Filósofo de Harvard vê protestos na Copa como avanço social
O professor Michael Sandel falou em São Paulo sobre os perigos de o mercado dominar áreas da vida onde não deveria interferir e também falou sobre a Copa
Guilherme Dearo
Publicado em 28 de maio de 2014 às 17h29.
São Paulo - O filósofo e professor americano Michael Sandel dá aulas apenas em Harvard . Mas sua turma tem milhões de estudantes - do Brasil, da China, da Índia...
Seu curso "Justice" é disponibilizado integralmente e de graça na internet. Milhões o acessam ao redor do mundo. É um dos cursos mais famosos e disputados da universidade.
Sandel está hoje (28) em São Paulo para uma palestra do Fronteiras do Pensamento. Mais cedo, conversou com jornalistas. O bate-papo foi mediado pela jornalista Ana Luiza Herzog, da Revista EXAME .
Autor do livro "O que o dinheiro não compra" - lançado no Brasil - e do livro "Justice: What’s the Right Thing to do?", Sandel falou sobre os perigos de o mercado dominar áreas onde não deveria interferir, como ecucação e saúde.
A Copa do Mundo não poderia ter ficado de fora do debate. Entusiasmado com o evento, o professor falou sobre as manifestações que presenciou no país.
Veja a seguir os principais pontos abordados por Sandel:
Salário do Neymar X salário dos professores
Em minhas aulas em Harvard, proponho aos meus alunos que analisem a diferença entre o salário de um professor e o salário de Michael Jordan. Essa diferença brutal é "justa"?
Quando estive em Fortaleza para uma palestra, fiz o mesmo questionamento. Dessa vez, troquei o Michael Jordan pelo Neymar.
Tempos depois, presenciei uma manifestação contra a Copa, pedindo mais educação e serviços públicos de qualidade.
Para minha surpresa, vi uma pessoa segurando um cartaz dizendo: "Um professor vale mais do que o Neymar".
Protestos na Copa do Mundo
Ver os brasileiros protestanto é inspirador. Sem dúvida, é uma evolução. Indica um movimento.
A Copa poderia ser apenas um evento de orgulho nacional, um momento para mostrar por que o país é famoso pelo futebol. Mas milhões optaram por questionar os gastos públicos.
Estive em Porto Alegre e fiz uma pequena enquete com a plateia.
Perguntei o que preferiam: uma Copa do Mundo bem sucedida, apesar de todos os gastos; ou um país que não receberia a Copa, mas teria melhores serviços públicos, gastaria seu dinheiro com escolas e hospitais.
Cerca de dois terços das pessoas preferiram a segunda opção.
A "marketização" da sociedade
Um dos pontos que abordo em meu curso em Harvard é a influência preocupante do mercado em áreas que não deveriam estar sob seus domínios: educação, saúde, jornalismo, liberdade de expressão, filosofia, leis, política, cidadania.
Não querer que o mercado interfira em outras áreas não é ser contra ele. Pelo contrário, acredito que ele é necessário, obviamente.
O crescimento econômico serve de instrumento para o bem-estar, a conquista de serviços de qualidade. Mas ele não pode cooptar valores de mundos que não lhe cabem.
Um dólar por um livro lido
Um exemplo de como o mercado está afetando a educação.
Nos Estados Unidos, muitas escolas estão tendo dificuldade em incentivar seus alunos a estudarem mais, a se dedicarem mais.
Algumas pessoas tiveram uma ideia: pagar para que os alunos lessem livros e tirassem melhores notas.
Escolas de Nova York, Chicago e Dallas, por exemplo, testaram esse método. Um dólar por livro lido.
Isso é preocupante: o aluno passa a ver o estudo e o livro como produtos, uma troca monetária, um negócio. Isso é transformar em negócio o ato de ensinar e aprender.
O meu ponto: o dinheiro e o mercado não podem afetar valores que não pertencem a eles.
Desigualdade
No fim da Segunda Guerra Mundial, há estatísticas que mostram que o crescimento econômico beneficiava todas as camadas da população. Mais pobres e mais ricos cresciam juntos.
Hoje, isso não é mais tão verdadeiro. A desigualdade aumenta mesmo com crescimento econômico.
É preocupante, então, que o poder econômico esteja diretamente ligado ao acesso à saúde, à educação e a outros direitos básicos. Porque, se a economia vai mal, prejudica diretamente o acesso a esses direitos.
Governo X Mercado
Não há só duas alternativas: mercado ou governo.
A sociedade civil, as organizações civis, precisam ter um papel fundamental na sociedade para influenciar áreas como a educação.