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Cerca de 5 mil mulheres estão no centro penitenciário em Cuzco e 50% delas são ativamente empregadas na produção de artigos de couro, roupas e têxteis

Mulher trabalha em prisão no Peru: trabalho prisional traz à tona debates sobre ética e regulamentação de trabalho (Elizabeth Paton/The New York Times)

Gabriela Ruic

Publicado em 9 de março de 2019 às 06h00.

Última atualização em 9 de março de 2019 às 06h00.

Em um vale exuberante cercado pelos Andes peruanos – depois de passar por dois portões de segurança, cercas altas, arame farpado e uma revista rigorosa –, 13 mulheres trabalhavam duro. Elas estavam tecendo e tricotando luxuosas blusas de lã de alpaca e calças supermacias do mesmo material, que seriam vendidas a compradores ricos em lugares distantes, onde a vida é muito diferente da delas.

Todas eram prisioneiras do centro penitenciário feminino na cidade de Cuzco, com longas penas, predominantemente por crimes relacionados a drogas, além de assassinato, tráfico de seres humanos e roubo. Elas também eram funcionárias da Carcel, uma empresa dinamarquesa fundada em 2016 especificamente para oferecer emprego, treinamento e, talvez, um futuro livre de crimes para as presidiárias.

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Depois de mais de dois anos de programa, as duas fundadoras da Carcel e as autoridades penitenciárias peruanas afirmam que o projeto é um sucesso mensurável. É popular entre as prisioneiras e os consumidores e prova que a produção rentável e responsável da moda de luxo pode ter um lugar atrás das grades.

O Peru está se tornando uma espécie de estudo de caso sobre a questão da ajuda versus exploração. Cerca de cinco mil mulheres estão presas lá, e mais de 50 por cento são ativamente empregadas na produção de artigos de couro, roupas e têxteis, de acordo com o Instituto Penitenciário Nacional (INPE).

Contudo, recentemente, questões sobre ética e regulamentação do trabalho prisional também viraram notícia. Houve relatos de muçulmanos presos em campos de prisioneiros na China produzindo artigos esportivos, e greves contra o trabalho imposto em troca de salários insignificantes em prisões dos Estados Unidos. Em fevereiro, as tensões se ampliaram nas redes sociais quando a Carcel introduziu uma nova linha de roupas de seda produzidas em penitenciárias femininas na Tailândia.

"As empresas estão literalmente anunciando que usam o trabalho escravo agora como um motivo para você comprar seu produto", escreveu alguém no Twitter, gerando um coro de indignação de centenas de pessoas.

"Seu modelo de 'negócio sustentável' inclui a necessidade de as mulheres estarem em prisões", foi o comentário de outro usuário, seguido por uma série de emojis de rosto confuso. Quanto mais a Carcel postava explicações sobre suas práticas, modelos de pagamento e preços, mais irritadas ficavam as respostas on-line.

"O trabalho na prisão é um tópico muito complicado e pouco transparente", disse Peter McAllister, diretor-executivo da Iniciativa de Comércio Ético, uma aliança de empresas, sindicatos e organizações não governamentais que apoia os direitos dos trabalhadores.

"Por um lado, há definitivamente marcas bem intencionadas, com programas de reabilitação, fazendo um bom trabalho em todo o mundo. Por outro lado, há grandes questões sobre se detentos deveriam ser os principais produtores de uma etiqueta que visa ao lucro, particularmente dada a quantidade de casos inaceitáveis de exploração de prisioneiros encontrada nas profundezas da cadeia produtora da moda global", disse ele.

Louise Van Hauen e Veronica D'Souza, fundadoras da Carcel (que significa "prisão" em espanhol), se conheceram enquanto viviam e trabalhavam no Quênia. A primeira era gerente de criação de uma empresa de bolsas de couro e a última, chefe de uma startup social que faz e distribui coletores menstruais.

D'Souza disse que uma visita a uma prisão feminina no Quênia em 2014 mudou seu pensamento. "Ficou claro para mim que praticamente todas as presas eram mães que estavam lá por causa de crimes relacionados à pobreza, seja roubo ou prostituição. O mesmo acontece aqui no Peru", disse ela.

Em um dos segmentos da cadeia de produção de drogas na América Latina, a pasta de cocaína deve ser transportada de áreas de cultivo em partes remotas do país por mulas de drogas. Muitas são mulheres e, geralmente, elas são infratoras primárias não violentas. De acordo com o INPE, 85 por cento delas têm filhos para sustentar em casa.

