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Dilma deve se aproximar do PSDB, diz ex-ministro

Para o ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira, a presidente precisa dialogar com a oposição para aprovar as reformas necessárias ao crescimento sustentável

Marcílio Marques Moreira: Brasil precisa de reformas da previdência e tributária para crescer no longo prazo (Lula Aparício/Divulgação)

Marcílio Marques Moreira: Brasil precisa de reformas da previdência e tributária para crescer no longo prazo (Lula Aparício/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 17 de junho de 2011 às 14h27.

São Paulo – As saídas de Antonio Palocci da Casa Civil e de Luiz Sérgio da Secretaria das Relações Institucionais serviram para amainar a crise que já há algumas semanas rondava o Palácio do Planalto. O episódio, no entanto, revelou as fissuras existentes entre a presidente Dilma Rousseff e a base aliada. Dilma parece bem mais comprometida em promover reformas e avanços institucionais do que os principais partidos que lhe dão sustentação Mesmo com maioria absoluta, a presidente acaba refém de quem só quer cobrar mais cargos e poder na administração federal sempre que precisa aprovar alguma lei importante no Congresso. Deputados e senadores do PT, PMDB e outras legendas têm se mostrado tão fisiológicos que a revista VEJA chegou a classificá-los de “base alugada”.

Para o diplomata e ex-ministro Marcílio Marques Moreira, o caminho que a presidente deveria seguir para manter o país no rumo do crescimento de longo prazo é se aproximar do PSDB. O estreitamento da relação com o partido de oposição poderia facilitar a aprovação das reformas tributária e previdenciária, melhorando o perfil das contas públicas. Dilma já teria dado sinais de que entendeu isso ao enviar, na semana passada, uma carta ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Com um tom bastante elogioso, Dilma atribuiu a FHC o controle da inflação e a consolidação da democracia no Brasil.

Marcílio Marques Moreira foi ministro da Fazenda no governo Collor, teve passagens pelo FMI e pelo BNDES e faz parte do conselho de administração de diversas empresas, como Brookfield, Energia, Valid e Setter Investimentos. Em entrevista a EXAME.com, ele falou sobre política, economia e diplomacia no Brasil, China, EUA e Europa. Leia a seguir os principais trechos da conversa:

PSDB e reformas

Dilma deve se aproximar do PSDB por uma questão de civilidade. É bom para o governo e para o país que os dois principais partidos mantenham uma relação cordial. Após vários anos de distanciamento durante o governo Lula, Dilma deu um sinal de que tem interesse nessa reaproximação ao enviar uma carta a FHC. Ela sabe que pode precisar de votos da oposição se quiser levar adiante reformas importantes para o país, como a previdenciária e a tributária. Não se sabe até que ponto a base aliada é fiel à presidente, mas eles já mostraram ter interesses divergentes.

O Brasil só vai se consolidar no caminho do crescimento sustentável com um maior controle dos gastos públicos. A aposentadoria dos servidores é um grande peso para o país. As pessoas estão vivendo cada vez mais, o que só tende a agravar o problema em todo o mundo. Qualquer reforma da Previdência é impopular e vai exigir muita habilidade política. A reforma precisa ser direcionada a acabar com as super aposentadorias do setor público, que muitas vezes chegam a 30.000 ou 40.000 reais. A reforma precisa focar nesse ponto para que a população entenda que as mudanças são importantes para o Brasil continuar num bom momento econômico. A mesma lógica vale para a reforma tributária. O Brasil precisa simplificar seu regime tributário e não há problema nenhum em fazer essa reforma em etapas para facilitar a aprovação.

Avaliação de Dilma

No geral, acho que o desempenho da presidente Dilma tem sido apenas satisfatório. Ela ainda não deixou claro se estará mais comprometida que o antecessor em promover as reformas que melhorariam a governança do país. Lula preferiu não usar seu capital político para aprovar essas reformas e priorizou medidas que incentivaram o consumo. De certa forma, é uma política populista. O eleitor até parece chancelar essa postura do governo. O brasileiro dá sinais de que gosta mais de medidas que promovam o consumo do que os investimentos. O problema é que isso costuma funcionar no curto prazo, mas não no longo.


Economia

Na economia, há certa dubiedade nas políticas adotadas. A inflação se acelerou neste ano. O governo tem utilizado a alavanca dos juros corretamente para contê-la. O problema é que, no lado fiscal, o governo fala uma coisa e faz outra. O prometido corte de gastos públicos tem sido muito mais um esforço retórico do que real. Mas não acho que o governo vai deixar a inflação sair do controle. O risco é que a alta dos preços continue em um patamar anualizado ao redor de 6%, o que eu já considero pouco confortável.

Outro problema enfrentado apenas de forma retórica é o da indexação da economia. O governo diz que está ciente de que os preços indexados fazem a inflação perdurar. No entanto, o mesmo governo tem criado novos indexadores. Neste ano, o Executivo renovou o compromisso assumido por Lula com as centrais sindicais de reajustar o salário mínimo de acordo com o PIB e a inflação de anos anteriores. Esse é mais um indexador para a economia que vai alimentar a inflação em 2012. Acho que foi um erro da presidente concordar com isso.

