Draghi: ex-presidente do Banco Central Europeu, o premiê italiano ofereceu sua renúncia, mas segue no cargo por ora (Massimo Di Vita/Archivio Massimo Di Vita/Mondadori Portfolio/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 15 de julho de 2022 às 06h00.
Última atualização em 18 de julho de 2022 às 08h36.
A Itália vive novamente um limbo político. Um racha na coalizão do governo pode terminar levando à saída do primeiro-ministro Mario Draghi, que chegou a apresentar sua renúncia na quinta-feira, 14, mas segue no cargo por ora.
As negociações continuam a partir desta sexta-feira, 15, sobre quais serão os próximos passos no alto escalão do país. As opções vão da própria permanência de Draghi à escolha de um novo líder na coalizão, ou, no limite, até mesmo eleições antecipadas.
No centro da crise está a inflação em alta na Itália e as críticas a Draghi vindas do Movimento 5 Estrelas (M5S), grupo de pautas antissistema e que é o maior da coalizão governista.
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O M5S escancarou de vez os embates ao se abster de votar na quinta-feira um pacote do governo para apoio às famílias contra a inflação.
No mesmo dia, o Senado italiano havia votado uma moção de confiança contra Draghi, vencida pelo premiê, que obteve maioria a seu favor. Assim, Draghi, poderia se manter no cargo, mas decidiu por renunciar na noite de quinta-feira diante das disputas na base.
O premiê, que também foi presidente do Banco Central Europeu, disse que "a maior parte da unidade nacional que apoiou este governo desde a sua criação se foi".
Draghi, no entanto, continua no governo após o presidente Sergio Mattarella recusar sua renúncia. O presidente pediu que Draghi fale com o Parlamento na próxima semana para entender o quanto de apoio um governo sem o M5S poderia ter.
Como presidente, Mattarella tem a prerrogativa de aceitar a renúncia de Draghi e pedir ao Parlamento que forme uma nova coalizão (ou convocar novas eleições). O sistema político na Itália é parlamentarista, com o presidente chefe de Estado, mas o primeiro-ministro chefe de Governo, tendo de ter uma coalizão que forme maioria no Parlamento.
A recusa do presidente, na prática, serviu para dar tempo à elite política italiana para discutir o que fazer a partir de agora.
Na teoria, Draghi tem a maioria no Parlamento mesmo sem o 5 Estrelas. Mas não ter o apoio do grupo pode deixar o governo inviável. Draghi já havia descartado nesta semana montar uma coalizão sem o 5 Estrelas porque feriria o princípio do governo de "unidade nacional" atualmente formado.
O líder do 5 Estrelas e primeiro-ministro antecessor a Draghi, Giuseppe Conte, já havia anunciado na noite de terça-feira, 12, que não votaria a favor de Draghi, oficializando a divisão na base governista.
O projeto boicotado pelo M5S e que desencadeou a crise era exatamente um pacote de € 26 bilhões que visava reduzir os impactos da inflação no custo de vida dos italianos. Draghi havia afirmado que, se o MS5 cumprisse sua promessa de não apoiar o projeto, ele renunciaria, o que terminou de fato acontecendo.
Embora tenha acusado o governo de não fazer o suficiente para ajudar as famílias contra a inflação, o M5S afirmou que não votaria o texto porque não mais apoiaria políticas do governo Draghi.
Conte e o M5S vêm tecendo críticas constantes ao governo Draghi em meio à crise inflacionária. A inflação italiana superou 7% em maio, data do último resultado divulgado, puxada pela alta nos preços de energia que afetam toda a Europa.
Em outra frente da crise energética, a atuação de Draghi na guerra na Ucrânia também é criticada - o premiê chegou a visitar Kiev ao lado do líder francês Emmanuel Macron e do alemão Olaf Scholz, e a Itália tem se colocado em linha com o apoio da União Europeia e dos EUA à pauta ucraniana. O M5S, por sua vez, é visto como pró-Rússia em parte de suas posições.
Ainda não está descartada a possibilidade de Draghi seguir no cargo se conseguir um apoio contundente ao longo dos próximos dias.
Uma das movimentações mais significativas foi a manifestação do jovem ministro Luigi Di Maio, uma das figuras mais proeminentes do M5S e que anunciou sua saída após o embate com o governo. Ao sair do movimento, Di Maio levou consigo ao menos 60 dos mais de 220 parlamentares do M5S.
O Movimento 5 Estrelas não é um partido, mas um agrupamento com pautas antissistema na Itália e que ganhou espaço no Congresso nos últimos anos. O grupo foi fundado em 2009 e cresceu em meio à crise econômica nos anos 2010.
Se Draghi sair, os parlamentares precisaram entrar em um acordo para encontrar um novo líder que mantenha a coalizão por mais um ano, até as eleições oficiais marcadas para junho de 2023.
Se isso não ocorrer, eleições antecipadas poderiam ser convocadas, ocorrendo ainda neste ano.
A opção por eleições antecipadas é vista por boa parte da elite política como ruim para a estabilidade do país, criando turbulências na política e na economia italianas em um momento altamente delicado.
A Itália é a terceira maior economia da zona do euro, mas sofre desde a crise dos anos 2010 com baixo crescimento, dívida alta e instabilidade na política.
Draghi está no cargo desde 2021 e é visto como uma figura de credibilidade à frente do país. Antes de ser premiê, Draghi foi presidente do Banco da Itália de 2006 a 2011 e presidente do Banco Central Europeu de 2011 a 2019, ajudando a liderar a resposta à última crise do euro.
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A possibilidade da saída de Draghi faz crescerem as dúvidas sobre o futuro das políticas econômicas na Itália e os efeitos no restante da União Europeia.
Com o Banco Central Europeu se preparando para subir juros em meio ao aperto monetário contra a inflação, o custo da dívida da Itália, que supera 130% do PIB, também irá piorar.
Investidores têm demandado maiores prêmios para títulos do país. Com o vai e vem no governo, os juros exigidos para títulos de 10 anos do governo italiano subiram pouco mais de 0,10 ponto na quinta-feira, para mais de 3,2%, apesar da taxa nominal zerada na zona do euro (com prêmio de risco italiano, assim, aumentando a lacuna frente ao título alemão, usado como referência.)
As incertezas fizeram o euro desvalorizar ainda mais e chegar a ter valor abaixo da paridade com o dólar na tarde desta quinta-feira. O principal índice da bolsa de Milão fechou o pregão em queda de mais de 3%.