Vacinação no Uruguai: professores e profissionais de segurança serão prioridade neste começo de campanha (Mariana Greif/Reuters)
Carolina Riveira
Publicado em 1 de março de 2021 às 19h21.
Última atualização em 1 de março de 2021 às 21h07.
Com dois meses de atraso em relação a boa parte da América Latina, o Uruguai começou nesta segunda-feira, 1º de março, a vacinar seus cidadãos. O país se tornou, assim, o último sul-americano a começar sua vacinação.
Sinal de crise no país? Não necessariamente. Apesar do atraso, a expectativa a partir de agora é promissora: o Uruguai já tem acordo para receber nos próximos meses mais vacinas do que o número de habitantes do país.
Ao todo, são 3,75 milhões de doses compradas até agora para 3,5 milhões de uruguaios. O país comprou 2 milhões de doses da vacina da Pfizer e 1,75 milhão de doses da Coronavac, da chinesa Sinovac (a mesma usada no Brasil).
Nesta segunda-feira, a vacinação começou com a Coronavac, após a chegada de 192.000 doses prontas vindas da China.
A partir de agora, a promessa é ter 2 milhões de doses já neste mês de março: serão 460.000 doses da Pfizer com entregas semanais a partir da próxima segunda-feira, 8, até o fim de abril, e o total de 1,6 milhão de doses da Coronavac chegando em 15 de março.
Assim, o montante será o suficiente para vacinar mais da metade da população. No ritmo prometido, o Uruguai pode atingir a imunidade de rebanho, com pelo menos 75% da população imunizada, ainda no primeiro semestre.
A vacinação no Uruguai se desenha para atingir patamares só vistos em países que são líderes em imunização até agora, como Israel, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e Estados Unidos. Israel, que tem pouco menos de 9 milhões de habitantes, passa de 90 doses aplicadas a cada 100 habitantes e já vê o contágio diminuindo no país com a população estando imunizada.
Como o Brasil, o Uruguai se beneficia de já ter um histórico de experiência com vacinações e um sistema de saúde organizado. Mas o país teve o poder de, como nenhum outro sul-americano, se dar ao "luxo" de adiar e programar sua vacinação, ao ter a pandemia mais controlada do que boa parte dos países do mundo.
É algo que vem ocorrendo em outros países que controlaram melhor o vírus. Austrália e Nova Zelândia na Oceania e países asiáticos, como Japão e Coreia do Sul, têm andamento da vacinação mais lento, com menos de 0,2 dose a cada 100 habitantes. Todos só começaram a vacinar a partir de 18 de fevereiro, um mês depois do Brasil e dois meses depois de Estados Unidos e Reino Unido.
No Brasil, a taxa de vacinados é muito maior, de quatro doses aplicadas a cada 100 habitantes. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, alguns dos líderes em vacinação, são 22 doses e 30 doses a cada 100 habitantes, respectivamente.
A prioridade para o começo da vacinação no Uruguai serão professores e profissionais de segurança, com a vacina da Sinovac (e que estão sendo vacinados a partir de hoje). Profissionais de saúde e idosos em asilos serão vacinados com a vacina da Pfizer, por ter maior eficácia, e começam a receber as doses na próxima segunda-feira, 8.
A vacinação dos profissionais de educação, por exemplo, deve garantir uma volta mais segura às aulas no país — as escolas já haviam retornado presencialmente em meados do ano passado, e voltaram ao ano letivo de 2021 nesta semana.
O governo uruguaio chegou a dizer que a vacinação começaria somente em abril. Mas a demora, somada ao começo da vacinação em países vizinhos, gerou críticas internas ao governo do presidente Luis Lacalle Pou, fazendo o país apressar os acordos com as farmacêuticas.
