Phillip Gunson: pesquisador diz que a comunidade internacional tem ignorado a crise econômica e política da Venezuela
Da Redação
Publicado em 18 de maio de 2018 às 16h24.
Última atualização em 18 de maio de 2018 às 19h24.
Neste domingo, a Venezuela pode levar ao poder uma nova esperança para solucionar a crise econômica, ou reafirmar o poder autoritário de Nicolás Maduro. Eleições presidenciais estão marcadas no país, e três candidatos concorrem ao cargo: o atual presidente, Nicolás Maduro, o opositor e ex-chavista Henri Falcón, e o religioso Javier Bertucci.
Embora as pesquisas eleitorais mostrem que o candidato da oposição, Henri Falcón, tenha 30% dos votos, contra 20% do atual presidente, poucos acreditam que ele ganhe a eleição. Este é o caso do analista sênior Phillip Gunson, da International Crisis Group, uma ONG com escritórios na Europa e nos EUA voltada à resolução e prevenção de conflitos armados internacionais.
Em entrevista a EXAME, Gunson, que está em Caracas, capital venezuelana, ainda afirmou que a comunidade internacional tem ignorado a crise econômica e política da Venezuela e que a situação do país pode se agravar com uma nova vitória de Maduro.
A oposição diz que esta não é uma eleição real, uma vez que o país não vive uma situação democrática. Por conta disso, eles decidiram não fazer parte da eleição (exceto o candidato Henri Falcón). Você acredita que essa foi a melhor escolha? O que poderia ter sido feito para evitar essa eleição “não democrática”?
Esta claramente não será uma eleição justa nem livre. As condições para uma eleição não foram justas por muitos anos, e agora está ainda pior. Antigamente os votos era contados, mas hoje nem isso pode ser garantido. A oposição tinha uma opção mas falhou ao tentar formulá-la: poderia ter escolhido um candidato, ter feito uma campanha pelas condições ideais de eleição, e ter desistido no último minuto se o governo não garantisse uma eleição justa. Essa manobra teria feito com que apoiadores se mobilizassem, usando a oportunidade para enfraquecer o governo. Com seus políticos mais populares e alguns membros-chaves dos partidos proibidos de fazer parte das eleições, não foi possível consolidar um acordo comum, e agora a oposição enfrenta o pior dos mundos: Maduro pode afirmar que a eleição foi concorrida, mas que a maior parte da oposição teria perdido a credibilidade com seus eleitores porque falharam em articular uma estratégia alternativa.
Podemos dizer que a representatividade desta eleição será válida? Terá um número considerável de votos?
O governo provavelmente vai inflar os resultados para justificar sua narrativa da vitória genuína de Maduro. Se Falcón (ou até mesmo Bertucci) ameaçarem sua vitória, então o número de votos conquistado por eles poderá ser “ajustado”. O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela é uma caixa preta, e é difícil de acreditar que haverá testemunhas da oposição suficientes para fornecer evidências que comprovem fraudes nas eleições. É provável que a abstenção seja maior do que nos anos anteriores, mas sem alternativas sobre a possibilidade de votar, as pessoas que iriam se abster estão reconsiderando.
Se vencer, Maduro iniciará seu mandato com novos projetos? Ou esta eleição só vai consagrar seu atual modo de governo?
Sem dúvidas Maduro gostaria de usar esta eleição como um trampolim para a implementação de uma ditadura comunista. Ele não parece nem um pouco disposto a introduzir reformas que solucionariam a crise no país. A Assembleia Nacional continua nas mãos da oposição, e é a única instituição com legitimidade eleitoral. Por isso, Maduro pode fechá-la definitivamente, uma vez que já removeu seu poder e o colocou nas mãos da Assembléia Nacional Constituinte, que é composta unicamente por aliados do governo. O que ainda não está claro é se Falcón decidirá liderar essa oposição “reconhecida” (da Assembleia Nacional), ou se ele vai se unir à aliança de oposição MUD/Frente Amplio, para reivindicar a restauração completa da democracia no país.
O candidato Henri Falcón tem chances reais de ganhar a eleição?
Pesquisas eleitorais mostram que, se houver uma eleição e justa, Falcón provavelmente vai ganhar. Mas o governo não tem intenções de entregar o poder e está disposto a fazer o que for necessário para declarar Maduro como vencedor. Se eles tiverem que se envolver em fraudes claras e evidentes, isso enfraquecerá Maduro e poderá provocar uma divisão na coalizão governante. Se um milagre acontecer e Falcón “tiver permissão” de ganhar, ele seria imediatamente colocado sob controle da Assembleia Nacional Constituinte, que o controlaria e, se fosse necessário, criaria uma emenda para que ele não pudesse exercer seus poderes. Falcón só assumiria o poder em janeiro, então eles teriam muito tempo para bolar um plano de controle do novo presidente. Se fosse possível instalar qualquer tipo de governo proposto por Falcón, um primeiro e bom passo seria na direção da transição política. Como um antigo chavista e declaradamente moderado, ele provoca menos medo entre as lideranças do atual governo do que entre os líderes da oposição.
Como a população está lidando com esta eleição? Eles já estão indo às ruas se manifestar contra o governo. Há um temor de novas represálias, iguais às que ocorreram no ano passado?
Há manifestações todos os dias, em todos os cantos do país. Mas elas são individuais, de iniciativas locais em sua maioria, e estão focadas em reivindicar comida, medicamentos e serviços públicos. O governo já mostrou que está determinado a enfraquecer as manifestações – enviando não somente policiais e tropas das guardas nacionais, mas também armando civis para ameaçar e agredir a população. As manifestações que vimos no ano passado talvez não se repitam tão cedo: as pessoas perderam a confiança em suas lideranças, e não há um plano concreto de oposição e reivindicação; além disso, as consequências de se expressar podem ser muito severas, incluindo detenção, tortura e até morte, além da perda dos benefícios públicos e de seus empregos.
Esta eleição pode conter uma mensagem simbólica? Quero dizer, esta eleição pode ser uma mensagem para a comunidade internacional de que a Venezuela precisa de ajuda?
A comunidade internacional demorou demais para perceber a gravidade do que está acontecendo na Venezuela. Mas agora tem se preocupado bastante com o impacto que a crise do país está tendo na região e no mundo. A eleição é mais uma oportunidade de colocar holofotes no país e mostrar quão ruim a situação está. Não haverá nenhuma solução sem (1) um apoio internacional e a (2) união interna da oposição.
Neste ano também teremos eleições no México e no Brasil, e já tivemos eleições no Paraguai. Esses países latino-americanos têm algo em comum que pode ser levado em consideração nessas eleições? A América Latina tem problemas similares que podem ser vistos durante o período de eleições?
A diferença é que os outros países latino-americanos que terão eleições neste ano têm instituições funcionando normalmente – embora cheias de problemas. Na Venezuela não há instituições funcionando, e todo o poder está nas mãos do governo e do Exército. Resolver a crise venezuelana pode levar à reconstrução das instituições democráticas, tarefa que não será fácil.