Daniel Scioli: "Estou aqui para facilitar, unir, procurar pontos de convergência e acordos que resultem em influência positiva na agenda comum que temos" (Amilcar Orfali / Freelancer/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 10 de fevereiro de 2020 às 13h48.
Última atualização em 10 de fevereiro de 2020 às 13h51.
São Paulo — A relação entre o presidente Jair Bolsonaro e o novo presidente argentino, Alberto Fernández, começou com troca de farpas e críticas de ambos os lados. Por isso, a principal tarefa do novo embaixador da Argentina no Brasil, o empresário e ex-candidato a presidente Daniel Scioli, é acalmar os ânimos. "Estou aqui para facilitar, unir, procurar pontos de convergência e acordos que resultem em influência positiva na agenda comum que temos", diz Scioli, nesta entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo.
A relação entre Jair Bolsonaro e Alberto Fernández não começou bem. Como está a situação?
Sou otimista e acho que vai prevalecer a responsabilidade e os interesses comuns. Respeito à vontade popular e à agenda de um governo que está encarando reformas, colocando o Brasil em um caminho de crescimento, que esperamos que se sustente. A Argentina também está se esforçando para que o país volte a crescer e saia de um grande endividamento irresponsável.
Mas como está a relação?
Melhorando. Cada ministro argentino falou com sua contraparte no Brasil e a agenda bilateral se intensifica. Tivemos um encontro com a comunidade turística. Nos reunimos com a associação automotiva brasileira (Anfavea). Nesta semana, estaremos em Brasília na reunião de chanceleres.
Foi um erro Fernández ter convidado o ex-presidente Lula para sua posse?
Lula não foi (à posse).
Mas foi convidado.
Detalhes de protocolo no momento. A realidade é que quem esteve foi o vice-presidente do Brasil (Hamilton Mourão).
O sr. disse que a relação dos dois países está melhorando, mas há duas semanas Bolsonaro disse que fake news foram responsáveis por eleger Fernández.
A eleição já passou. O povo escolheu e é preciso aceitar a vontade popular. Respeitamos a institucionalidade brasileira e há uma declaração do presidente Bolsonaro na qual expressou seu respeito a Alberto Fernández.
Como manter uma boa relação quando um presidente questiona assuntos internos de outro país?
Com respeito e determinação dos povos. A democracia e suas instituições devem prevalecer em todos os momentos. Estou aqui para facilitar, unir, procurar pontos de convergência e acordos que resultem em influência positiva na agenda comum. Isso também tem a ver com gerar postos de trabalho. Um maior intercâmbio comercial e turístico facilita a criação de trabalho.
O chanceler argentino, Felipe Solá, estará em Brasília para reuniões com Ernesto Araújo. Quais serão as prioridades?
Os assuntos que estão na agenda. Mercosul e União Europeia. A posição argentina em relação a situações diferentes na região.
Qual a posição da Argentina em relação ao livre-comércio entre Mercosul e União Europeia?
O chanceler vai falar sobre isso com o ministro Araújo.
É um assunto diplomático e de governo. O sr. não participa?
Sim, participo de todos os assuntos que têm a ver com a relação bilateral. Mas, por respeito a essa cúpula de chanceleres, vamos desenvolver o assunto ali. Na segunda-feira, o presidente Fernández disse na Alemanha que tinha de avaliar as letras pequenas do acordo.
Há possibilidade de um encontro de Fernández e Bolsonaro?
Com certeza vão se dar as condições para que possamos definir uma agenda e realizar esse encontro. A vocação do presidente Fernández é pública: acabou de estar em Israel, na Alemanha recebeu o respaldo de Angela Merkel. Também esteve com o papa, na Espanha e na França, explicando a situação da Argentina e a necessidade de reestruturação da dívida.
Há uma data para Bolsonaro e Fernández se encontrarem?
Vamos organizar e com certeza surgirá uma possibilidade. Confio que será um encontro positivo e construtivo.
O governo Bolsonaro quer reduzir a tarifa externa comum (taxa dos países do Mercosul para importar de países fora do bloco). Qual a posição de Fernández?
A economia argentina e tudo da política de Mauricio Macri deixaram o país em uma situação delicada: 40% de pobreza, inflação em 50% e uma grande queda de qualquer indicador de atividade industrial e da construção. A Argentina quer que a economia volte a crescer, para ter uma capacidade genuína de pagamento para enfrentar suas obrigações e administrar de forma responsável as reservas internacionais.
Isso significa fechar a economia em um primeiro momento e proteger a indústria?
Não. Significa administrar de forma responsável o que é uma situação delicada do estoque de reservas, mas tendo prioridades. E as prioridades têm a ver com o Mercosul. Precisamos recuperar a capacidade industrial para conseguir recuperar o emprego, o potencial exportador, a integração com o Brasil.
O juiz Claudio Bonadio, um dos maiores inimigos da vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, morreu (na semana passada). O que muda para o governo argentino agora?
Ele perdeu a vida. Não vou fazer nenhum juízo de valor ou especulação política