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Fernández terá que encontrar um caminho, diz economista argentino

Para Martin Ravazzini, da consultoria Ecolatina, a Argentina é um caso único de oportunidades desperdiçadas nas últimas décadas

MARTIN RAVAZZANI: “o Brasil é o principal parceiro da Argentina e, para o nosso país, é um aliado central” / (Divulgação/ecolatina)

MARTIN RAVAZZANI: “o Brasil é o principal parceiro da Argentina e, para o nosso país, é um aliado central” / (Divulgação/ecolatina)

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Matheus Doliveira

Publicado em 28 de outubro de 2019 às 17h57.

Última atualização em 28 de outubro de 2019 às 17h58.

Após quatro anos da centro-direita de Mauricio Macri no poder, o Peronismo voltou a triunfar na Argentina. Com sete pontos percentuais de diferença, 48% dos argentinos escolheram Alberto Fernández como o novo presidente do país no último domingo. 

Em uma troca de papéis estrategicamente pensada, a chapa peronista liderada pelo ex-vice presidente de Cristina Kirchner ─ que agora é quem assume o papel de vice ─ encontrará um país economicamente arrasado por políticas fiscais que conseguiram ganhar o rancor do povo argentino. 

Quase 10% da população do país está desempregada ao mesmo tempo em que a inflação explosiva dos últimos anos vem deixando os salário dos que possuem remuneração menor do que há quatro anos, quando Macri assumiu. 

Em entrevista a EXAME,  o economista associado da consultoria Ecolatina em Buenos Aires, Martin Ravazzini, afirma que “os primeiros sinais serão fundamentais” para “recuperar a confiança do mundo”. O economista afiram ainda que o duelo entre diferentes alas do peronismo dentro do governo será fundamental para ditar as estratégias a serem adotadas nos próximos anos. 

O que explica a derrota de Mauricio Macri para Alberto Fernández?

A deterioração da situação econômica desempenhou, sem dúvida, um papel decisivo. A economia argentina está em uma situação prolongada de estresse financeiro e cambial desde meados do ano passado. Esta situação resultou em uma acentuada deterioração do poder de compra. Em 2018, os salários do setor formal da economia caíram cerca de 10% e este ano sofrerão uma queda adicional de 4%.

 

O produto interno bruto (PIB), de acordo com nossas projeções, cairá cerca de 3% este ano, enquanto o desemprego excederá os 10%. No passado, o segundo mandato de Cristina Kirchner e Alberto Fernández registrou um aumento médio de 1,5% no PIB, praticamente uma estagnação quando o crescimento populacional é descontado.

Mas o resultado de Macri é pior, pois acumulará uma queda no produto interno bruto de 4,6% e o salário real será 19% menor do que os trabalhadores tinham na época da mudança de governo, com uma inflação de 300% nos últimos quatro anos.

Por que os argentinos ficaram desiludidos com as políticas econômicas liberais de Macri?

Mauricio Macri pediu que sua administração fosse julgada pela redução da pobreza. Quando ele assumiu a presidência, cerca de 30% da população estava na pobreza, hoje esse número é de cerca de 37%.Também não conseguiu reduzir a inflação, que este ano chegará a 54%, o nível mais alto desde 1991. 

Por que a candidatura e um vice-presidente peronista, Miguel Ángel Pichetto, não foi suficiente para ajudar Macri? Podemos dizer que os argentinos não confiaram nessa aliança?

Mauricio Macri chegou à presidência graças a uma coalizão de partidos. Desde o início de seu mandato, diferentes setores de seu grupo propuseram que ele realizasse uma aliança mais ampla, abrindo atos do governo à oposição, proposta que foi rejeitada pelo núcleo mais próximo do presidente. A incorporação do senador Pichetto em sua campanha chegou atrasada e não gerou confiança. 

O que exatamente é o peronismo na Argentina? Como a população vê esse movimento?

Historicamente, o peronismo era percebido por vastos setores da população como a expressão política com maior capacidade de responder aos setores mais desprotegidos da sociedade. Mas, respondendo à primeira parte da pergunta, os diferentes governos peronistas conseguiram adotar políticas econômicas muito diversas.

Durante os anos 1990, o governo Carlos Menem recebeu aplausos de países alinhados à ideias liberais no que foi chamado de Consenso de Washington, enquanto no início dos anos 2000 outro presidente se identificou com o peronismo, Nestor Kirchner.

Ele realizou uma política de confronto com as políticas promovidas pelo Fundo Monetário Internacional. Em suma, o peronismo não possui uma única expressão, mas agrega uma grande capacidade de alcançar e reter poder.

Com uma chapa peronista (Fernández e Cristina) novamente no poder, o que deve mudar na Argentina nos próximos anos?

A grande questão pendente que a Argentina possui é encontrar um caminho de desenvolvimento, coisa que abandonou por muitas décadas e que o torna um caso único de oportunidades perdidas ao observar a disposição dos recursos naturais, humanos e econômicos que possui.

No futuro imediato, Alberto Fernández terá um contexto desafiador, com um problema urgente de dívida externa, demandas sociais e recessão. Os primeiros sinais serão fundamentais e, esperançosamente, convocará um governo de unidade nacional, no qual todos colocarão sua cota para se antecipar a essa situação e recuperar a confiança do mundo.

Quais são as possíveis mudanças que serão feitas na economia argentina nos próximos anos? Você acha que a atitude da Argentina em relação ao Mercosul pode mudar?

A Argentina tem um problema crônico de falta de divisas. Nos próximos anos, não haverá outra alternativa a não ser incentivar suas exportações. Você também deve tirar proveito dos abundantes recursos naturais que possui, como no campo energético. Quanto às relações com o Mercosul, uma das maiores incertezas que surgem sobre a futura política de Alberto Fernández é sobre como ele lidará com as relações externas.

O que representa a vitória de Fernández para a América Latina? A derrota de Macri contribui para o enfraquecimento das políticas liberais na região?

A derrota de Macri é claramente interpretada como um enfraquecimento das políticas liberais na região. É difícil fazer previsões sobre o que a vitória de Fernández para a América Latina representará.

Um setor do peronismo, o Kirchnerismo, tem uma visão favorável das experiências da Venezuela e da Bolívia, enquanto outros membros do mesmo partido assumem uma posição mais pragmática. Esperaremos para ver como essa questão será resolvida.

Em particular, no que diz respeito a Brasil e Argentina, espera-se que as diferenças recentemente levantadas entre o presidente Jair Bolsonaro e Alberto Fernández sejam deixadas para trás. O Brasil é o principal parceiro da Argentina e, para o nosso país, é um aliado central de sua projeção internacional.

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