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Las Vegas: um massacre "born in the USA"

Massacre em Las Vegas reacende a discussão sobre a facilidade com que os americanos compram armas legalmente – e sobre o lobby dos fabricantes

Ataque em Las Vegas: público presente em festival de música corre em busca de abrigo após o início dos tiros / (David Becker/Getty Images)
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EXAME Hoje

Publicado em 2 de outubro de 2017 às 18h19.

Última atualização em 2 de outubro de 2017 às 18h19.

Stephen Paddock, um contador aposentado e apostador profissional de 68 anos, abriu fogo do 32º andar de um hotel em Las Vegas na noite deste domingo contra uma multidão que assistia a um show de música country, matando 58 pessoas e ferindo mais de 500. O maior massacre da história moderna dos Estados Unidos reacende a discussão sobre a facilidade com que os americanos compram armas legalmente, defendida pelo presidente Donald Trump, que recebeu durante a campanha o apoio da National Rifle Association (NRF), o lobby da indústria de armas.

Em suas primeiras reações ao episódio, Trump procurou ficar longe da polêmica. Na manhã desta segunda-feira, ele tuitou: “Minhas mais calorosas condolências e solidariedade para as vítimas e famílias do terrível ataque a tiros de Las Vegas. Deus abençoe vocês!”

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Mais tarde, em um pronunciamento à nação, o presidente declarou: “Nossa união não pode ser estilhaçada pelo mal, nossos elos não podem ser rompidos pela violência”.

Lendo em um teleprompter, Trump classificou o ataque de “puro ato de maldade”. Sem entrar em detalhes sobre as motivações do assassino, ele acrescentou: “Rezamos pelo dia em que o mal seja banido, e os inocentes estejam a salvo do ódio e do medo”.

Em dezembro de 2015, quando disputava a nomeação do Partido Republicano para se candidatar a presidente, Trump aproveitou o ataque terrorista em San Bernardino, Califórnia, quando 14 pessoas foram mortas por um descendente de paquistaneses e uma paquistanesa, para propor pela primeira vez a proibição da entrada de imigrantes muçulmanos.

No ano seguinte, em junho, semanas antes da convenção republicana que ratificaria seu nome, o massacre de 49 pessoas em uma boate gay em Orlando, na Flórida, por um filho de afegãos, levou Trump a acusar a pré-candidata democrata Hillary Clinton de ter a intenção de aumentar drasticamente a entrada de imigrantes do Oriente Médio.

Paddock, um americano branco sem relação com imigrantes nem com religião, não se encaixa nos alvos de Trump. O episódio é a repetição dos massacres periódicos executados nos Estados Unidos por razões puramente psicológicas, como o que ocorreu na Escola Primária Sandy Hook, em Newtown, Connecticut, em 2012, quando um americano de 20 anos matou 20 crianças e seis adultos.

O então presidente Barack Obama chorou ao reagir ao episódio, e pediu mudanças nas leis de controle de armas: “Não podemos mais tolerar isso. Essas tragédias precisam acabar. E para pôr fim nelas, precisamos mudar. Ouviremos que as causas dessa violência são complexas, e é verdade. Nenhuma lei ou conjunto de leis pode eliminar a maldade do mundo, ou evitar todo ato de violência sem sentido em nossa sociedade. Mas isso não pode ser desculpa para a inação. Com certeza, podemos fazer melhor que isso”.

Trump na época já pensava em se lançar a presidente, mas não estava efetivamente em campanha. Embora fosse um crítico do presidente, tendo lançado em 2011 o rumor de que ele não nascera nos EUA, Trump apoiou a posição de Obama, tuitando: “O presidente Obama falou por mim e por todo americano em suas declarações em Newtown, Connecticut”.

Antes disso, em 2000, em seu livro The America We Deserve (A América que merecemos), Trump havia defendido a proibição da venda de armas de assalto, como fuzis e metralhadoras, e a ampliação do prazo entre o pedido e a aprovação da compra de uma arma. Ele criticava os republicanos por cederem ao lobby da NRA. Entretanto, ao receber no ano passado o apoio da associação, que patrocinou comerciais a favor de sua eleição, Trump abraçou a causa da liberdade na comercialização de armas.

Hillary, por sua vez, associou o massacre de domingo a essa liberdade, tuitando nesta segunda-feira: “Nosso luto não é suficiente. Nós podemos e devemos colocar a política de lado, enfrentar a NRA e trabalhar juntos para tentar evitar que isso aconteça novamente. A multidão (em Las Vegas) fugiu ao som dos disparos. Imagine as mortes se o atirador tivesse um silenciador, que a NRA quer tornar mais fácil de adquirir”.

Ecos do século 18

A liberdade de compra de armas é protegida pela Constituição dos EUA, que entrou em vigor em 1789 e prevê que os americanos possam se juntar e formar milícias para se defenderem do Estado, se necessário. O tema divide os americanos. Segundo pesquisa do Instituto Gallup de outubro de 2015, 55% dos americanos apoiavam maiores restrições na venda de armas, enquanto 10% eram a favor de afrouxá-las e 34%, de mantê-las como estavam.

Embora o Estado Islâmico tenha reivindicado o atentado, Paddock não tinha relação com nenhum grupo e levava uma vida normal. Depois de se aposentar como contador, passara a se dedicar a apostar grandes somas em jogos de azar. Seu irmão Eric contou ao jornal The Washington Post que ele apostava centenas de dólares em uma jogada de vídeo-pôquer, e uma vez lhe mandou uma mensagem de texto contando que tinha ganhado 250.000 dólares. Ele entregou ao FBI o conteúdo das mensagens enviadas pelo irmão ao longo de três anos.

O pai deles foi assaltante de bancos, e chegou a figurar na lista dos dez mais procurados do FBI. Eric contou que o pai não se dedicou muito a ele nem ao irmão. Mas não tinha nenhuma informação sobre problemas mentais, abuso de álcool ou de drogas por parte de seu irmão. “Ele é só um cara que jogava vídeo-pôquer, fazia cruzeiros e comia burritos na Taco Bell”, resumiu Eric.

Ele sabia que o irmão tinha um par de pistolas mas se disse chocado com o fato de ele ter usado armas automáticas em Las Vegas. Eric acrescentou que o irmão não caçava, não disparava suas armas com frequência, e uma vez levou seus filhos para brincar de tiro ao alvo, num passeio pago por um cassino. A polícia encontrou 10 fuzis no quarto de hotel em que Paddock estava hospedado, e de onde fez os disparos antes de se suicidar.

Ele morava em Reno, Nevada, com a namorada, Marilou Danley, de 62 anos, mas a polícia concluiu que ela não tem envolvimento com o massacre. A história de Paddock é emblemática do quanto as armas de grande poder de fogo fazem parte da vida dos americanos. Segundo pesquisa de 2013 do Pew Research Center, 42% dos americanos vivem em uma casa em que há armas. E 48% dos donos de armas disseram que a razão era proteção; 32%, caça; 7%, esporte; 2%, pelo direito constitucional, e outros 2%, coleção e hobby.

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