Mordaça e algemas para a imprensa estrangeira no Egito
A imprensa estrangeira se tornou inimiga para muitos egípcios e uma inquilina incômoda para as autoridades
Da Redação
Publicado em 21 de novembro de 2014 às 16h51.
Cairo - A imprensa estrangeira se tornou a "inimiga" para muitos egípcios e uma inquilina incômoda para as autoridades, situação que causa algumas dores de cabeça para os correspondentes que ainda insistem em permanecer na linha de frente do que ocorre no país.
"Existe sim xenofobia contra a imprensa estrangeira", resumiu em entrevista à Agência Efe Mustafa Shaath membro da "Association for Freedom of Thoughts and Expression" (AFTE) (ou Associação para a Liberdade de Pensamento e Expressão), que acaba de publicar um relatório sobre os abusos sofridos pelos correspondentes no Egito desde que explodiu a Primavera Árabe.
A organização documentou 184 casos de ataques a jornalistas estrangeiros de janeiro de 2011 a outubro de 2014, nos quais os correspondentes foram vítimas de uma "mensagem de ódio e inimizade" que permearam a sociedade durante esse período.
Surras, prisões, violência sexual (de assédio a estupro) e retenção ou roubo de material são alguns dos tipos de violência que os jornalistas sofreram no Egito.
Patrick Kingsley, do jornal britânico "The Guardian", foi preso pelo menos seis vezes por períodos que variavam de 15 minutos a várias horas e sofre constantes complicações nas ruas.
"A pior experiência que lembro foi quando dois "baltaguiya" (pistoleiros) me prenderam e me levaram para a delegacia onde fiquei detido várias horas", relatou à Efe o jornalista que já está há dois anos no Egito.
Ele também recorda que foi perseguido pela segurança do Estado, que é constantemente criticado nos canais públicos e privados de TV, e que foi ameaçado de morte em várias ocasiões.
São muitos os repórteres estrangeiros que foram agredidos, ameaçados ou que tiveram que passar por vários obstáculos para realizar seu trabalho no país desde 2011. Entre eles estão dois jornalistas da Agência Efe que foram atacados fisicamente quando cobriam uma celebração em janeiro deste ano.
Os correspondentes foram proibidos de gravar em algumas regiões por supostos motivos de segurança. Entre as áreas restritas estavam locais próximos a instalações estatais ou militares e lugares arqueológicos, como as pirâmides.
Os que tentam driblar a proibição "tem a câmera recolhida e, em seguida, são presos", denunciou Sara Al-Masri, pesquisadora da AFTE. Além disso, há três meses, o Ministério do Interior exige uma permissão especial para gravar nas ruas que deve ser renovada mensalmente.
Para Sara, as autorizações "não são um simples trâmite, mas uma expressão clara da mentalidade do Estado de controlar o direito de trabalho dos jornalistas", e cujo objetivo é "complicar mais o acesso à informação".
"A situação da imprensa estrangeira no Egito é a pior dos últimos 70 anos", declarou Shaath.
Tanto Sara quanto Shaath destacam a falta de cooperação das instituições estatais para "minimizar a xenofobia social" contra os jornalistas, e advertem que, além disso, cometem "uma clara violação" das promessas constitucionais do atual governo.
Shaath ressaltou que os meios de comunicação nacionais têm "grande parte de culpa" na difusão da mensagem de ódio contra a imprensa tanto ocidental quanto árabe. Ele lamentou especialmente a existência de "uma fobia da câmera estrangeira".
Estes ataques "vão aumentando e estão se transformando em algo quase habitual que ninguém denuncia mais", advertiu Sara.
O caso mais polêmico no Egito foi o recente julgamento da "célula do Marriott", como era conhecida a equipe do canal catariano "Al Jazeera", que contava com o australiano Peter Greste.
Greste e outros dois jornalistas foram condenados em junho deste ano a ficar de sete a dez anos na prisão "por divulgar notícias falsas" e colaborar com a organização Irmandade Muçulmana, declarada terrorista pelas autoridades egípcias.
"Esse processo gerou medo em muitos correspondentes estrangeiros", contou Shaath.
"Qualquer coisa que se escreva pode ser facilmente percebida como subversiva, mas a ameaça direta do governo é muito menor agora porque quer evitar que se repita a rejeição internacional que provocou o caso da "Al Jazeera"", analisou Kingsley.
No entanto, ele considera que "a ameaça do público é muito maior" e por isso, agora ele tem mais cuidado ao falar com pessoas ou ao pegar a câmera fotográfica na rua.
- 94% dos casos de assassinato ficaram impunes
- 16% dos assassinatos partiu, acredita-se, de forças do governo
- 44% dos profissionais eram de meios online, 37% eram de TV e 20% de meios impressos
- 44% foram assassinados, enquanto 36% estavam no meio de um combate ou fogo cruzado e 20% estavam em uma situação de risco