Castillo toma posse no Peru prometendo vacinas e 'auxílio emergencial'
No discurso de posse, o novo presidente Pedro Castillo disse ainda que respeitará a propriedade privada e não interferirá no câmbio, temas que geram preocupação no mercado
Carolina Riveira
Publicado em 28 de julho de 2021 às 15h11.
Última atualização em 29 de julho de 2021 às 18h00.
Pedro Castillo é oficialmente o novo presidente do Peru . Após vencer Keiko Fujimori em eleição apertada em junho, o professor foi empossado em cerimônia nesta quarta-feira, 28, mesma data do bicentenário da independência peruana.
O novo presidente usou parte de seu discurso de posse para prometer a criação de empregos e assistência às famílias peruanas mais pobres, em meio à crise do coronavírus e os problemas econômicos e políticos que devastaram o país.
O presidente, nascido e até hoje residente de uma área rural no Peru, é o primeiro presidente camponês da história do país. Aos 51 anos, Pedro Castillo Terrones, o até então quase desconhecido professor, se tornou o “candidato do Peru esquecido”, obtendo os votos da população peruana mais pobre, nos Andes e na Amazônia.
"Nosso país cresceu em diferentes governos que chegaram ao poder graças ao voto popular. Desta vez, um governo do povo passou a governar pelo povo e pelo povo", disse, trajando na posse o mesmo chapéu com o qual tradicionalmente foi visto durante a campanha.
No discurso, Castillo disse que espera criar 1 milhão de empregos, incentivados por obras públicas — uma cartilha que vem sendo cada vez mais usada no mundo — e que fará pagamento imediato e emergencial às famílias mais pobres, no valor de 700 sóis peruanos (921,70 reais).
Na fala, Castillo também prometeu incentivos aos pequenos produtores rurais e prioridade à educação, dizendo que seu governo dobrará o orçamento destinado à educação pública nos primeiros anos.
O presidente defendeu também uma nova Constituição, um dos principais temas da eleição. Mas seus planos podem enfrentar resistência no Congresso, no qual o governo não tem maioria.
O começo do mandato de Castillo acontece em meio a um colapso com o avanço do coronavírus no Peru. O país, que já tem uma das maiores taxas de mortalidade do mundo, pouco avançou na vacinação e se vê às voltas com uma nova variante, alambda, encontrada primeiro no país.
Só 23% da população peruana de 32 milhões de pessoas tomou pelo menos uma dose, e 14% está totalmente vacinada. Sem um sistema unificado e nacional de saúde, o Peru ainda sofre com colapso no atendimento aos pacientes. Castillo prometeu 70% da população vacinada com uma dose até o fim do ano e a construção de novos hospitais.
Na frente econômica, o novo presidente disse ainda que seu governo não tem planos de interferir no câmbio, um tema que traz preocupações ao mercado no Peru. "Não pretendemos estatizar nenhuma economia nem [ implementar ] política de controle de câmbio", disse.
Garantiu também o direito à liberdade, e afirmou que a propriedade privada será "protegida pelo Estado". "Queremos que a economia mantenha ordem e estabilidade."
Candidato do partido de esquerda Perú Libre, Castillo venceu a eleição peruana com 50,1% dos votos, ante 49,9% de Keiko Fujimori, do partido de direita Fuerza Popular e filha do ex-ditador Alberto Fujimori (presidente entre 1990 e 2000).
Brigas internas
Castillo tomou posse após semanas de desavenças internas em seu círculo próximo. Há uma queda de braço clara, que se desenrolará a partir de agora.
De um lado, Vladimir Cerrón, líder do Perú Libre, partido de Castillo, e de uma esquerda mais radical, alinhada ao marxismo-leninismo e que defende ampla estatização da economia.
O Perú Libre criticou o próprio Castillo ao afirmar que o novo presidente não estaria dando espaço suficiente (e cargos) à legenda no governo.
Do outro, há Verónika Mendoza, jovem política de 40 anos e que chegou a ser candidata à presidência e se aproximou de Castillo no segundo turno. De centro-esquerda, Verónika tem visões mais moderadas e mais progressistas do que o presidente em pautas de costumes, como direitos das mulheres e dos LGBTQI+.
Mendoza conseguiu emplacar como consultor econômico de Castillo na reta final da eleição o economista Pedro Francke. Logo após Castillo virar contra Keiko na apuração, Francke divulgou um comunicado afirmando que, em um eventual governo, seria respeitada a autonomia do Banco Central e outros mecanismos de mercado.
No Brasil, analistas compararam o comunicado à "Carta aos Brasileiros" que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, divulgou para acalmar os mercados após vencer as eleições de 2002.
No entanto, a posição de Francke e de outras visões mais moderadas no governo pode ser colocada em xeque com as disputas internas. Além das brigas no próprio campo da esquerda, Castillo terá o desafio de lidar com um Congresso onde não tem maioria. O Congresso peruano foi uma pedra no sapato dos presidentes anteriores.
O Parlamento no Peru tem poder de votar moção de confiança contra o presidente (uma particularidade que o difere do Congresso brasileiro). Foi também com liderança dos congressistas que os dois presidentes recentes, Pedro Pablo Kuczynski e Martín Vizcarra, terminaram ameaçados de impeachment. Eleito em 2016, PPK renunciou antes que o impedimento pudesse ocorrer, e Vizcarra, seu vice, terminou de fato sendo retirado do governo.
Com esse histórico, há a possibilidade real de que um governo Castillo possa terminar antes da próxima eleição peruana, em cinco anos.
Passada a eleição, o presidente terá de se organizar — e rápido — para começar a governar. Problemas não faltam.