Incompreensão entre Ocidente e muçulmanos persiste dez anos após 11/9
Participantes do 4º Fórum da Aliança de Civilizações, realizado na capital do Catar, se mostraram otimistas quanto à nova ordem que emergirá da Primavera Árabe
Da Redação
Publicado em 12 de dezembro de 2011 às 18h44.
Doha - Dez anos depois dos atentados de 11/9, o mundo muçulmano e o Ocidente não só não conseguiram encurtar sua distância, como esta continua a se abrir a cada dia, embora restem resquícios para a esperança, como constataram especialistas de todo o mundo reunidos em Doha.
Participantes do 4º Fórum da Aliança de Civilizações, realizado na capital do Catar, se mostraram otimistas quanto à nova ordem que emergirá da Primavera Árabe.
No entanto, destacaram a profunda incompreensão que segue governando as relações entre muçulmanos e o Ocidente, posta à toda prova com o ganho de força do islã político nos países árabes.
Sobre este tema, o pensador suíço Tariq Ramadan alertou em um dos ciclos de debate sobre o risco da 'polarização' entre seculares e islamitas nos estados muçulmanos.
Ramadan detecta sinais preocupantes nestas sociedades, como a 'desconexão' das elites laicas com seus povos e, por isso, alertou que essa divisão é atualmente 'a maior armadilha' para os países de maioria muçulmana.
'Os islamitas pensam que são os puros, e que os laicos são os corruptos ocidentalizados. Já estes últimos se consideram os defensores dos valores universais, e veem os religiosos como os que bloqueiam o progresso', criticou.
Nesta mesma linha crítica, o príncipe Hassan bin Talal da Jordânia, tio do rei Abdullah II e ativista pelo entendimento ecumênico, disse que os árabes são 'piores inimigos' entre si.
'Devemos começar a conversar entre nós mesmos antes de dialogar com o resto do mundo', afirmou, propondo também uma Declaração de Direitos no mundo árabe que proíba qualquer discriminação.
Apesar destas reflexões, o representante dos Estados Unidos na Organização de Cooperação Islâmica, Rashad Hussain, reconheceu que os níveis de islamofobia no Ocidente estão 'muito altos'.
'São décadas de desconfiança, levará muito tempo para acabar com ela', disse, recomendando cooperação em ciência ou tecnologia como uma forma de criar laços.
Apesar da liderança mais conciliadora do presidente dos EUA, Barack Obama, ainda é grande a indignação dos países muçulmanos em relação à política externa americana, como afirmou à Agência Efe o presidente do Conselho para o Bem-Estar Social e os Direitos Humanos do Paquistão, Muhamad Ijaz Nouri.
'Os EUA estão brincando com fogo no Paquistão e em muitos outros lugares', declarou Nouri, que, apesar de tudo, mantém a esperança de que foros como a Aliança de Civilizações sirvam para aliviar as tensões, 'embora seja um processo longo e lento'.
No muro entre Ocidente e muçulmanos deixou de ter um papel preponderante a organização responsável pelo 11/9, a Al Qaeda, segundo os presentes ao fórum.
O ministro de Relações Exteriores de Portugal, Paulo Portas, elogiou o fato de ninguém defender no fórum que a Al Qaeda representa o mundo árabe, e atribuiu as revoltas da chamada Primavera Árabe à 'saturação com os regimes autoritários e à luta pela dignidade'.
Portas, no entanto, advertiu que neste momento fundamental da história, o Ocidente deve evitar a tentação do paternalismo e a exportação de modelos de democracia, e deve respeitar os resultados das eleições realizadas em liberdade.
No fórum da Aliança, realizado anteriormente em Madri (2008), Istambul (2009) e Rio de Janeiro (2010), houve também concordância quanto ao papel fundamental das religiões no século XXI.
O rabino americano Arthur Schneier defendeu a tese de que a religião adquirirá mais importância porque é 'uma fonte de identidade, dá raízes às pessoas e fornece um sentido de comunidade' em um mundo cada vez mais desorientado. Por isso, declarou que o grande desafio dos credos mundiais é conseguir 'uma síntese entre a fé e a modernidade', já que os países 'não podem ser democráticos sem tolerância'.
'O crime em nome da religião é o maior crime contra a religião', sentenciou Schneier em seu discurso no plenário do fórum.
Para ilustrar as ameaças à liberdade religiosa no mundo, o Centro de Pesquisa Pew divulgou na conferência um relatório de 2011 que constata que as restrições à religião aumentaram significativamente nos últimos cinco anos.
Os pesquisadores constataram que a hostilidade - tanto de governos como das próprias sociedades - à livre prática religiosa aumentou para quase um terço da população mundial.