Visão dos empresários e etanol

Os empresários têm enxergado o novo governo de duas maneiras. Há um grupo de industriais paulistas que têm feito elogios públicos a Dilma, mas são os mesmos que conseguem empréstimos volumosos do BNDES. Já o empresariado mais atento aos sinais emitidos pelo governo continuam preocupados com o viés mais intervencionista e estatizante da presidente. Um episódio que serve para ilustrar esse viés foi durante a época em que os preços do etanol tiveram uma alta representativa. Em reuniões privadas, a presidente chegou a defender que seja criada uma quota mínima para a produção de açúcar e que somente o excedente de cana fosse transformado em etanol independentemente dos preços de mercado. Acho que foi um sinal bastante equivocado. O mundo todo desconfia que a eventual expansão do etanol possa reduzir a produção e elevar o preço dos alimentos. O Brasil vinha se esforçando para evitar que essa visão predominasse. Mas a postura da presidente reforçou o argumento europeu contra o etanol.

Esse erro pode até mesmo prejudicar a candidatura do ex-ministro José Graziano da Silva para a direção da FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura]. O Brasil tem buscado diversos cargos em organismos multilaterais internacionais para se firmar como ator político mundial, mas só tem colhido fracassos. Acho que tem faltado visão à diplomacia brasileira. O país não tem sido pragmático, apoia causas perdidas como o Irã, compra a inimizade com outros países em troca de nada e depois acaba derrotado nessas disputas.

Crise na Europa e moratória grega

A Europa passa por um momento muito delicado tanto no campo econômico quanto político. Não acredito que Europa vá se desintegrar, mas há uma série de questionamentos contra a União Europeia. A crise econômica aumentou a desunião entre os países e reduziu o apoio popular ao bloco econômico. Acho que o erro deles foi deixar de lado a integração fiscal. Eles conseguiram fazer a unificação monetária, mas não coordenaram as políticas de gastos públicos. Países periféricos como a Grécia e Portugal eram obrigados a pagar juros muitos altos para emitir dívida antes do euro. Quando tiveram acesso a crédito mais barato, se esbaldaram. Foi isso que levou a atual crise fiscal em diversos países.


A possibilidade de uma reprogramação nos pagamentos da dívida da Grécia parece iminente. É provável que os bancos europeus sejam obrigados a dar um prazo maior e um desconto para que a Grécia não decida unilateralmente deixar de pagar sua dívida. O país passa por uma profunda crise e não parece ter condições de sair dessa sozinho. Até o Banco Central Europeu já tem falado abertamente na possibilidade de repactuação da dívida. A Grécia representa menos de 2% do PIB da UE – então esse não é o grande problema. O que tem gerado alguma intranquilidade nos mercados é que a moratória grega levaria a perdas de bancos dos países centrais da Europa, principalmente a Alemanha. A economia alemã pode crescer cerca de 4% neste ano e isso é importante para manter a estabilidade da região.

Outra preocupação é que o “default” grego geraria uma crise de confiança que obrigue outros países a também pedir moratória. Os jornais europeus têm dito que isso pode acontecer em Portugal ou na Irlanda, que também são pouco representativos dentro do PIB da União Europeia. O problema é se a coisa chegar à Itália ou à Espanha.

EUA

Nos Estados Unidos, a economia parece ter dado uma esfriada recentemente. As previsões de que o PIB cresceria 4% neste ano foram revisadas para algo mais próximo a 2,5% - o que não é ruim. O grande problema deles é que o desemprego não cai de forma sustentável e o governo é obrigado a manter estímulos econômicos em um momento em que já é preciso começar a discutir formas de reduzir o endividamento.

Nas próximas semanas, acho provável que o governo não renove as medidas que vêm sendo chamadas de relaxamento quantitativo [ou QE2, na sigla em inglês], mas mantenha os juros baixos por muito tempo. O grande problema para o presidente Barack Obama lidar com essa situação é que o país está dividido. O Congresso não consegue se entender nem em relação ao Orçamento. Os republicanos têm adotado aquela linha perigosa de “quanto pior, melhor”. Não acho que eles vão mudar essa postura até as eleições presidenciais do próximo ano.

China

A China, por outro lado, tem dado sinais econômicos bastante positivos. O problema deles ainda é a falta de um regime político mais aberto. Os chineses temem a ocorrência de revoltas populares em defesa da abertura política assim como vimos no mundo árabe recentemente. Na verdade, têm ocorrido diversas pequenas revoltas regionais na China. Mas não é nada que, hoje, coloque em risco o sistema político do país.

A diferença é que o governo chinês tem a economia a seu favor. É por isso que a China toma medidas no campo econômico de forma tão lenta. Eles não querem colocar em risco um crescimento anual do PIB de 8% a 9% de jeito nenhum. Sabem que o apoio político depende do sucesso econômico e sabem que só podem caminhar gradativamente para um sistema político mais aberto. 

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