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Elas nunca estiveram tão expostas

O Guia EXAME de Sustentabilidade 2007, o maior levantamento de responsabilidade corporativa do país, mostra que a prestação de contas das metas sociais e ambientais -- assim como das financeiras -- das empresas é uma tendência irreversível

Usina da Braskem: dona do primeiro plástico produzido com matéria-prima renovável - o etanol - em todo o mundo (--- [])

Usina da Braskem: dona do primeiro plástico produzido com matéria-prima renovável - o etanol - em todo o mundo (--- [])

DR

Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h26.

Um aforismo tradicional do mundo dos negócios diz que é impossível gerenciar o que não se pode medir. A pesquisa realizada para o Guia EXAME de Sustentabilidade 2007 mostra que a próxima fronteira da sustentabilidade dentro das empresas brasileiras é justamente estabelecer objetivos e acompanhar resultados não apenas de aspectos financeiros, como também ambientais e sociais. A era em que o tema estava apenas ligado ao campo das idéias e das boas intenções foi definitivamente solapada -- e cada vez mais é preciso se apoiar em sistemas mensuráveis, com metas e análises. O levantamento desta edição aponta que essa é uma tendência inexorável, embora ainda exista um longo caminho a ser percorrido (veja quadro na pág. 16). Um dos indícios mais evidentes de que as empresas buscam quantificar seu desempenho em cada um desses aspectos está na maneira como têm prestado contas de sua postura sustentável nos negócios. Das 206 empresas inscritas na pesquisa, 140 responderam a todo o questionário -- apenas esse grupo foi avaliado. A maior parte delas, 72%, publica um relatório de sustentabilidade, sendo que 46% afirmam estabelecer metas de melhoria e prestar contas das definidas anteriormente.

O resultado da pesquisa, o maior levantamento de responsabilidade corporativa do país, está longe de apresentar um padrão de comportamento absoluto em todos os quesitos. Até mesmo pela diversidade das companhias participantes. As empresas que fazem parte da pesquisa representam 15 setores -- do petroquímico ao varejista. Esse grupo tem representantes de quatro modelos societários distintos: 39% de multinacionais, 30% de companhias brasileiras listadas, 25% de brasileiras de capital fechado e 6% de estatais.

O retrato de empresas com perfis tão diferentes permite concluir, porém, que, independentemente do setor ou do modelo de controle, o assunto não está mais restrito a apenas uma área da companhia ou a ações pontuais. As empresas começam a incorporar aspectos ambientais e sociais, por exemplo, em sua gestão de risco nas mais diversas áreas do negócio -- tanto no que se refere à própria operação (59%) como na reputação da marca (47%) e mesmo na obtenção de crédito (41%). Boa parte das empresas (63%) também leva as discussões sobre o assunto para um fórum comum a diferentes diretorias em seus comitês de sustentabilidade.

As melhores
A lista das 20 empresas-modelo desta edição
Accor
Acesita
Amanco
Aracruz
Arcelor
Basf
Braskem
Caterpillar
CPFL
Elektro
IBM
Itaú
Mapfre
Natura
Philips
Promon
Real
Serasa
Suzano
Unilever

Uma das mudanças mais emblemáticas da disposição das empresas em elevar o tema ao mesmo patamar de relevância das informações financeiras é a ligação entre os indicadores relacionados a aspectos ambientais e sociais e a remuneração dos executivos. Uma minoria -- equivalente a 31% das participantes -- já adotou o modelo. Essa adoção implica um novo padrão cultural. A fabricante de tubos e conexões Amanco, por exemplo, há mais de dois anos faz com que seus executivos mantenham metas ambientais e sociais relacionadas ao bônus anual. Eles já recebem entre 14% e 20% de seu rendimento variável com base nos resultados sociais e ambientais. O Itaú começou neste ano a seguir o mesmo caminho. Os planos do banco são começar o processo pela cúpula e, nos próximos anos, estendê-lo aos demais funcionários.

Perto da estratégia

Amanco e Itaú também fazem parte do grupo de 46% das empresas que já vêem na sustentabilidade uma oportunidade para o lançamento de produtos e serviços, como mostram as respectivas reportagens das páginas seguintes. A petroquímica Braskem se prepara para lançar comercialmente, a partir de 2009, o primeiro plástico produzido de matéria-prima renovável em todo o mundo. Fruto de um desenvolvimento de quase três décadas, espera-se que o produto à base de etanol tenha um custo de produção inferior ao produzido do petróleo. Esse é um desafio para empresas em todo o mundo, segundo o especialista em estratégia e professor de Harvard Michael Porter. Um dos maiores especialistas em estratégia empresarial da atualidade, Porter defende que o conceito de sustentabilidade -- que se apóia nos aspectos ambiental, social e econômico-financeiro -- deve ser visto como uma oportunidade de negócio e ser levada ao centro da estratégia das companhias (veja entrevista de Porter na pág. 86). De acordo com ele, a montadora japonesa Toyota é um dos melhores exemplos disso. O modelo Prius, lançado em 1997, com motor que funciona à base de um sistema híbrido de eletricidade e gasolina, conseguiu não apenas diminuir a emissão de gases tóxicos como também garantir à montadora uma enorme vantagem competitiva.