A Aliança de Civilizações encerrará amanhã seu fórum anual, centrado no diálogo intercultural como motor de desenvolvimento, e voltará a se reunir em Viena em 2012.
Doha - Dez anos depois dos atentados de 11/9, o mundo muçulmano e o Ocidente não só não conseguiram encurtar sua distância, como esta continua a se abrir a cada dia, embora restem resquícios para a esperança, como constataram especialistas de todo o mundo reunidos em Doha.
Participantes do 4º Fórum da Aliança de Civilizações, realizado na capital do Catar, se mostraram otimistas quanto à nova ordem que emergirá da Primavera Árabe.
No entanto, destacaram a profunda incompreensão que segue governando as relações entre muçulmanos e o Ocidente, posta à toda prova com o ganho de força do islã político nos países árabes.
Sobre este tema, o pensador suíço Tariq Ramadan alertou em um dos ciclos de debate sobre o risco da 'polarização' entre seculares e islamitas nos estados muçulmanos.
Ramadan detecta sinais preocupantes nestas sociedades, como a 'desconexão' das elites laicas com seus povos e, por isso, alertou que essa divisão é atualmente 'a maior armadilha' para os países de maioria muçulmana.
'Os islamitas pensam que são os puros, e que os laicos são os corruptos ocidentalizados. Já estes últimos se consideram os defensores dos valores universais, e veem os religiosos como os que bloqueiam o progresso', criticou.
Nesta mesma linha crítica, o príncipe Hassan bin Talal da Jordânia, tio do rei Abdullah II e ativista pelo entendimento ecumênico, disse que os árabes são 'piores inimigos' entre si.
'Devemos começar a conversar entre nós mesmos antes de dialogar com o resto do mundo', afirmou, propondo também uma Declaração de Direitos no mundo árabe que proíba qualquer discriminação.
Apesar destas reflexões, o representante dos Estados Unidos na Organização de Cooperação Islâmica, Rashad Hussain, reconheceu que os níveis de islamofobia no Ocidente estão 'muito altos'.
'São décadas de desconfiança, levará muito tempo para acabar com ela', disse, recomendando cooperação em ciência ou tecnologia como uma forma de criar laços.
Apesar da liderança mais conciliadora do presidente dos EUA, Barack Obama, ainda é grande a indignação dos países muçulmanos em relação à política externa americana, como afirmou à Agência Efe o presidente do Conselho para o Bem-Estar Social e os Direitos Humanos do Paquistão, Muhamad Ijaz Nouri.
'Os EUA estão brincando com fogo no Paquistão e em muitos outros lugares', declarou Nouri, que, apesar de tudo, mantém a esperança de que foros como a Aliança de Civilizações sirvam para aliviar as tensões, 'embora seja um processo longo e lento'.
No muro entre Ocidente e muçulmanos deixou de ter um papel preponderante a organização responsável pelo 11/9, a Al Qaeda, segundo os presentes ao fórum.
O ministro de Relações Exteriores de Portugal, Paulo Portas, elogiou o fato de ninguém defender no fórum que a Al Qaeda representa o mundo árabe, e atribuiu as revoltas da chamada Primavera Árabe à 'saturação com os regimes autoritários e à luta pela dignidade'.
Portas, no entanto, advertiu que neste momento fundamental da história, o Ocidente deve evitar a tentação do paternalismo e a exportação de modelos de democracia, e deve respeitar os resultados das eleições realizadas em liberdade.
No fórum da Aliança, realizado anteriormente em Madri (2008), Istambul (2009) e Rio de Janeiro (2010), houve também concordância quanto ao papel fundamental das religiões no século XXI.
O rabino americano Arthur Schneier defendeu a tese de que a religião adquirirá mais importância porque é 'uma fonte de identidade, dá raízes às pessoas e fornece um sentido de comunidade' em um mundo cada vez mais desorientado. Por isso, declarou que o grande desafio dos credos mundiais é conseguir 'uma síntese entre a fé e a modernidade', já que os países 'não podem ser democráticos sem tolerância'.
'O crime em nome da religião é o maior crime contra a religião', sentenciou Schneier em seu discurso no plenário do fórum.
Para ilustrar as ameaças à liberdade religiosa no mundo, o Centro de Pesquisa Pew divulgou na conferência um relatório de 2011 que constata que as restrições à religião aumentaram significativamente nos últimos cinco anos.
Os pesquisadores constataram que a hostilidade - tanto de governos como das próprias sociedades - à livre prática religiosa aumentou para quase um terço da população mundial.
A Aliança de Civilizações encerrará amanhã seu fórum anual, centrado no diálogo intercultural como motor de desenvolvimento, e voltará a se reunir em Viena em 2012.