A aprovação do presidente caiu de 60% para 56% em janeiro, segundo pesquisa da Equipos Consultores, e a desaprovação subiu de 20% para 23%. Apesar disso, em grande parte graças à gestão na pandemia, a aprovação segue maior a esta altura do que com os dois presidentes anteriores, Tabaré Vázquez e José Mujica. (Lacalle Pou, de direita, foi eleito em 2019 por uma coalizão de partidos, após uma década de governo da Frente Ampla, coalizão de esquerda de Vázquez e Mujica.)
O governo uruguaio se defendeu afirmando que países que já estavam vacinando tinham situações epidemiológicas "diferentes" do Uruguai. "Foi prudente observar e aprender com a experiência, aspectos logísticos e eventualidades ocorridas em outros países", escreveu o ministro da Saúde uruguaio, Daniel Salinas, no Twitter.
Fue de prudencia observar y aprender de la experiencia, aspectos logísticos y eventualidades ocurridas en otros países que, ciertamente han sido incisivos y exitosos en sus campañas de vacunación. Pero con situaciones epidemiológicas diferentes a Uruguay.
— Daniel Salinas (@DrDanielSalinas) February 13, 2021
Dentre os motivos para a demora no começo da vacinação, além da pandemia mais controlada, o Uruguai enfrentou percalços nas negociações. O acordo com a Sinovac, por exemplo, só foi fechado em janeiro deste ano (enquanto São Paulo havia fechado o contrato logo no começo da pandemia).
O acordo com a Pfizer também foi fechado no mesmo período, e cercado de um pequeno escândalo: um funcionário do Ministério da Saúde, a princípio, disse à farmacêutica que o governo não tinha interesse na vacina, e terminou demitido.
O Uruguai também apostou mais fichas nas negociações via Covax, a aliança da Organização Mundial da Saúde. Chegarão via Covax 148.000 doses da vacina de AstraZeneca/Oxford também a partir de março, que o governo destinará a profissionais de saúde e idosos. Contudo, como a pandemia está controlada no Uruguai, o país está longe de ser a prioridade da Covax, cujo objetivo é fornecer vacinas a países mais pobres e que estão sem acesso aos imunizantes.
O Uruguai não tem infraestrutura para produzir suas próprias vacinas, o que não faz desde a década de 1990. Essa é, por outro lado, uma grande vantagem do Brasil, que já passou a produzir doses da Coronavac com material importado no Instituto Butantan e fará o mesmo na Fundação Oswaldo Cruz com a vacina da AstraZeneca.
Só com Coronavac e AstraZeneca o Brasil deve superar as 200 milhões de doses em agosto, graças à infraestrutura que já possuía antes da covid-19 — o Brasil, historicamente, é referência mundial em vacinação de grandes contingentes populacionais. O Uruguai, nessa frente, ficou atrás, mas se beneficia do tamanho menor de sua população.
Ao contrário do Brasil e de outros países da América Latina, o Uruguai também não foi palco de testes clínicos das vacinas. Para isso, os países precisavam ter alta circulação do vírus, como foi o caso do Brasil, que sediou testes como os da Pfizer, da Sinovac e da AstraZeneca — o que nunca foi o caso do Uruguai ao longo de 2020. Isso fez com que o Uruguai não fosse uma das prioridades na hora das negociações das farmacêuticas.
A estratégia de controle da pandemia no Uruguai se mostrou eficiente ao longo do ano, mas o desafio fica maior com as novas variantes do vírus e a chegada do verão, que aumenta a vinda de estrangeiros e o deslocamento interno de uruguaios no país.
Desde o começo do ano, o número de novos casos de covid-19 no Uruguai subiu mais de 160%, saltando de cerca de 6.000 novos casos diários para mais de 16.000 nesta semana.
Apesar da alta recente, o país segue com números muito melhores do que no resto do mundo. Até agora, o Uruguai tem 175 casos confirmados a cada 1 milhão de habitantes, enquanto o Brasil tem cerca de 1.200 por milhão e a Argentina, 1.150 casos. A taxa baixa de casos fez os uruguaios serem, por exemplo, os únicos autorizados na União Europeia quando o bloco abriu as fronteiras no ano passado.
