Rússia: Putin pode se beneficiar politicamente da reforma constitucional (Mikhail Svetlov/Getty Images)
AFP
Publicado em 23 de janeiro de 2020 às 09h22.
Após menos de duas horas de debate, os parlamentares russos aprovaram por unanimidade, nesta quinta-feira (23), as emendas constitucionais anunciadas na semana passada pelo presidente Vladimir Putin.
Os 432 eleitos presentes, dos 450 que compõem a Câmara Baixa do Parlamento da Rússia, a Duma, votaram em primeira leitura nesta revisão constitucional desejada pelo presidente russo e apresentada apenas três dias atrás.
"Mostramos uma unidade poderosa", comemorou o presidente da Duma, Vyacheslav Volodin, anunciando, imediatamente, que o exame em segundo turno aconteceria em 11 de fevereiro. Várias autoridades russas disseram que pretendem adotar o texto na primavera.
Vladimir Putin surpreendeu a todos em 15 de janeiro com esta revisão da Constituição, necessária - segundo ele - pelo desejo de "mudança" dos russos. O anúncio também alimenta especulações sobre seu futuro político, após o término de seu atual mandato em 2024.
Desde então, as mudanças ocorreram a uma velocidade incomum: o agora ex-primeiro-ministro Dmitri Medvedev renunciou, foi substituído por um alto funcionário desconhecido do grande público, Mikhail Michustin, o qual nomeou, já na terça-feira, seu novo gabinete.
Na Duma, controlada pelas forças pró-Kremlin, a adoção das emendas desejadas por Putin era certa.
O projeto de lei com as emendas do presidente foi apresentado pelo Kremlin na segunda-feira, após cinco dias de trabalho de uma "força-tarefa" criada para desenvolvê-lo.
Uma de suas integrantes, Elena Alchanskaïa, indicou claramente que as 21 páginas do documento já estavam redigidas.
"Não trabalhei" nas emendas, escreveu no Facebook: "Muito claramente, nosso papel foi apenas representativo".
Após a Duma, o texto deverá ser aprovado pelo Conselho da Federação, a Câmara Alta do Parlamento, e depois ratificado por Vladimir Putin.
O Kremlin também prometeu que será organizado um amplo debate público e que os russos terão de votar no texto. A Presidência se recusou, contudo, a usar o termo "referendo" e não indicou de que forma a consulta eleitoral será feita.
Em seu discurso à nação, Putin expôs suas reformas, julgando-as "importantes para o futuro desenvolvimento da Rússia". O texto enviado ao Parlamento retoma as linhas gerais de seu discurso.
Desta forma, propõe transferir certas prerrogativas para o Parlamento, como a escolha do primeiro-ministro. Também fortalece o papel de um órgão até agora consultivo, o Conselho de Estado, deixando espaço para especulações de que ele poderia se tornar o coração do regime.
Outra inovação: juízes, legisladores e políticos em nível federal não poderão ter uma nacionalidade estrangeira, ou uma autorização de residência em outro país. O texto também fortalece certos poderes do presidente, que pode, por exemplo, recusar-se a assinar uma lei adotada por dois terços dos deputados.
Para muitos analistas, Vladimir Putin está organizando essa reforma para o pós-2024, deixando um número máximo de portas abertas para preservar sua influência no país que ele comanda há 20 anos.
Visitando a região de Lipetsk, ao sul de Moscou, na quarta-feira, o presidente reiterou que a Rússia "precisa de um forte regime presidencial".
Se alguns especialistas acreditam que a reforma realmente fortalecerá o caráter presidencial do sistema político, outros garantem que será modificada apenas superficialmente.