Mundo

EUA e narcotraficantes são culpados por crise na Nicarágua, diz Ortega

Em entrevista, o presidente da Nicarágua negou que haja paramilitares governistas nos protestos que já mataram mais de 400 pessoas

Ortega: Para esta direita, com muito poder político no Congresso, doeu muito que a Frente retornasse ao governo, disse o presidente (Oswaldo Rivas/Reuters)

Ortega: Para esta direita, com muito poder político no Congresso, doeu muito que a Frente retornasse ao governo, disse o presidente (Oswaldo Rivas/Reuters)

E

EFE

Publicado em 4 de setembro de 2018 às 14h52.

Última atualização em 4 de setembro de 2018 às 15h12.

Manágua - O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, nega que tenha sufocado os protestos com repressão, não se sente responsável pelas mortes nas ruas durante os últimos meses e culpa os Estados Unidos e o narcotráfico de financiarem, apoiarem e armarem grupos violentos.

Em entrevista à Agência Efe em Manágua, o líder da Frente Sandinista de Liberdade Nacional (FSLN) e presidente do país classificou como "golpe criminoso" os protestos que, em sua opinião, fazem parte de um plano para tirá-lo do governo.

Diversas organizações internacionais calcularam em mais de 400 o número de mortos nesses protestos, e organizações que defendem os direitos humanos foram expulsas do país após denunciarem a repressão.

Essas denúncias se juntam às de rostos conhecidos como o do escritor nicaraguense Sergio Ramírez, último Prêmio Cervantes e ex-vice-presidente de Ortega em um governo sandinista, que falou de "forças policiais e paramilitares armadas com fuzis de guerra, que agem em conjunto, contra uma população desarmada".

"Ele sabe que está colocando para trabalhar sua capacidade como contador de histórias. Ele é um grande contador de histórias e está fazendo um conto macabro real do que é uma tragédia que este povo vive. Está mentindo", respondeu Ortega.

O presidente culpou diretamente os EUA pelo que considera uma história de intervencionismo na política centro-americana e, especialmente, nicaraguense.

"Trata-se de não respeitar o povo nicaraguense, mas fazer uma política de ingerência permanente para obrigar o povo a apoiar essa ingerência e o candidato deles", explicou.

"É claríssimo. Retornamos ao governo e veio a hostilidade dos EUA. A primeira coisa que fizeram foi nos retirar da conta Desafio do Milênio, que fazia parte de um projeto estipulado com o governo anterior para colocar fundos em toda América Central. A Nicarágua foi punida porque a Frente não é democrática para os EUA, e imediatamente se começaram a organizar grupos armados", acrescentou.

 

Durante mais de uma hora de entrevista, Ortega se referiu em várias ocasiões a essa suposta ingerência para acusar diretamente os Estados Unidos de armarem os grupos que protestam contra o governo sandinista, unidos com grupos de narcotraficantes.

"Aí havia uma atividade que se origina da extrema-direita na Flórida. Foi um cordão umbilical permanente que ficou lá desde o período da guerra. Uma relação tão íntima dos políticos americanos da Flórida com os contrarrevolucionários que se converteu em uma amizade".

"Para esta direita, com muito poder político no Congresso, doeu muito que a Frente retornasse ao governo, e foi instalada a ponta de lança que alimentou esses grupos armados a se vincularem a grupos de narcotráfico. Em algumas ações contra eles foram encontradas atividades vinculadas ao cultivo de maconha", contou.

Ortega negou categoricamente que haja paramilitares sandinistas e disse que os únicos grupos armados são os que protestam contra o governo.

O governante apontou que "os únicos paramilitares que existiram na Nicarágua são os que se formaram depois de 2007 e cometeram e continuam cometendo crimes".

"Travamos essa batalha com a polícia e o Exército. Há companheiros do Exército que morreram nesse combate e não existem para a direita, nem para as organizações de direitos humanos", recordou.

Nesse relato, também não admitiu as denúncias de diversas organizações e da população contra a polícia por disparar contra manifestantes.

"Isso é uma grande mentira. Eu vi a manifestação pela televisão, estava sendo transmitida. O que houve ali foi uma investida de parte dos manifestantes contra a outra manifestação na Avenida Bolívar, uma investida armada", analisou.

"Como se explicam as mortes dos 22 policiais por manifestantes pacíficos? As centenas de mortos sandinistas que foram sequestrados em casa e assassinados, os que foram queimados. Como explicamos tudo isso?", questionou o governante.

Ortega também negou as denúncias da União Europeia, da ONU e da OEA sobre seu governo por repressão, prisões arbitrárias e tortura, por considerar que estão influenciadas pelos EUA.

