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China pode ter milhões de mortos por covid após fim de restrições

Com fim da maior parte das restrições da política de covid zero, número de mortes pode crescer de forma inevitável na China

Protesto chinês contra "covid zero": se a China tiver a mesma taxa de mortalidade do Brasil, seriam 4,5 milhões de mortes (AFP/Reprodução)

Protesto chinês contra "covid zero": se a China tiver a mesma taxa de mortalidade do Brasil, seriam 4,5 milhões de mortes (AFP/Reprodução)

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Carolina Riveira

Publicado em 20 de dezembro de 2022 às 06h00.

Última atualização em 21 de dezembro de 2022 às 07h40.

Lar de mais de 1,4 bilhão de pessoas, a China conseguiu, até o momento, evitar cifras superlativas em suas vítimas pela covid-19. A situação caminha para mudar. Com o início do fim das restrições na última semana, a China deve viver uma explosão de registros da doença e mortes, um risco que entra no radar de todo o planeta nos próximos dias.

Estudos diferentes apontam para estimativas que vão de mais de 1 milhão a 2 milhões de mortes na China com o fim da política de "covid zero", que havia conseguido - embora cercada de polêmicas - evitar mais casos da doença até o momento.

É muito para um país que, apesar da população na casa do bilhão, teve número baixo de mortes. A China registrava pouco mais de 5 mil mortes e 330 mil casos (sintomáticos) até a segunda semana de dezembro. 

O Brasil, a título de comparação, se aproxima de 700 mil mortes, enquanto os EUA superaram 1 milhão de mortos e a União Europeia, quase 1,2 milhão.

Mulher com máscara em Pequim, em 11 de dezembro de 2022

Mulher em Pequim: restrições começaram a cair em toda a China na última semana (AFP/AFP)

Com o fim das restrições, no entanto, estudo publicado na revista Nature por pesquisadores americanos e chineses em maio deste ano já estimava que poderia-se chegar a mais de 1,5 milhão de mortes.

Já o pesquisador Zhou Jiatong, diretor do Centro de Prevenção e Controle de Doenças em Liuzhou, na China, estimou mais de 2 milhões de mortes possíveis se a China reabrisse aos moldes de Hong Kong, que já relaxou restrições neste ano. O estudo foi publicado no Shanghai Journal of Preventive Medicine, periódico chinês, e reportado pela agência Reuters.

Além das vítimas fatais, a previsão aponta ainda que o número de infectados pode superar 230 milhões — com riscos de sequelas duradouras pela chamada "covid longa".

A alta brusca nos casos preocupa também pelo impacto no sistema de saúde, que pode não suportar toda a demanda concentrada, apesar da infraestrutura de saúde vista como boa na China.

Se a China tivesse a mesma taxa de mortalidade por covid-19 vista nos EUA, por exemplo, o número pularia para 4 milhões de mortos no país. Se fosse a mesma taxa do Brasil (perto de 0,03% da população vitimada), seriam mais de 4,5 milhões de vítimas.

O tema foi levantado nesta semana no perfil do Twitter do pesquisador sino-americano Eric Feigl-Ding, ex-professor da Universidade Harvard e nascido em Xangai, que tem viralizado com publicações sobre o tema desde o início da pandemia.

"Os hospitais estão completamente sobrecarregados na China desde que as restrições caíram", disse Feigl-Ding, que citou ainda estimativas sobre mais de 60% da população da China poder ser infectada nos próximos 90 dias (o que seriam mais de 80 milhões de pessoas).

Durante a pandemia, as postagens do professor foram criticadas por alguns e chamadas de potencialmente exageradas. Seja como for, os números de fato devem seguir subindo na comparação com o que eram durante as restrições mais rígidas.

Pelos números oficiais, a China já passou a registrar mais de 10 mil e até mais de 30 mil casos diários nos últimos dias, seu maior patamar desde o início da pandemia. A Organização Mundial da Saúde confirma que a alta já começou. O governo chinês também apontou que, com a liberação das restrições, não será mais possível rastrear caso a caso os contágios, como vinha sendo feito até então.

Os benefícios e críticas à "covid zero"

A China começou a pandemia de forma desastrada, com os profissionais que tentavam alertar para o surgimento de uma doença potencialmente perigosa sendo silenciados, o que fez a contaminação se espalhar. Depois, porém, Pequim corrigiu a rota e se tornou um dos países do mundo com mais sucesso no combate à covid-19.

Os chineses adotaram, em larga medida, a política batizada de "covid zero", cujo objetivo era reduzir ao máximo o número de casos para, assim, evitar que a doença se agravasse para mortes e casos graves.

A política continuou mesmo após o início da vacinação, com quarentenas totais sempre que os casos começavam a subir em alguma região para evitar que a crise escalasse para o resto do país.

Na opinião de alguns especialistas, como a EXAME mostrou ao longo da pandemia, até mesmo outros países do Ocidente também deveriam ter usado políticas melhores de prevenção aos casos, o que, se feito em escala, teria evitado que a pandemia fosse tão letal globalmente. Não aconteceu, e a política de “covid zero” foi realidade somente em poucos países, como Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Japão e Vietnã, sobretudo antes das vacinas.

Porém, à medida que a vacinação avançou e mais países começavam a relaxar totalmente as restrições, a manutenção da "covid zero" na China foi ficando politicamente insustentável. Uma série de protestos foi registrada no país em novembro, escalando após um incêndio na região de Xinjiang deixar 10 mortos - moradores acusam as medidas de quarentena como responsáveis.

Na maior parte do tempo, os locais viveram vida normal, devido exatamente ao baixo número de casos. A fricção veio, porém, do tratamento dado quando surgia um novo foco de contágios: em muitos momentos, foram aplicadas restrições duras, por vezes questionadas por seus excessos - como quando pessoas infectadas eram levadas, contra a vontade, para locais de isolamento que não suas próprias casas. As medidas levaram também a impactos na economia global, com redução da demanda chinesa.

O presidente da China, Xi Jinping, aparece em vídeo na abertura das negociações ministeriais

Xi Jinping durante a COP 27: pressão para queda nas restrições da covid-19 (AFP/AFP)

Com a pressão negativa contra o governo Xi Jinping, a China liberou várias cidades de suas restrições nas últimas semanas. A vice-premiê chinesa e uma das principais autoridades do governo, Sun Chunlan, chegou a dizer que o vírus estaria "enfraquecendo". O presidente Xi Jinping ainda não se pronunciou oficialmente.

Um desafio extra para a China é que boa parte de sua população jamais se infectou com a covid-19. A vacinação também precisará ser ampliada: a China tem hoje mais de 90% da população vacinada com duas doses (à frente do Brasil, com mais de 80%, e dos EUA, com 70%), mas analistas apontam que o país ainda precisa melhorar a cobertura das doses de reforço.

Além disso, pode ser preciso que Pequim adquira ou produza vacinas mais eficazes contra a doença - até o momento, imunizantes com RNA mensageiro (como o da Pfizer) tem tido eficácia maior contra a ômicron e outras variantes.

Como a EXAME mostrou, a grande expectativa era de que a "reabertura" chinesa trouxesse impactos positivos à economia global com a retomada da demanda, além de uma aguardada volta à normalidade. Mas será preciso cautela para que o processo não termine em tragédia.

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