bela cidade antiga, tombada pela Unesco. Enquanto paqueram, enchem a cara, cantam e dançam música pop chinesa como se não houvesse amanhã.

Noivos também vêm fazer as fotos de seu álbum de casamento tendo a montanha como fundo, e recém-casados vêm passar a lua-de-mel.

Como se vê, os chineses têm coisas mais importantes para se ocupar do que as manobras de Xi Jinping para se perpetuar no poder.

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