As empresas também apresentam metas cada vez mais ambiciosas no quesito ecoeficiência, sobretudo no que se refere ao consumo de água e energia. Nesse caso, existe um duplo benefício -- tanto a companhia consome menos recursos naturais como reduz custos. Das empresas participantes do guia, 66% têm metas de redução do consumo de água e 72% no de energia. Na fábrica de alimentos da Unilever, em Goiânia, a maior da companhia em todo o mundo, a corrida por melhorias aparentemente simples -- mas contínuas -- começa a dar resultados. Nos últimos sete anos, a Unilever vem trocando o óleo combustível que alimenta suas caldeiras de produção de catchup, atomatados e maionese por biomassa. Hoje, 95% do vapor usado nas máquinas deriva da queima de resíduos, como bagaço de cana e lascas de madeira. Um dos resultados imediatos é uma economia anual de 17 milhões de reais. "Nenhuma das outras fábricas da empresa no mundo tem desempenho semelhante", diz Rogério Rangel, diretor agrícola da Unilever Brasil. Até o final de 2007, a unidade começará a usar também como biomassa as sementes e as cascas de 6 000 toneladas de tomate que processa por safra.

Efeito multiplicador

Há indícios de que as companhias devem cada vez mais evoluir também no que se refere à emissão de gases de efeito estufa -- seja no processo produtivo ou em outras etapas de sua atividade, como o transporte de materiais e pessoas. Segundo o levantamento, 40% das empresas realizam hoje um inventário de emissão de gases de efeito estufa -- e 32% já possuem metas de redução dessas emissões. A Natura, por exemplo, anunciou que deve neutralizar todas as suas emissões de carbono ainda neste ano em toda a sua cadeia produtiva. Para isso, uma das mudanças promovidas foi a troca dos microônibus movidos a diesel que transportavam funcionários dentro da fábrica, em Cajamar, na Grande São Paulo, por carrinhos movidos a gás natural. O que não for possível reduzir, segundo a empresa, será compensado com o investimento em projetos de reflorestamento e energia renovável. Alguns projetos já foram selecionados nos estados do Pará, Tocantins e Paraná. A intenção, num segundo momento, é estender esse esforço para a sua cadeia de fornecedores e consultoras.

A postura sustentável das empresas brasileiras tem muito espaço para se estender pela cadeia de negócios. A pesquisa mostra que 64% das companhias monitoram o impacto ambiental de sua atividade produtiva -- mas apenas 28% analisam a atividade de seus fornecedores no que se refere ao meio ambiente. Quando o assunto é o impacto social, porém, o índice de empresas que avaliam a atuação dos fornecedores chega a 81%. A maior parte delas verifica o cumprimento da legislação trabalhista, sobretudo em relação à existência de trabalho infantil (68%) ou escravo (67%). Um percentual mínimo de empresas (5%) prevê, no entanto, medidas disciplinares e legais para as situações em que os fornecedores não se enquadram nesses indicadores de monitoramento. É um universo restrito composto de empresas como o banco Real, que desde 2005 coloca um prazo de seis meses para que o fornecedor se adapte às normas. Mais recentemente, a Promon passou a tomar a mesma atitude. Neste ano, a empresa começou a enviar auditores a seus fornecedores para verificar as condições de trabalho dos funcionários.

A transição de uma abordagem teórica para outra baseada em métricas e mudanças práticas é um fenômeno que pode ser observado em todo o mundo. A americana Procter & Gamble, maior indústria de bens de consumo do planeta, estabeleceu em novembro metas de venda para produtos com menos impacto ambiental. Nos próximos cinco anos, a P&G espera que pelo menos 20 bilhões de dólares de suas receitas (o equivalente a um quarto do faturamento atual) venham de produtos com impacto ambiental 10% menor do que os disponíveis anteriormente.

A experiência mostra que o acompanhamento dessas metas pode ser uma tarefa tão ou mais difícil que estabelecê-las. Prova disso é que o gigante Wal-Mart adiou a publicação de seu relatório de sustentabilidade previsto para junho deste ano. Segundo reportagem publicada pelo jornal inglês Financial Times, uma primeira versão preliminar desde que anunciou suas ambiciosas metas, em outubro de 2005, foi considerada inadequada por conselheiros independentes. Na época, divulgou, entre outras coisas, que diminuiria 30% da conta de energia elétrica de suas cerca de 2 070 lojas nos Estados Unidos até 2010. Em novembro a companhia finalmente publicou o relatório. "Este relatório é apenas um passo", disse o presidente mundial, Lee Scott, em sua introdução. Para todas as empresas é também uma demonstração de que prestar contas das metas sociais e ambientais -- assim como das financeiras -- é uma tendência irreversível.

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