Hospital em Mumbai, na Índia: justiça liberou, mas médicos não realizarão eutanásia (Uriel Sinai/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 21 de março de 2011 às 11h18.
Mumbai, Índia - Violentada, estrangulada e em estado vegetativo há 37 anos, a enfermeira Arouna Shanbaug vai continuar vivendo, segundo uma sentença da Suprema Corte indiana que abre caminho para a eutanásia passiva - na qual os recursos que mantêm o paciente vivo são interrompidos -, mas em condições que não a amparam.
A histórica decisão foi anunciada no último dia 7 pela Suprema Corte (TS), que no entanto desprezou o recurso da escritora e ativista social Pinki Virani, no qual pedia a eutanásia para Arouna, por cuja causa vem lutando nos últimos 29 anos.
"Por esta mulher que nunca recebeu justiça, nenhum indiano em uma posição similar terá que sofrer durante três décadas e meia", afirmou Pinki em entrevista à Agência Efe em seu bairro de Mumbai.
Em novembro de 1973, a jovem Arouna, de 25 anos, foi estuprada e depois estrangulada com uma coleira de cachorro por um faxineiro do hospital KEM de Mumbai, com o qual tinha tido uma briga.
O agressor não cumpriu pena por violação - visto que não foi denunciado à Polícia -, mas pegou sete anos de prisão por tentativa de assassinato e roubo.
A interrupção na oxigenação de seu cérebro pela agressão e o dano irreparável à artéria carótida acabaram deixando Arouna em estado vegetativo por alguns meses.
Pinki Virani, autora do livro "Arouna's Story" (A História de Arouna, em tradução livre, 1998), observou que atualmente a enfermeira "pode rir, chorar ou gritar sem motivo aparente", mas "não responder a (estímulos como) comida, pessoas ou música", porque "seu cérebro está parcialmente morto".
Arouna está cega - acrescentou -, perdeu todos os dentes, não tem controle sobre seus movimentos e sua situação "só piorará devido a sua contínua diarreia", razões pelas quais a ativista justifica a conveniência da eutanásia.
"Embora pouca, ela tem atividade cerebral. Há possibilidades muito limitadas que saia do estado vegetativo. Com toda probabilidade continuará assim até sua morte", manteve o TS em sua decisão, que abriu caminho para que a eutanásia passiva seja "permitida em certas situações".
O Tribunal considerou que Pinki carece de parentesco ou proximidade suficiente com Arouna para atuar em seu nome, embora tenha argumentado que a eutanásia seria possível "se os médicos que a tratam achassem que é bom para a paciente retirar os tratamentos que sustentam sua vida".
Em seu livro, Pinki relata como a família a abandonou pelas pressões do hospital que não lhe concedeu uma indenização adequada embora o crime tenha sido cometido em suas instalações.
Seu noivo, um médico do mesmo hospital que ela trabalhava e que em princípio permaneceu a seu lado, acabou refazendo sua vida e se casando com outra.
A eutanásia passiva se limita a interromper os sistemas mecânicos, a medicação e a alimentação necessários para manter o paciente terminal com vida. Já a ativa consiste na aplicação de remédios letais para tirar a vida do doente, observou o Tribunal.
Mas a equipe médica não dará esse passo e, de fato, celebrou o veredicto do Supremo como "o renascimento" de Arouna.
Segundo a ativista, o primeiro caso da eutanásia permitido na Índia provocará uma grande polêmica entre os setores mais religiosos e conservadores, já que esta é uma sociedade "patriarcal" que acredita que "sofrer é o destino de todos".
Segundo a decisão do TS, a escolha da eutanásia terá de ser tomada por pais, cônjuges ou parentes próximos, ou em sua ausência pelos médicos ou um amigo, categoria que não foi concedida a Pinki no caso de Arouna.
"Não podemos descartar a possibilidade que pessoas sem escrúpulos com a ajuda de médicos sem escrúpulos fabriquem material para mostrar que se trata de um caso terminal sem possibilidade de recuperação. A comercialização de nossa sociedade cruzou todos os limites", argumentou o Supremo.
A trágica história de Arouna teve ofertas inclusive de Bollywood para virar filme, embora Pinki tenha recusado a proposta porque a poderosa indústria cinematográfica indiana pretendia que o filme tivesse "música e dança", como quase todos os outros.