O presidente nicaraguense afirmou que "para eles (opositores) não existem os 22 policiais mortos, nem os companheiros queimados que eram civis, nem a casa queimada onde morreu um menino que Sergio (Ramírez) menciona distorcendo a realidade".

"Uma casa onde morava um companheiro sandinista que tinha uma fábrica de colchões e, como não se juntou à greve e estava na zona quente, foi agredido e queimado. Incendiaram a sua casa e a família inteira morreu", detalhou o presidente.

Por outro lado, afirmou que na Nicarágua não há presos políticos e que "os que estão detidos estão lá por crimes que cometeram contra o povo e estão sendo submetidos aos processos correspondentes, ninguém está detido por suas ideias e por seu ativismo político".

Sobre a acusação de falta de liberdade de imprensa, Ortega negou e disse que basta ligar os canais de televisão, ver os noticiários e ler os jornais.

"Há tanta imprensa livre que inclusive há um programa no qual recentemente entrevistaram encapuzados que são paramilitares armados pela direita e que disseram tranquilamente que fazem falta mais mortos aqui", expressou.

O governante, que não se sente responsável pelas mortes, explicou que, "aqui, os responsáveis por essas mortes são os que promoveram, financiaram e alimentaram estes atos, e por trás está a política americana da Flórida que alcançou uma influência no Congresso americano".

Na opinião do presidente, "o que mais incomodou a direita americana foi a aliança que a Frente conseguiu construir com trabalhadores e empresários que ideologicamente não são sandinistas, mas que aceitaram a proposta de fazer um governo entre empresários, trabalhadores e o governo".

"A ameaça não era contra os sandinistas, mas contra os empresários que têm interesses nos Estados Unidos e que movem grandes operações financeiras. Criaram as condições para desenvolver ofensivas como esta de abril", reiterou.

Ortega acrescentou que isto se combina "com as armas porque, se houve mortos, é porque houve armas, e se não tivesse havido armas não teria havido mortos".

Os protestos contra o governo de Daniel Ortega se iniciaram quando foi divulgado um decreto de reforma na Previdência Social do país.

"Houve protestos, não houve mortos, mas inventaram que ali tinha morrido um estudante. Vi esses protestos na televisão e não havia armas, nem de um lado nem de outro lado. As armas apareceram no dia seguinte, durante a noite. Combinaram passeatas sem armas pelo dia e, durante a noite, os grupos armados começaram a atacar prefeituras, escritórios da Frente, hospitais, instituições estatais e a matar sandinistas", criticou.

"Aí começaram os confrontos e as mortes", que segundo o governo foram 195, enquanto diversas organizações de direitos humanos calculam mais de 400 vítimas.

Também desqualificou o pedido de eleições reforçado por União Europeia e Parlamento Europeu, com o argumento que "na Europa há uma onda bastante conservadora também, onde, apesar das diferenças com os Estados Unidos, tendem a unir posições diante da América Latina".

Para Ortega, "não faz sentido" antecipar as eleições previstas para 2021, já que "seria criar um precedente muito negativo que possibilitaria que a qualquer momento seja possível tirar um governo quando a oposição não gostar de suas medidas".

"Seria viver a história de países ibero-americanos que não tinham estabilidade e que tinham que trocar governos continuamente porque as pessoas protestavam nas ruas, e o Exército vinha e tirava o presidente", justificou.

O presidente assumiu que houve perda de empregos, especialmente no turismo. Diversos setores empresariais calculam as baixas trabalhistas em 70 mil desde o começo da crise, em 18 de abril.

"Efetivamente, houve uma perda de emprego, o país esteve paralisado durante muito tempo e isso afetou o emprego, e esse é o desafio agora, ir reativando as atividades, como está sendo feito", argumentou.

Segundo Ortega, "estão sendo reativados mais rapidamente o turismo nacional e as fontes de pequenos empresários locais", mas "houve mais problemas na atração de turismo internacional porque esta situação tende a afugentar os turistas".

Sobre o suposto enriquecimento de sua família, garantiu que essa acusação "é totalmente falsa" e pediu que os acusadores "apresentem uma prova".

Ao se referir ao cargo de vice-presidente ocupado pela sua esposa, Rosario Murillo, explicou que ela "está lá como militante da Frente e por sua capacidade" e que ele a conheceu "como militante".

Acompanhe tudo sobre:Crise políticaEstados Unidos (EUA)NicaráguaTráfico de drogas

Mais de Mundo

Putin promete mais 'destruição na Ucrânia após ataque contra a Rússia

Novo líder da Síria promete que país não exercerá 'interferência negativa' no Líbano

Argentinos de classe alta voltam a viajar com 'dólar barato' de Milei

Trump ameaça retomar o controle do Canal do Panamá