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Lula termina embalado por políticas sociais, economia e carisma

Políticas sociais despontam como o grande combustível para a aprovação recorde de Luiz Inácio Lula da Silva

Redução da desigualdade foi marca da gestão Lula (Renato Araújo/AGÊNCIA BRASIL)

Redução da desigualdade foi marca da gestão Lula (Renato Araújo/AGÊNCIA BRASIL)

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Da Redação

Publicado em 30 de dezembro de 2010 às 19h51.

Brasília - Luiz Inácio Lula da Silva deixa o comando do Brasil como o presidente mais bem avaliado da história. As políticas sociais despontam como o grande combustível para a aprovação recorde, mas a fala simples do petista e o contato direto constante com o público também ajudaram para manter a maioria da população ao seu lado.

Nas contas oficiais, sob Lula, cerca de 36 milhões de brasileiros ingressaram na classe média. Ao mesmo tempo, mais de 28 milhões de pessoas deixaram a pobreza extrema, beneficiadas pelas políticas sociais do governo, em especial pelo programa Bolsa Família.

Em oito anos, as políticas sociais e os impulsos econômicos e fiscais dados à produção geraram mais de 14 milhões de empregos formais. Embalados, os brasileiros aumentaram seu apetite por crédito e o setor financeiro registrou recordes seguidos de aumento nos financiamentos.

Beneficiada, na maior parte do tempo, por um cenário externo favorável, a economia brasileira cresceu numa média anual de cerca de 4 por cento. Mesmo quando a crise global chegou, o Brasil foi melhor que a maioria dos países.

Mas não foram oito anos tranquilos. Apesar de ter se saído bem diante da tempestade financeira mundial, o país viu nos últimos tempos um crescimento preocupante nos gastos públicos e sinais de alerta tanto na inflação como nas contas externas.

No front político, logo no início Lula enfrentou o descontentamento de amplos setores de sua base eleitoral: as centrais sindicais criticaram o aumento irrisório do salário mínimo em 2003 e o funcionalismo ficou insatisfeito com as mudanças no regime previdenciário.

Além disso, o ex-metalúrgico e sindicalista teve que enfrentar a desconfiança e o receio em relação ao que seria seu governo logo que assumiu. Em tom de desabafo, a poucos dias de deixar o cargo, disse que teve que provar ser capaz de governar igual ou melhor do que todos os outros que passaram pela Presidência.

"Nenhum presidente da República teve que provar qualquer coisa neste país, e eu sabia que eu tinha que provar a cada dia", afirmou.

O marco negativo definitivo veio pouco mais de dois anos depois de assumir, quando Lula correu o risco de enfrentar um processo de impeachment. O então deputado federal e presidente do PTB, Roberto Jefferson, acusou o PT de operar um esquema de pagamentos ilegais pelo governo para parlamentares da base aliada em troca de apoio em votações no Congresso.

Jefferson acusou o então poderoso ministro da Casa Civil, José Dirceu, de chefiar o esquema, que seria operado pelo publicitário Marcos Valério. Lula manteve Dirceu o quanto pôde, mas o ministro acabou caindo. Meses depois, na Câmara dos Deputados, teria seu mandato cassado devido ao escândalo.

Para seu lugar na Casa Civil, Lula colocou a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, que começaria o caminho que a levaria à Presidência da República.

O mensalão, como ficou conhecido o esquema denunciado por Jefferson, não foi o único escândalo do governo Lula, mas nenhum outro causou tanto estrago. A tal ponto que o presidente teve dúvidas se deveria disputar e reeleição.

Depois de chegar à conclusão que tinha mais chances de vitória do que de derrota, se lançou em busca do segundo mandato, que foi assegurado apenas num segundo turno contra o tucano Geraldo Alckmin.

Sem reformas

Como seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, Lula também tentou realizar uma reforma tributária, mas não obteve sucesso.

