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Israel, Ucrânia e Palestina vão participar das Olimpíadas de Paris?

Após o banimento da Rússia dos Jogos Olímpicos, questionamentos sobre a participação de Israel e Palestina cresceram — com a guerra ainda em curso

Fernando Olivieri
Fernando Olivieri

Redator na Exame

Publicado em 23 de julho de 2024 às 10h30.

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Quando o Comitê Olímpico Internacional foi criado no final do século XIX, o fundador Pierre de Coubertin caracterizava as Olimpíadas como uma competição que 'abraçava a paz' e que poderia 'unir o mundo através do esporte'. Mais de um século depois, muito do que o historiador francês acreditava, mudou. Longe de acabar com as guerras, os Jogos Olímpicos já foram, inclusive, adiados por conta de conflitos. Os jogos, em si, não são políticos, mas acontecem em um mundo político — e cada vez mais polarizado.

Por mais que o COI defenda uma competição 'neutra', decisões recentes, como a suspensão do Comitê Olímpico Russo, são vistas como partidárias. Em entrevista a revista Time, o especialista internacional em política esportiva Jules Boykoff acredita que os próximos Jogos Olímpicos de Verão estão prestes a ser “as Olimpíadas mais politicamente carregadas em décadas”. Com o pano de fundo de duas grandes guerras — na Ucrânia, onde a Rússia continua a ocupar quase 20% do território do país, e em Gaza, onde a guerra em curso de Israel contra o Hamas já deixou mais de 37 mil mortos, de acordo com números do Ministério da Saúde — os Jogos de 2024 definitivamente não vão acontecer em um vácuo geopolítico.

Após a Rússia ter sido impedida de participar das Olimpíadas 2024 de Paris — onde atletas russos e bielorrussos serão autorizados a competir apenas como participantes neutros — apelos também foram feitos sobre a presença de Israel e Palestina.

O COI, que anteriormente rejeitou tais apelos com base no fato de que a situação em Gaza é “completamente diferente”, cita a violação da Carta Olímpica pela Rússia — especificamente, a tomada de controle de organizações olímpicas regionais em território ucraniano ocupado pelo Comitê Olímpico Russo — como a razão para sua proibição. “Esta situação não pode ser comparada a nenhum dos outros conflitos armados em nosso mundo”, segundo informações obtidas pela Time.

Ainda assim, alguns críticos argumentam que o relativo silêncio do COI sobre Gaza representa um 'padrão duplo'. Embora Israel não tenha anexado Gaza ou assumido suas organizações esportivas, seus militares destruíram grande parte de sua infraestrutura, incluindo instalações esportivas. O pouco que resta, como o Estádio Yarmouk de Gaza, teria sido convertido pelos militares israelenses em um espaço para manter detidos palestinos, uma medida que a Associação Palestina de Futebol denunciou como uma "clara violação da Carta Olímpica".

No final de maio, o Comitê Olímpico Palestino estimou que 300 atletas palestinos foram mortos desde 7 de outubro, incluindo o treinador olímpico de futebol palestino Hani Al-Masdar e o campeão de caratê Nagham Abu Samra. Para aqueles que sobreviveram, a perspectiva de esportes retornando a Gaza está a anos, se não décadas, de distância.

Vários atletas palestinos se classificaram para os Jogos de Paris, junto com atletas de Israel, Ucrânia e Rússia. Ao contrário dos outros, os atletas russos não poderão competir como um time, nem serão representados por nenhuma bandeira, hino ou outra identificação nacional. O que ainda precisa ser visto é como os atletas serão recebidos, tanto por outros times participantes quanto uns pelos outros. Em competições anteriores, atletas se recusaram a apertar as mãos, como foi o caso quando a esgrimista olímpica ucraniana Olga Kharlan esnobou sua oponente russa Anna Smirnova no Campeonato Mundial em Milão no verão passado e, mais recentemente, quando o time feminino de basquete da Irlanda recusou o aperto de mão habitual com suas contrapartes israelenses em uma eliminatória do EuroBasket em fevereiro.

Para o jornalista esportivo Shireen Ahmed, "o ativismo dos atletas vai aparecer de maneiras que nunca vimos antes”. “Você não só terá atletas se recusando a competir contra atletas israelenses, como também terá protestos nas ruas, fará as pessoas falarem sobre desinvestimento. Isso vai ser incrivelmente polarizador e, em um evento que visa unificar, haverá resistência em todos os níveis”, afirmou à Time.