"Muitas vezes essas mulheres são presas, depois libertadas, mas lutam para encontrar maneiras de sustentar seus filhos, e o ciclo do crime começa novamente. O sistema estava claramente errado. Isso me fez pensar em como poderíamos criar um novo modelo para quebrar o ciclo", disse D'Souza.

Virginia Matamoros, diretora da penitenciária feminina de Cuzco, disse que a prisão ofereceu treinamento básico em costura, tecelagem, panificação e jardinagem para todas as novas presas, na esperança de que possam trabalhar em empresas que também as preparem para a vida após sua liberação.

"Aceitamos a Carcel porque é uma empresa organizada e formal, que trabalha com bons salários e que acabou afastando outras companhias que operam aqui, melhorando o pagamento e o cronograma de trabalho", disse ela. Matamoros acrescentou que o aumento do acesso às oportunidades de trabalho pode diminuir a probabilidade de reincidência no crime. "Mais do que tudo, é extremamente positivo para a autoestima", afirmou.

Em Cuzco, as detentas da Carcel são treinadas por tecelões experientes até que desenvolvam as habilidades para trabalhar um turno de cinco horas, cinco dias por semana. Ganham salários em dinheiro, entre 650 e 1.100 soles peruanos (US$ 180 a US$ 329) por mês, dependendo do seu nível de experiência. Os rendimentos no Peru e na Tailândia são comparáveis aos salários mínimos nacionais. No Peru, este é de 930 soles mensais.

"As mulheres que trabalham para nós ganham o mesmo que uma professora do nível fundamental aqui. Acreditamos que um trabalho justo dentro da prisão deve ser igual a um trabalho justo fora da prisão", disse D'Souza.

A prisão fica com uma taxa de 10 por cento dos salários das presidiárias. As trabalhadoras mantêm uma parcela para despesas como comida e sabonete, e a Carcel deposita o resto em contas bancárias de suas famílias. Além do salário-base, as mulheres também podem receber bônus pela qualidade de seu trabalho, por bom comportamento e horas extras.

"Quando cheguei aqui há oito anos, esta prisão era um lugar muito triste", disse Teodomira Quispe Pérez, de 51 anos, viúva e mãe de seis filhos que precisa cumprir mais cinco anos de uma sentença por tráfico de drogas. Ela agora supervisiona o controle de qualidade na oficina Carcel. "Estou ansiosa para sair e comprar minha própria máquina. Trabalhar nesta oficina têxtil faz com que eu me esqueça da prisão", disse ela, dobrando uma encomenda de US$ 190 de camisetas de lã de filhote de alpaca para a Net-a-Porter. A plataforma de e-commerce de luxo começou a comprar produtos da Carcel em meados do ano passado.

Não há dúvida de que a produção está vendendo. De acordo com Elizabeth von der Goltz, diretora global de compras da Net-a-Porter, marcas de moda com um propósito social são cada vez mais populares entre os compradores.

"Globalmente, quase todos os nossos estilos Carcel foram vendidos nas duas primeiras semanas de lançamento, enquanto as camisetas de alpaca se esgotam todas as semanas", disse ela.

Para atender à demanda, a Carcel quer agora dobrar o número de funcionárias na prisão peruana. Na segunda base de produção da empresa na Tailândia – o país com o maior número de mulheres presas no mundo –, contas bancárias on-line estão sendo elaboradas para algumas prisioneiras e seus parentes, para evitar que o dinheiro vá para guardas ou empresas. A Carcel disse que espera operar em mais países nos próximos cinco anos.

Ainda há desafios consideráveis. Esta semana, a Carcel interrompeu as vendas nos Estados Unidos quando ficou sabendo de uma lei federal que proíbe a importação de bens feitos por presos. A empresa está agora buscando uma licença; ela diz que os Estados Unidos são um dos poucos países que não ratificaram uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2014 sobre o trabalho forçado, apesar de o trabalho nas prisões de lá ser legal. A Net-a-Porter confirmou no dia 20 de fevereiro que suspenderia as vendas da Carcel até que o problema fosse resolvido.

"A OIT afirma em seu site: 'Uma boa indicação de que os prisioneiros concordam livremente com o trabalho é se as condições de emprego se aproximam de uma relação de trabalho livre', e é isso que está no cerne dos princípios da Carcel. Nós as tratamos como funcionárias de uma empresa, não como prisioneiras", disse D'Souza em uma entrevista telefônica de Copenhague.

 

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