O sistema complexo de arrecadação e a sobreposição de impostos continuam a atormentar os empresários e, apesar de ter buscado acordo com os governadores por duas vezes, Lula jamais chegou perto de aprovar uma reforma completa. As mudanças se resumiram a medidas pontuais levadas adiante pela equipe econômica.


A reforma trabalhista, cogitada em alguns momentos, foi deixada de lado devido aos riscos políticos embutidos.

Mesmo sem esses avanços estruturantes, o ambiente econômico melhorou no país. O Brasil recebeu nos últimos anos uma quantidade recorde de investimentos externos e mais de uma centena de empresas brasileiras abriram seu capital para captar recursos na Bolsa de Valores.

Apesar dos avanços sociais e do crescimento da economia, Lula não conseguiu avanços no atendimento público de saúde e os brasileiros continuaram a enfrentar filas para fazer consultas, exames e cirurgias.

A perda no final de 2007 dos recursos provenientes da CPMF, que arrecadava cerca de 40 bilhões de reais ao ano e parte era destinada a financiar o Sistema Único de Saúde (SUS), acabou sendo usada como desculpa várias vezes para justificar esse quadro.

Na educação, houve mais recursos com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb. E o Ministério da Educação criou o Programa Universidade para Todos (Prouni), que permitiu o ingresso de pouco mais de 700 mil jovens em universidades privadas por meio de bolsas de estudo.

As avaliações feitas dos ensinos básico, médio e superior, no entanto, mostram que ainda existe um longo caminho a ser percorrido para se atingir o patamar de outros países emergentes.

Jogo internacional

Sob a batuta do presidente Lula e do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e beneficiado pelo bom momento econômico, o Brasil ganhou peso no cenário internacional.

Priorizou as chamadas relações Sul-Sul, aproximando-se mais dos países emergentes e dos parceiros regionais, e buscou uma atuação mais efetiva junto a países mais pobres, especialmente na África. E atuou sem timidez nos fóruns internacionais, como o G20, das maiores economias do mundo.

Além de uma maior aproximação com os demais países do chamado Bric --China, Índia e Rússia--, o país teve papel-chave nos acordos comerciais internacionais envolvendo o Mercosul.

O Brasil procurou também mediar conflitos regionais, ainda que nem sempre com sucesso, como no caso do então presidente hondurenho, Manuel Zelaya, derrubado por um golpe e que não foi reconduzido ao cargo. E foi o principal incentivador da criação da União Sul-Americana de Nações (Unasul).

Mas a atuação externa do governo também foi alvo de críticas, especialmente quando se uniu à Turquia para mediar um acordo internacional para que o Irã aceitasse discutir o seu programa nuclear.

"Em alguns momentos a diplomacia ativista do Itamaraty fez algumas apostas erradas e deu alguns passos em falso", avaliou o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Carlos Lessa.

"Foi o caso da negociação com o Irã, que o Brasil poderia ter ponderado mais antes de entrar ou ainda o empenho excessivo por um lugar no Conselho de Segurança da ONU, sem saber quais eram as condicionantes disso", acrescentou. O Brasil defende a ampliação do Conselho de Segurança da ONU e reivindica um assento permanente.

CARISMA

As críticas externas ou internas, as dificuldades na saúde e na educação e a falta de reformas econômicas, entre outros problemas, não impediram que a avaliação de Lula e de sua gestão estivesse sempre em níveis bastante elevados, chegando ao final a patamar recorde acima de 80 por cento de aprovação.

A melhora de vida de milhões de pessoas e o crescimento da economia explicam parte disso. Mas muito também se deve ao carisma de Lula e ao seu jeito de falar ao público em geral, usando uma linguagem direta, sem um português perfeito, fazendo metáforas futebolísticas ou ainda empregando termos que muitos chefes de Estado podem considerar chulos.

Lula imprimiu na Presidência e aos costumes do Estado uma forte marca pessoal, que demorará para ser apagada.

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