O Uruguai não foi o país com as quarentenas mais rigorosas no combate ao coronavírus. Pelo contrário: o isolamento nunca foi obrigatório, uma vez que a pandemia não chegou a sair do controle.
Ao longo de 2020, o governo adotou uma estratégia de testes massivos (similar à do Chile) e de identificar e isolar os casos. Como a pandemia está sob controle desde o começo, a maioria dos infectados era também importada de países como Brasil e Argentina, o que facilitou a detecção dos casos.
Os uruguaios fazem quase 300 testes a cada 1.000 habitantes, mais que o dobro dos 134 da Argentina. O Brasil não coleta essa informação de forma centralizada.
Apesar da quarentena não obrigatória e da defesa da "liberdade", nas palavras do presidente Lacalle Pou, houve intensas campanhas de conscientização, que se mostraram eficazes.
A população comprou a ideia do uso de máscaras e isolamento como prevenção à covid-19, e o comportamento dos uruguaios é visto como um dos motivos do sucesso no combate à doença. Segundo dados do Google, o deslocamento no Uruguai, mesmo sem quarentena obrigatória, caiu mais do que no Brasil.
Nas redes sociais, uma foto marcante do direcionamento uruguaio sobre a pandemia veio no começo de fevereiro, quando o presidente Jair Bolsonaro posou sem máscara ao lado de um mascarado Lacalle Pou em uma reunião do Mercosul. A imagem gerou críticas ao presidente brasileiro. Em suas redes sociais, o presidente uruguaio aparece sempre de máscara em eventos e posta mensagens de precaução à população.
Terminando una auspiciosa reunión con el presidente @jairbolsonaro en Brasilia. Mercosur (presente, futuro y flexibilización), hidrovías y varios temas binacionales. pic.twitter.com/ygNPMRrsfR
— Luis Lacalle Pou (@LuisLacallePou) February 3, 2021
Em artigo sobre o Uruguai, especialistas do Fundo Monetário Internacional no blog Dialogo a Fondo, pertencente à instituição, afirmam que o bom comportamento dos uruguaios e a ação rápida do governo foram cruciais nos bons resultados contra a pandemia.
"Um nível alto de coesão social e confiança pública no governo garantiu um amplo apoio para as medidas de contenção e disseminação profunda das campanhas de conscientização que encorajavam a população a trabalhar de casa e a fechar suas portas", escreveram os autores.
Os especialistas lembram que a pobreza está em queda no Uruguai, que a taxa de informalidade é menor do que no resto da América Latina (25%, contra 40% no Brasil) e que a rede de proteção social já era organizada, o que foi importante para convencer a população a ficar em casa. Ainda assim, o Brasil, com sistema social sólido e com o amplo auxílio emergencial pago no ano passado, não conseguiu o mesmo resultado.
Em seu relatório oficial sobre o Uruguai em fevereiro, o FMI disse que o país está "em uma posição invejável" em muitos aspectos com "instituições sólidas" e uma década de crescimento. A projeção é que o país cresça 4,3% em 2021, recuperando a queda de 4,5% em 2020. Ainda assim, o Uruguai precisará da recuperação dos vizinhos sul-americanos, grandes parceiros comerciais, para ter um crescimento mais robusto no pós-pandemia.
Mesmo com o começo da vacinação, o governo segue dizendo que a prioridade é o combate ao coronavírus. Tudo somado, apesar da estratégia sanitária bem-sucedida, o Uruguai terá seu maior desafio nos próximos meses, entre novas variantes e avanço no número de casos. "É muito importante seguir nos cuidando e não baixar a guarda", disse Lacalle Pou. "É o último esforço para nos cuidarmos."
A meta agora é seguir com algum controle sobre a covid-19 até que a vacinação esteja concluída. O que, se depender das projeções, deve acontecer rapidamente.