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Japão sob pressão para decretar emergência contra o coronavírus

Número de novos casos em um único dia bate recorde no Japão, mas país ainda tem menos da metade de mortes por covid-19 registradas na cidade de São Paulo

Shinzo Abe: ontem, o Japão registrou o maior número de novos casos de covid-19 em um único dia (277 pessoas)  (Toru Hanai/Reuters)

Shinzo Abe: ontem, o Japão registrou o maior número de novos casos de covid-19 em um único dia (277 pessoas) (Toru Hanai/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 3 de abril de 2020 às 06h35.

Última atualização em 3 de abril de 2020 às 07h04.

O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, vem enfrentando crescente pressão dos governadores das províncias para que declare estado de emergência no país. A medida ampliaria o poder do Estado na luta contra a pandemia do novo coronavírus – permitiria, por exemplo, impor restrições mais rígidas à circulação de pessoas e desapropriar terrenos privados para a construção de centros médicos de emergência.

Ontem, o Japão registrou o maior número de novos casos de covid-19 em um único dia (277 pessoas). Desse total, 97 são moradores de Tóquio – também um número recorde desde o início da pandemia.

Apesar das pressões da opinião pública, Abe declarou ontem no Parlamento que ainda não é momento para decretar a medida de emergência. “Por enquanto, não vimos as infecções se espalharem amplamente por todo o país. Elas estão sob controle”, afirmou.

A governadora da região metropolitana de Tóquio, Yuriko Koike, vem pedindo insistentemente aos moradores que evitem sair de casa sem necessidade e deixem de frequentar lugares como restaurantes, bares e clubes noturnos, que continuam funcionando. Koike determinou o fechamento de escolas e de espaços públicos, como museus e zoológicos, até 6 de maio. Muitas empresas adotaram o trabalho remoto e o movimento nas ruas da metrópole é menos intenso.

Ainda assim, é possível ver muitos japoneses não abrindo mão de uma paixão nacional que só é possível colocar em prática nesta época – visitar parques para admirar as cerejeiras, que florescem na primavera.

O intenso debate em torno da necessidade de endurecer as medidas de combate ao coronavírus pode surpreender quem acompanha tudo à distância, já que o Japão, até o momento, parece uma ilha de relativa tranquilidade em meio ao caos global. O Japão foi um dos primeiros países atingidos pelo surto da covid-19 – o primeiro caso foi confirmado em 16 de janeiro.

Esse número vem aumentando dia a dia, mas, até a noite de ontem, o país notificou um total de 2.384 casos de infecção e 57 mortes – só na cidade de São Paulo já morreram oficialmente mais de 120 pessoas nas últimas duas semanas.

A Coreia do Sul, um país citado como exemplar no combate ao novo coronavírus, registrou até ontem 169 mortes. O mais surpreendente é que 20% da população do Japão tem 65 anos ou mais, o país com a maior fatia de idosos no mundo – o grupo etário mais vulnerável ao coronavírus.

Até o momento, não há uma explicação científica para a resiliência nipônica ao coronavírus, mas vários analistas têm apontado que alguns elementos culturais podem estar ajudando a evitar a propagação da covid-19. Em um país onde 127 milhões de pessoas vivem em uma área menor que a do estado de Minas Gerais, é quase impossível respeitar a distância social de 1,5 metro de outras pessoas, como recomendam os especialistas em saúde.

Mas no Japão é raro, mesmo antes da pandemia, ver pessoas conversando expansivamente dentro dos trens e ônibus, um comportamento não muito recomendado hoje em dia. É raro também observar demonstrações públicas de afeto – abraços e beijinhos, nem pensar. Os japoneses costumam se cumprimentar com uma leve reverência ou aceno de mão.

A obsessão nipônica com a higiene, segundo analistas, também pode estar fazendo a diferença neste momento. Não se vê lixo amontoado nas ruas e os banheiros públicos, em geral, se mantêm limpos. E os japoneses cultivam um hábito milenar que ajuda a manter a sujeira longe do ambiente doméstico: tiram os sapatos quando entram em casa.

Outro hábito comum no país, muito antes do início da pandemia, é o uso de máscara facial quando uma pessoa sente que está com gripe ou outra doença contagiosa.

Nessas situações, a etiqueta local manda que a pessoa somente saia às ruas com uma máscara, para não infectar outras pessoas – um pensamento diferente do que se observa em muitos países, onde as pessoas começaram a usar máscaras por considerar que, dessa maneira, reduzem o risco de sua própria infecção.

Um problema que os japoneses começam a enfrentar é a falta de máscaras no mercado. Para atenuar a escassez, o primeiro-ministro Abe anunciou esta semana que o governo vai distribuir até o fim do mês duas máscaras reutilizáveis, feitas de pano, a cada um dos cerca de 50 milhões de domicílios no país.

O plano virou alvo de fortes críticas. O Abenomics, como é conhecido o plano econômico do governo, está sendo chamado de Abenomask (“máscara de Abe”) em memes que viralizaram nas redes socias.

O baixo número de casos de coronavírus confirmados até agora no Japão tem a ver também com o reduzido número de pessoas que se submeteram ao teste para diagnosticar a presença da covid-19. Até o momento, cerca de 30.000 japoneses fizeram o teste, ante 394.000 na Coreia do Sul.

O Japão tem realizado os testes apenas em pessoas que tiverem febre por mais de quatro dias e que tenham viajado ao exterior, tido contato com uma pessoa infectada ou apresentado sintomas severos que exijam internação.

Para alguns especialistas, o baixo número de vítimas até o momento pode criar entre os japoneses uma falsa sensação de segurança. Um especialista em doenças contagiosas, Kentaro Iwata, professor da Universidade de Kobe, disse a um jornal local que o país não pode ser complacente e confiar em suas características culturais para deter o avanço da covid-19. “Não importa a cultura. Se você baixar a guarda, o vírus vai se espalhar rapidamente”, disse.

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