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Elite da China luta por uma maneira melhor de morrer

Filhos das autoridades importantes no país querem promover o conceito de morte com dignidade, ao invés de tratamentos extenuantes até o fim da vida


	Idosos chineses: um dos objetivos do grupo é ajudar pacientes a dizerem não a determinadas intervenções médicas perto do fim da vida
 (AFP)

Idosos chineses: um dos objetivos do grupo é ajudar pacientes a dizerem não a determinadas intervenções médicas perto do fim da vida (AFP)

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Da Redação

Publicado em 12 de fevereiro de 2015 às 20h52.

Pequim - Na China, os descendentes das famílias de políticos de elite e de altos funcionários do Partido Comunista estão comprometidos com uma causa incomum: o fim da vida.

Para Huang Jian, o ponto de inflexão foi a morte de seu pai, um veterano do partido, no ano passado. Aos 97 anos, apesar de ter esperanças de passar seus últimos dias em casa, um órgão local do partido pressionou a família para que o levassem ao hospital, diz Huang.

Lá, os médicos tentaram mantê-lo vivo com máscaras de oxigênio e antibióticos.

O filho lembra do pai entubado, atado à cama do hospital com bandagens, chorando: “O que eu fiz de errado para ser amarrado aqui?”.

Deixar de adotar todas as medidas para manter uma pessoa viva, na China, é algo visto como vergonhoso e às vezes confundido com eutanásia.

Por isso, autoridades importantes muitas vezes recebem tratamento do governo para prolongar suas vidas. Isso pode fazer com que esses pacientes sejam submetidos a terapias extenuantes até o fim em vez de terem um pouco mais de paz em suas últimas semanas e meses.

Enquanto a ciência encontra novas formas de prolongar a vida e a idade das populações como um todo, países como EUA e Japão enfrentam discussões difíceis a respeito da morte e da qualidade dos dias finais dos pacientes.

Na China, Huang encontrou consolo unindo-se a um grupo de “príncipes” -- como são chamados os filhos das autoridades importantes no país -- que compartilham memórias semelhantes e querem promover o conceito de morte com dignidade.

“Ele deve ter nos deixado enquanto era repetidamente torturado pelo medo, pela dor e pela impotência”, disse Huang sobre seu pai, Gong Taoyi, que era vice-diretor de um setor dentro do Departamento da Frente Unida de Trabalho, do Comitê Central do partido. “Não sei se ele nos culparia ou se nos odiaria”.

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O objetivo do grupo: ajudar pacientes a dizerem não a determinadas intervenções médicas perto do fim da vida e buscar cuidados paliativos em prol do conforto do paciente. Nos últimos nove anos, o grupo defendeu os testamentos vitais.

Neste ano, eles estão ampliando sua missão, capacitando médicos e voluntários para que ofereçam apoio a pacientes terminais. Liderada por Chen Xiaolu, filho de um ex-general, e pelos filhos de outros ex-funcionários, a associação inclui especialistas médicos e celebridades e também recebe apoio de filhos de veteranos do partido, como Huang.

Falar sobre o fim da vida é um tabu na cultura tradicional chinesa e, para as pessoas, é algo que pode trazer má sorte.

Na China, os pacientes são encorajados a lutar contra os problemas de saúde com a crença de que a ciência médica pode curar todas as doenças, segundo um artigo publicado pelo Asia Pacific Journal of Health Management em 2013.

Por toda a China, as tomadas de decisões no final da vida estão ganhando importância porque o país tem cerca de 200 milhões de pessoas acima dos 60 anos e mais de 3 milhões de novos casos de câncer por ano.

Os chineses comuns com doenças terminais enfrentam um problema muito diferente: contas hospitalares que consomem rapidamente as economias de toda uma vida, forçando os pacientes a irem para casa e morrerem com dor e desconforto, sem cuidados profissionais. O custo médio de internamento em um grande hospital superou 12.000 yuans (US$ 1.900) em 2014, segundo dados do governo.

Este valor representa quase um terço da renda anual bruta per capita do país, que foi de cerca de US$ 6.560 em 2013, segundo os cálculos do Banco Mundial.

“O que fazemos atualmente é: se você tem dinheiro, nós te ressuscitamos e te atormentamos até você morrer. Se não tem dinheiro, você simplesmente espera a morte”, disse Chen, que é presidente da Associação de Promoção de Testamentos Vitais de Pequim. “Nenhuma das duas opções está correta. Ambas são desumanas e não são capazes de refletir sua dignidade”.

O ex-vice-ministro da saúde da China Huang Jiefu disse, por meio de mensagem de texto, que ainda é cedo demais para haver uma discussão pública na China a respeito da promoção da morte com dignidade porque “as relações médico-paciente são tensas, as reformas médicas estão atingindo águas profundas, a desigualdade de riqueza é ampla e as reformas jurídicas enfrentam enormes obstáculos”.

O departamento de comunicação internacional do Comitê Central do partido não respondeu a um fax em busca de comentário do departamento que está no comando dos funcionários veteranos.

Promover o cuidado paliativo pode ajudar a redistribuir recursos em um sistema de saúde sobrecarregado porque “uma autoridade idosa gastando milhões de yuans implica que muitas pessoas comuns não terão acesso a esses recursos”, disse Chen.

Os esforços ainda estão em um estágio inicial e ainda há um longo caminho a percorrer, disse Chen. Ele espera ver bons resultados nos próximos dez anos.

“Um motivo egoísta para fazermos isso é que estamos quase chegando a essa hora e esperamos poder desfrutar desse tipo de serviço”, disse ele. “Nós não queremos morrer em casa com dores, nem ser ressuscitados em uma UTI”.

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