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Continua a ‘insurreição’ contra o governo de Macron na França

O partido do presidente Emmanuel Macron perdeu sua maioria absoluta no Parlamento no fim de semana, um obstáculo hercúleo para seu segundo mandato

Elisabeth Borne: primeira-ministra ofereceu renúncia após a perda da maioria do governo, mas proposta foi rejeitada por ora (LUDOVIC MARIN/POOL/AFP/Getty Images)

Elisabeth Borne: primeira-ministra ofereceu renúncia após a perda da maioria do governo, mas proposta foi rejeitada por ora (LUDOVIC MARIN/POOL/AFP/Getty Images)

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Carolina Riveira

Publicado em 22 de junho de 2022 às 06h00.

Primeiro presidente reeleito na França em 20 anos, Emmanuel Macron começa seu segundo mandato já em profunda crise. Após as eleições legislativas no último fim de semana, o partido de centro-direita do presidente não conseguiu manter a maioria absoluta que tinha no Parlamento, e rivais à esquerda e à direita ameaçam tirar de suas mãos o controle total do Legislativo.

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Macron receberá líderes partidários no Palácio do Eliseu novamente nesta quarta-feira, 22, para discutir a situação, com o governo afirmando que tentará buscar uma "solução construtiva".

Ontem, a primeira-ministra nomeada por Macron em maio, Elisabeth Borne, ofereceu renunciar, o que foi rejeitado pelo mandatário. O oferecimento da renúncia é tradicional logo após as eleições legislativas, mas o presidente no cargo costuma seguir com quem escolheu. Desta vez, no entanto, havia dúvidas sobre se Borne seguiria no governo diante da perda da maioria.

Analistas apontam que Macron possivelmente tentará ganhar tempo e, em breve, terá de invariavelmente formar um novo gabinete, seja com ou sem Borne no comando. Para isso, precisará angariar mais apoios, mas seu principal entrave é o avanço da esquerda, liderada por Jean-Luc Mélenchon e que ampliou sua participação no Parlamento como força de oposição a Macron.

A França é um regime semipresidencialista, o que significa que o país tem um presidente e um primeiro-ministro dividindo o Executivo. Um presidente eleito, como Macron, pode ficar no cargo mesmo que não tenha maioria no Congresso (o que o difere do parlamentarismo total). Mas não ter maioria, ou uma coalizão capaz de chegar lá, implica a possibilidade de que o gabinete de ministros e o primeiro-ministro da coalizão governistas sofram moções de confiança, o que pode na prática travar um governo em um regime semipresidencialista.

As eleições legislativas na França ocorrem tradicionalmente semanas após as presidenciais, exatamente para garantir que o presidente eleito possa formar uma base parlamentar. Neste ano, porém, Macron chegou às legislativas com muita divisão em torno de seu nome.

Tanto Jean-Luc Mélenchon, que foi o terceiro nas eleições presidenciais, quanto Marine Le Pen, do direitista Reunião Nacional e que foi derrotada por Macron no segundo turno, chamaram seus eleitores a participarem em peso na eleição legislativa. Mélenchon chegou a chamar a votação de “terceiro turno”, pedindo que o “elegessem primeiro-ministro”.

Melenchon: o bloco liderado por ele virou a segunda maior força do Parlamento francês (Benjamin Girette/Bloomberg/Getty Images)

Mélenchon saiu de fato como o grande vencedor das legislativas: liderou uma coalizão de esquerda (a Nova União Popular Ecológica e Social, ou Nupes) e conseguiu o total de 131 cadeiras, com 23% dos votos. A França Insubmissa de Mélenchon ganhou tanto espaço nos últimos meses que conseguiu atrair para a coalizão o tradicional Partido Socialista, de centro-esquerda, que já elegeu uma série de presidentes franceses desde o pós-guerra, mas perdeu força nos últimos anos.

Com a oposição forte, a coalizão de Macron conquistou somente 245 cadeiras na eleição, faltando 44 para atingir uma maioria entre as 577 vagas no Parlamento.

VEJA TAMBÉM: Macron e Scholz visitam Ucrânia pela 1ª vez e apoiam entrada na UE

Frentes do Nupes chegaram a pedir a renúncia da primeira-ministra Borne e são contrários a qualquer tipo de aliança com Macron, embora a posição não seja unânime uma vez que o bloco de esquerda é diverso, com frentes das mais radicais às moderadas.

Uma das possibilidades do governo Macron é também uma aliança com a direita tradicional, que tem o tradicional partido Republicanos liderando um bloco com 64 cadeiras.

Macron em visita à Ucrânia, em junho: críticas ao presidente por falta de atenção à política interna na campanha eleitoral (AFP/AFP)

Seja como for, o cenário legislativo conturbado deve fazer com que Macron não consiga aprovar propostas de campanha, como uma reforma previdenciária. Críticos afirmam, ainda, que parte do fracasso do presidente se deveu à falta de um plano para os desafios da França. Em boa parte da campanha, Macron esteve às voltas com a guerra na Ucrânia, tema que não mais interessava aos eleitores diretamente. Um aspecto indireto da guerra, no entanto, é a alta da inflação na França, o que também impactou a popularidade do presidente.

Em seu primeiro mandato, após ser eleito contra a própria Le Pen em 2017, Macron teve um resultado bastante melhor, na época com muito menos rejeição do que hoje. O governo abocanhou então uma maioria de 350 assentos, não precisando sequer de uma coalizão para governar.

Era outro mundo: os blocos de direita tradicional (136 cadeiras em 2017) e da esquerda tradicional (45 cadeiras) foram o segundo e terceiro maiores, mas sem ameaçar o presidente. Na época, a França Insubmissa de Mélenchon teve só 17 cadeiras, e a então Frente Nacional de Le Pen, oito, com ambos sem coalizões com legendas maiores. Muito mudou de lá para cá.

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