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Com Obrador no México, o novo xadrez político latino

Novo presidente mexicano deve priorizar o México e interferir menos em questões ligadas à Venezuela. A dúvida é como fica o Brasil

PEÑA NIETO E OBRADOR NO PALÁCIO PRESIDENCIAL: novo presidente quer aproveitar os cinco meses até a posse para percorrer o país, e não para mirar em política externa /
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Da Redação

Publicado em 7 de julho de 2018 às 07h53.

Última atualização em 10 de julho de 2018 às 12h08.

Cidade do México — Com a eleição de Andrés Manuel López Obrador, o Brasil perde o aliado latino-americano de maior peso na sua mais importante frente política externa: a pressão pela redemocratização da Venezuela. Embora se defina de esquerda, AMLO, como é chamado o presidente eleito no domingo no México , não vai se alinhar aos regimes bolivarianos, mas retomar a atitude mexicana de não interferência nos assuntos de outros países.

O presidente Michel Temer anunciou que se reunirá com López Obrador durante a reunião de cúpula da Aliança Pacífico e do Mercosul, no dia 24 em Puerto Vallarta, no México. “Telefonei a López Obrador e o parabenizei pela vitória eleitoral no México”, tuitou Temer na terça-feira. “Trabalharemos para fortalecer ainda mais as relações entre nossos países.”

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Ao anunciar seu ministro de Relações Exteriores, Marcelo Ebrard, o presidente eleito deixou clara a sua prioridade: a renegociação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), lançada depois da posse de Donald Trump, em janeiro do ano passado.

Horas depois do anúncio da vitória de López Obrador, seu assessor para o Nafta, Jesús Seade, disse esperar que as negociações sejam concluídas antes mesmo da posse do novo presidente, em 1.º de dezembro. Na sua visão, o processo tinha sido prejudicado pela incerteza em relação ao resultado das eleições no México.

“Estamos basicamente apoiando o que o México tem apresentado”, afirmou Seade. “E estamos totalmente dispostos a explorar, de forma proativa, formas de energizar a negociação.” Ele acrescentou que espera trabalhar a partir de agora com o atual ministro da Economia, Ildefonso Guajardo, até o final das negociações. Os EUA são o destino de 80% das exportações mexicanas.

López Obrador disse que vai convidar Trump e o primeiro-ministro Justin Trudeau, do Canadá, o terceiro membro do Nafta, para sua posse. “Somos países vizinhos, temos relações econômicas e comerciais, um vínculo de amizade”, declarou o presidente eleito, referindo-se aos EUA.

Trump telefonou para López Obrador na segunda-feira, para parabenizá-lo pela arrasadora vitória por 53% dos votos. Ricardo Anaya, do Partido da Ação Nacional (PAN), também de oposição, ficou num distante segundo lugar, com 22%, seguido pelo candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI), do governo, com 16%.

AMLO chamou a conversa de “respeitosa e amigável”. Trump previu que as relações com o novo presidente mexicano serão “muito boas”. Desde a campanha em 2016, ele hostilizou o México, ameaçando com tarifas de importação e a construção de um muro na fronteira, e associando os imigrantes mexicanos a roubos e estupros.

López Obrador, por sua vez, evitou atacar o presidente americano. Disse apenas que defenderia a “dignidade e a soberania do México”, mas também que queria negociar com Trump.

Ebrard já vai assessorar AMLO na reunião com o secretário de Estado americano, Michael Pompeo, na sexta-feira 13, e na reunião de cúpula da Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Chile e Peru), dia 24. Atualmente na presidência da Rede Global das Nações Unidas sobre Cidades mais Seguras, com sede em Nairóbi (Quênia), Ebrard sucedeu López Obrador na prefeitura da Cidade do México (2006-2012).

Em dezembro, o então candidato à presidência anunciou que, se eleito, seu chanceler seria Héctor Vasconcelos, professor de relações internacionais na Universidade Nacional Autônoma do México. A justificativa para a troca foi que Vasconcelos se elegeu senador, e deseja presidir a Comissão de Relações Exteriores do Senado.

De acordo com um diplomata ouvido por EXAME na Cidade do México, Ebrard “tem canais nos Estados Unidos que Vasconcelos não tem”, embora tenha se graduado na Universidade Harvard. “E por ser Ebrard um político com algum peso, que quase se lançou a presidente no passado, AMLO terá um chanceler com estatura para representá-lo em cúpulas e eventos externos dos quais não parece ter muita inclinação e apetite de participar.”

López Obrador nunca manifestou interesse por política externa, mantendo sempre o foco nas questões internas. Como a transição presidencial no México é muito longa — com um intervalo de cinco meses entre eleição e posse —, os presidentes eleitos normalmente aproveitam esse período para visitar os aliados mais importantes, incluindo o Brasil. Em contraste, AMLO anunciou que pretende percorrer o país, para agradecer pela eleição, ouvir pleitos e reafirmar compromissos. Seu governo será marcado pela relação próxima com a população: ele garante que vai dispensar até os guarda-costas, já que “o povo vai protegê-lo”.