Quando questionado sobre a possibilidade de atletas realizarem protestos ou manifestações políticas durante os Jogos, um porta-voz do COI disse à Time que "os atletas não podem ser responsabilizados pelas ações de seus governos" e que, se algo considerado discriminatório ocorrer, o COI trabalhará com o comitê olímpico nacional e a federação internacional envolvida para garantir que "ações rápidas" sejam tomadas.

Ao contrário da visão de Coubertin, as Olimpíadas sempre foram consideradas tanto pelos países anfitriões quanto pelos atletas como eventos inerentemente políticos. Foi o caso em 1936, quando Adolf Hitler usou o espetáculo das Olimpíadas como uma ferramenta de propaganda para seu regime nazista. Também foi o caso décadas depois, quando, durante o auge do movimento pelos direitos civis, os atletas americanos Tommie Smith e John Carlos usaram uma cerimônia de medalhas das Olimpíadas de 1968 para encenar uma manifestação contra a discriminação racial no que foi talvez o momento mais famoso de discurso político na história dos jogos.

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Israel com segurança reforçada

Israel fez sua estreia nos Jogos Olímpicos de Helsinque em 1952. Desde então, o país participou de quase todas as edições dos Jogos de Verão, exceto em 1980, quando se juntou ao boicote liderado pelos Estados Unidos aos Jogos de Moscou. Israel também participou dos Jogos de Inverno, embora com menos frequência e sucesso.

O país conquistou suas primeiras medalhas olímpicas nos Jogos de Barcelona em 1992, quando Yael Arad ganhou a prata no judô. Desde então, os atletas israelenses continuaram a se destacar, especialmente no judô, vela e ginástica artística. Um dos momentos mais memoráveis foi em Atenas 2004, quando Gal Fridman conquistou a primeira medalha de ouro de Israel na vela.

Na edição deste ano, os 88 atletas e delegação israelenses contarão com uma segurança extra após receberem diversos emails e ligações com ameaças. Comparado a Tóquio em 2021, o orçamento para segurança dos atletas mais que dobrou para este ano.

Presença e histórico da Ucrânia

A Ucrânia participou dos Jogos Olímpicos pela primeira vez como nação independente em 1994, nos Jogos de Inverno em Lillehammer, após a dissolução da União Soviética. Desde então, a Ucrânia se estabeleceu como uma força competitiva, especialmente nos Jogos de Verão.

Os atletas ucranianos têm se destacado em várias modalidades, incluindo atletismo, boxe, ginástica artística e luta. Nos Jogos de Atlanta em 1996, a Ucrânia conquistou sua primeira medalha de ouro olímpica com o atleta de atletismo Inessa Kravets no salto triplo. Outro destaque foi o boxeador Vasyl Lomachenko, que ganhou duas medalhas de ouro, em Pequim 2008 e Londres 2012.

O time ucraniano nos jogos deste ano é o menor da história, com 140 atletas. A invasão da Rússia matou atletas e treinadores, forçou muitos a fugir dos combates e danificou instalações esportivas do país. Alertas frequentes de ataques aéreos e apagões prolongados causados ​​por bombardeios russos também interrompem frequentemente os treinamentos.

Dados do Ministério dos Esportes da Ucrânia mostraram que 479 atletas e treinadores foram mortos desde o início da invasão da Rússia em fevereiro de 2022. Mais de 500 instalações esportivas foram destruídas, incluindo 15 bases de treinamento olímpicas.

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, o Comitê Olímpico Internacional recomendou que atletas da Rússia e de sua aliada Belarus fossem banidos de competições internacionais, mas desde então permitiu que eles se classificassem para os Jogos de Paris como neutros. Um total de 25 atletas da Rússia e Belarus foram liberados para competir nas Olimpíadas de Paris, que começam na sexta-feira.

Presença de palestinos

Os Jogos Olímpicos de Paris devem receber entre seis e oito atletas palestinos, entre classificados e convidados, segundo o chefe do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach. Na ocasião, Bach rejeitou sugestões de que o COI tratou a Rússia de forma diferente sobre sua invasão da Ucrânia em comparação com Israel e sua guerra em Gaza.

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