Tanto Ebrard quanto Vasconcelos são membros do Movimento de Regeneração Nacional (Morena), fundado por López Obrador em 2014.

“O Nafta tem de ser aprovado pelo Senado, de modo que é importante que tenhamos um senador com as características de Héctor Vasconcelos, cuja carreira está ligada à política externa”, explicou o presidente eleito, na entrevista coletiva, na quinta-feira.

AMLO qualificou Ebrard, por sua vez, como “um homem com experiência, que nos vai ajudar muito a aplicar os princípios de política externa de não intervenção e autodeterminação dos povos”. E acrescentou que em seu governo o México manterá “boas relações com todos os governos e povos do mundo”, em especial o Canadá e os EUA, no âmbito da renegociação do Nafta.

Trump se queixou de que as “maquiladoras” mexicanas montam componentes fabricados na China e vendem os produtos acabados no mercado americano sem tarifas. E que as indústrias americanas se mudaram para o México em busca de mão-de-obra mais barata.

O peso da Venezuela

A não-ingerência é a posição tradicional do México, abandonada pelo atual presidente, Enrique Peña Nieto, no que se refere à Venezuela. E era também a do Brasil, antes de o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter-se engajado em favor do seu então colega Hugo Chávez, entre outros governantes identificados com a esquerda.

Sob a liderança do Brasil, já no governo de Dilma Rousseff, o Mercosul suspendeu em 2012 o Paraguai, por causa do impeachment do então presidente Fernando Lugo, também de esquerda, e aproveitou para aprovar a entrada da Venezuela no bloco. Essa entrada estava bloqueada porque o Senado paraguaio, dominado pela direita, não a referendava.

Em contrapartida, a partir do impeachment de Dilma em 2016, o governo de Michel Temer assumiu a posição contrária, liderando a suspensão da Venezuela do Mercosul. A situação continua essa até hoje. A Organização dos Estados Americanos e o Grupo de Lima, que reúne 11 países latino-americanos mais o Canadá, têm pressionado a Venezuela para realizar eleições de acordo com as regras constitucionais e soltar os presos políticos.

O México, que é observador da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), tem tido um papel importante nessa campanha. Tudo indica que isso deve mudar agora.

“É algo prematuro prever as mudanças na política externa sob o novo governo”, disse no entanto a EXAME o embaixador mexicano Andrés Rozental, que trabalha como consultor de empresas americanas e brasileiras com negócios no México.

“Creio que a nomeação de Marcelo Ebrard no lugar de Héctor Vasconcelos seja uma boa notícia”, avalia Rozental, que foi vice-chanceler entre 1988 e 1994, no governo de Carlos Salinas de Gortari. “Marcelo é uma pessoa séria, com boas credenciais internacionais, que seguramente será mais institucional nos temas de política exterior. AMLO quer uma relação de respeito e benefício para o México em sua política com os EUA, mas isso dependerá de Trump e se decide saudar o novo governo mexicano com uma mudança de sua estratégia de ataque permanente e agressões contra o México e os mexicanos. Também dependerá do curso das negociações no Nafta.”

Rozental acredita ainda que, ao concordar em comparecer na cúpula da Aliança do Pacífico e se reunir com o presidente brasileiro, López Obrador demonstra “interesse especial” na América Latina. “Uma incógnita”, acrescenta o especialista, é “se o México permanece ou não no Grupo de Lima sobre a Venezuela, do qual o país tem sido um importante impulsionador”.

Um dos pontos fortes da campanha eleitoral de AMLO foi melhorar as condições dos agricultores mexicanos, sobretudo no empobrecido sul, já que o norte do país se industrializou em função do Nafta. O acordo de livre comércio, em contraste, prejudicou os agricultores mexicanos, já que o México passou a importar mais milho, carnes e lácteos dos EUA.

Uma eventual ruptura do Nafta poderia abrir caminho para o Brasil exportar mais esses produtos para o México. Esse certamente não é o objetivo do futuro presidente mexicano, e sim recuperar a produção de seu país. Mas o México é um país montanhoso e árido, cujas terras aráveis são escassas, em relação a sua população.

O comércio entre Brasil e México somou em 2017 US$ 8,7 bilhões, e é equilibrado, diferentemente do superávit mexicano de US$ 71 bilhões frente aos EUA. Os acordos comerciais beneficiam atualmente os setores automotivo e químico, mas o Brasil quer ampliá-los. Os membros do Mercosul têm autorização especial para negociar bilateralmente reduções de tarifas com o México.

O estoque de investimentos é de cerca de US$ 30 bilhões de cada lado. Os mexicanos investem no Brasil com as empresas de telecomunicações Claro e NET, do bilionário Carlos Slim, com a fábrica de pães Bimbo e salas de cinema, entre outros. A brasileira Ambev é dona da importante cervejaria Modelo no México e a Braskem atua no setor petroquímico mexicano.

O Brasil tem muito a ganhar — e muito a perder — no México.

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